terça-feira, 6 de novembro de 2018

Amargas reflexões


Fazer política no Brasil é ter vocação suicida.
Sabemos que, ao longo do tempo, houve uma deterioração da vida política brasileira, ao ponto de Sarney ser definido como “inatacável” pelo Lula, que foi definido, em seguida, como “o grande líder da organização criminosa”, segundo as delações que correm por aí.
Artistas e intelectuais perderam a vergonha, e passaram a defender descaradamente bocas, boquinhas e grandes bocas – e a isto chamam de defesa de democracia e da cultura. Palavras como direita e esquerda não só perderam o sentido, como se mesclaram, produzindo um tipo de posicionamento político que aceita e convive com canalhices variadas. Impeachment de uma presidente incompetente, que nos conduziu a uma crise econômica de difícil solução, que desrespeitou a Constituição, ganha o nome de golpe, o que é, antes de tudo, uma leviandade sociológica e gramatical. Intelectuais e acadêmicos repetem a tolice como se estivessem recitando um dogma religioso.
Acadêmicos das áreas sociais, absolutamente estacionados no tempo, são incapazes de elaborar estudos que expliquem o Brasil. Gostam de repetir fórmulas superadas, conceitos inadaptados a um mundo tecnológico, no qual os meios eletrônicos de comunicação desempenham papéis nunca antes imaginado. Darcy Ribeiro nos deixou dois estudos importantes: “O povo brasileiro” e “O Brasil como problema”. Tais estudos, pioneiros e ousados, ficaram por aí: nenhum gênio brasileiro se interessou em aprofundá-los.  
Quando uma pobre adolescente é currada por um bando de desajustados e infelizes ou uma criança de três anos é violentada por seu padrasto, muitos se dão conta que a sociedade brasileira está enferma, muito enferma, pois já houve casos iguais, muitos, e tão escabrosos, em todo o território brasileiro. Claro, queremos que os delinquentes sejam punidos – e severamente. Quando digo severamente estou me candidatando ao bullying dos pretensos defensores dos recursos humanos – para quem criminosos, estupradores e assassinos são recuperáveis mediante bons conselhos.  
Mas os crimes, sejam os de colarinho branco, sejam os demais, continuarão a prosperar, pois ninguém, na verdade, se interessa em saber a origem de tudo isso. Somos um povo que adora o lugar comum, nunca a busca inteligente de explicações e saídas. Nenhuma universidade brasileira consta da lista das 200 melhores universidades do mundo. Pensamos pouco. É muito melhor repetir chavões e lugares comuns.
Somos um país que vive de fantasias, muitas sobre nós mesmos, que custam caro e penalizam os mais pobres. Todos sabiam que a Copa do Mundo e as Olimpíadas, por exemplo, iriam nos custar o olho da cara, iriam permitir desvios e superfaturamentos e nos tornar donos de imensos “elefantes brancos”. Todos sabiam, mas todos acharam e acham “bacana” sermos anfitriões de jogos que nos custaram (e custam) um mundo de grana. Os milhões de desempregados, os infectados por mosquitos vagabundos, os analfabetos absolutos ou funcionais não entraram nas nossas cogitações.
Somos todos culpados, sobretudo aqueles que se sentem portadores de verdades históricas irremovíveis, próprias do século XIX. Enquanto alguns ficam gritando contra o suposto “golpe” que apeou do poder um governo apodrecido e inepto, 12 milhões de brasileiros estão desempregados, 60 milhões são inadimplentes, milhares estão fora da escola, pois as escolas são ficções educacionais, ruins e superadas, os hospitais públicos assemelham-se a pardieiros ou a campos de concentração, onde pessoas morrem nos corredores ou na fila de espera. 44% da população do Brasil não lê; 30% nunca comprou na vida um livro sequer; 74% não adquiriu um livro nos últimos três meses. Livrarias estão fechando, mas poucos são os que se incomodam com isso: preferem shoppings. Enquanto isso, a filha de Luiza Trajano, dona da rede de lojas Magazine Luzia, recebeu meio milhão, via Lei Rouanet, para fazer um livro de receita. Maria Betânia recebeu um milhão e meio para fazer um espetáculo em que recitava poemas. O projeto “Shows de Cláudio Leite” papou 5,8 milhões e a “Turnê de Luan Santana”, 4,1 milhões. Até casamentos receberam recursos da lei. Quando o novo governo diz que vai rever os mecanismos da Lei Rouanet, pilantras saem a campo afirmando que a cultura está ameaçada. Alguma coisa realmente está errada no país do futuro, que atolou no presente – e dele não quer sair.
Somos um povo que convivemos com a miséria, a estupidez, a ignorância e a violência, achando que temos só direitos, nenhuma obrigação ou dever ou responsabilidade. Herdamos e cultivamos ódios, ressentimentos, ressaibos, lutas sem sentido, preconceitos e adoramos repetir trivialidades. Somos um povo generalizadamente desinformado, mas gostamos de palpitar sobre tudo. Li, há tempos, um artigo de José Sarney na Folha de S. Paulo, em que ele, do alto de sua sabedoria, condenava – vejam! - a corrupção. Certa vez, vi, na TV, uma jogadora de basquete palpitando sobre tráfego aéreo. Não desejamos qualidade, mas quantidade. Não acreditamos no mérito, mas no jeitinho. Não gostamos de cumprir papéis, mas de ver gente fazendo o que deveríamos estar fazendo. Não desejamos o saber nem o conhecimento, mas o lugar comum, o clichê. Não amamos virtudes – e, sim, o nepotismo, o fisiologismo e a canalhice, inclusive o nepotismo, o fisiologismo e a canalhice disfarçados.
A maioria do povo brasileiro não vive, mas, como disse Cláudio Abramo, sobrenada.
Com estas amargas reflexões, encerro por hoje. A vida brasileira é repetitiva, mas como escreveu Dias Gomes numa peça famosa, “no passado, pelo menos éramos campeões do mundo!” Hoje, estamos condenados ao 7 x 1 do Felipão e às prédicas tolas do Tite.

