quarta-feira, 5 de junho de 2013

Educação, Brasil, futuro - como unir as peças?


O Brasil precisa de um projeto de educação

No começo, a riqueza vinha da terra e da mão-de-obra escrava. A terra era fértil, farta e generosa – em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem, disse Pero Vaz de Caminha.

Primeiro, extraiu-se o pau-brasil. Depois, plantou-se cana e exportou-se açúcar para um mercado europeu sequioso do produto. Em seguida, descobriu-se ouro e pedras – e o eixo econômico deslocou-se da faixa úmida do nordeste para o centro-sul, em busca da riqueza amarela. Surgiram cidades, esboçou-se a formação de uma classe média, criaram-se os caminhos ligando o litoral ao interior.

E veio, então, o algodão, as drogas do sertão, o fumo, o café, o látex. O Brasil formava-se através de ciclos. A pecuária desbravou o sertão. Matas e florestas – imensas, sem fim, ricas em madeira, plantas e animais e aves - foram derrubadas, processo, aliás, que continua até hoje. Rios foram percorridos e, mais tarde, poluídos. O território ia, aos poucos, sendo vencido e ocupado, aos trancos e barrancos. Os naturais da terra, os indígenas, eram extermidos, tal como acontecia em outros continentes.

Nesse começo, bastavam apenas a terra e a mão-de-obra escrava, que era importada, a ferro e fogo, da África. Após a longa viagem num porão sem luz, fétido e entulhado, onde a maioria morria no trajeto, o escravo sobrevivente descia acorrentado do navio negreiro, era adquirido por uns quantos dobrões, recebia uma enxada – que ele não conhecia – e, com a força dos seus músculos e a fertilidade da terra, começava a produzir riqueza. Riqueza que a globalização da época levava para a Europa.

Mais tarde, a riqueza produzida no campo – ou seja, o capital primitivamente acumulado com base na força de trabalho do negro escravo - transferiu-se para as cidades e a industrialização exigiu que o trabalhador livre tivesse não apenas músculos, mas um mínimo de qualificação, um mínimo de saber fazer. Os imigrantes – gente vinda da Itália, Espanha, Japão, Alemanha, de muitas outras terras d’além mar – trouxeram parte desse conhecimento, que foi aproveitado nas indústrias nascentes e na agricultura que abastecia as cidades de alimentos e fornecia matéria-prima que as atividades fabris exigiam.

O nordestino, tal e qual o imigrante estrangeiro, também se deslocou de suas terras e, em São Paulo, logo aprendeu a ser pedreiro ou, caso soubesse ler, alguns ofícios que o qualificavam como operário. Tornaram-se metalúrgicos, ferramenteiros, torneiros, mecânicos, operários da construção civil. Imigrantes e nordestinos provaram possuir mãos hábeis - mãos que sabiam aprender ofícios repetitivos. Mãos treinadas: era o que bastava para criar a nova riqueza.

Nas últimas décadas, porém, tudo mudou. Uma nova realidade surgiu. O mundo se integrou, as distâncias se reduziram, a Internet foi criada, o conhecimento e a inovação tornaram-se fatores de produção – tão importantes quanto o capital, a matéria-prima e a mão-de-obra. Em lugar do operário, cujas mãos treinadas e hábeis não eram mais suficientes para a criação de riquezas, a economia passou a exigir agora o operador e o técnico. Duas categorias de trabalhadores capazes de manipular equipamento digital e manejar, à distância, máquinas robotizadas. Trabalhadores capazes de exercer atividades complexas. Trabalhadores que soubessem manusear e regular equipamentos e máquinas modernas. Trabalhadores, enfim, que tivessem recebido uma formação educacional, que o possibilitassem a resolver problemas, propor soluções e dominar técnicas sofisticadas.

Se o escravo tinha os músculos, se o operário nordestino e o imigrante tinham mãos hábeis, o novo trabalhador precisa ter familiaridade com a operação de equipamentos digitalizados – o que significa que, além de habilidade, ele deve possuir amplos conhecimentos, da informática ao inglês. Aos poucos, mas de forma inexorável, os operários tradicionais e os gerentes estão sendo substituídos por uma nova classe de trabalhadores e líderes qualificados, capazes de lidar com as inovações tecnológicas que revolucionam permanentemente os métodos de trabalho e os sistemas produtivos. Hoje, sem essa nova classe de trabalhadores e gerentes, a economia simplesmente não funciona. Pára. Cai no atoleiro. Um país só participa da corrida pelo desenvolvimento com inovação e profissionais qualificados.

Todos dizem, e todos estão certos, que a educação tornou-se o fator determinante do processo produtivo e do próprio sistema de garantia de emprego e renda. O escravo era analfabeto, mas isto não o impedia de plantar cana e catar ouro nas minas gerais. O operário de mãos hábeis sabia pouco mais que ler, mas a natureza do seu trabalho não exigia mais que isso. O operador e o técnico, contudo, precisam ter um nível de conhecimento elevado, precisam ter uma formação especial, senão serão incapazes