sábado, 3 de novembro de 2018

Bobageira não é sinônimo de oposição


Não vou aceitar que o PT – nem ninguém - paute a minha oposição ao governo Bolsonaro.
É essencial que as esquerdas reconstruam um consistente projeto, sem as taras que o PT plantou no cenário político do país. O PT provou nos seus 13 anos de governo que não é um partido de esquerda, muito menos capacitado a administrar o país. É um partido retórico, arrogante, incapaz de levar vida democrática e aceitar que outros pensem de modo diverso. O PT é um partido autoritário. O seu grande líder, o comissário Lula, está preso devido bandalheiras que patrocinou e usufruiu. Vai cumprir 12 anos - e alguns outros mais, que a justiça logo definirá ao julgar seus outros processos.
A escolha do juiz Moro causou certo reboliço nas hostes petistas – e com razão. Moro, na ministério da Justiça, aprofundará a luta contra a corrupção e irá fundo na luta contra o crime organizado. Isto é intolerável para o PT e asseclas, que desejam viver num mundo de impunidades. Esta é a origem da ânsia petista pela soltura do Lula. Impunidade: seu nome é Lula livre.
Vi o ex-deputado José Eduardo Cardoso, aquele pífio e medíocre advogado da ex-presidente Dilma, dizer que a ida de Moro para um cargo executivo é inédita e depõe contra a justiça. Muitos petistas repetiram a bobagem, o que demonstra um desconhecimento compacto e generalizado da história brasileira. Nelson Jobim foi ministro do STF e, depois, ministro da Defesa. Célio Borja foi do STF e, em seguida, ministro da Justiça. No Império, Eusébio de Queiróz foi juiz e, depois, ministro da Justiça, autor da lei que reprimia o tráfico de escravos. O exemplo mais emblemático foi o de José Francisco Rezek, que pediu exoneração em 1990 (tinha sido nomeado em 1989) do cargo de ministro do STF e foi ser ministro das Relações Exteriores, onde permaneceu até 1992. Muitos ministros se transformaram em juízes, inclusive da suprema corte. Mudanças de lado a lado é comum no Brasil.
Até agora, confesso docemente constrangido, os nomes indicados por Bolsonaro me agradaram. E tem mais: queiramos ou não, Bolsonaro foi eleito e pode escolher quem ele quiser para compor o seu ministro.
Sou favorável à fusão dos ministérios da Educação e Cultura. Não há constrangimento alguma nessa providência: leiam os livros “Tempos de Capanema” (Simon Schwartzman, e outros, Paz e Terra) e “Gustavo Capanema” (Murilo Badaró, Nova Fronteira). Gustavo Capanema foi um dos grandes ministros da Educação e da Cultura. Seu chefe de gabinete era Carlos Drummond de Andrade. Criou o Serviço Nacional do Teatro e o Instituto Nacional do Livro, entre muitos outros órgãos ligados às duas áreas. Digo isto porque desejo reafirmar que não há incompatibilidade entre educação e cultura, que podem formar um único ministério.
Não votei no Bolsonaro e nem no Haddad. Aliás, nem fui lá: fiquei em casa lendo “A ilha de Sacalina: notas de viagem” (Anton Tchékhon, Todavia). Mas eu sabia que Bolsonaro seria eleito. Não perdi, nem vou perder o sono por isso. Nem acho que a democracia corre perigo.
Por fim, oposição não é baderna nem besteirol, muito menos essa tolice a que chamam de “resistência”. É preciso que ela tenha conteúdo e objetivos consistentes, sendo um deles, sem dúvida, a montagem de um projeto de esquerda, pluripartidário, democrático, que permita a convivência dos contrários e a liberte das taras e da corrupção. Concluo: não vou ser pautado pelo PT e muito menos por gente como a Gleisi, o Lindenberg, Boulos et caterva.
Meu único consultor é o Velhote do Penedo. Mesmo assim, ele às vezes me enche o saco.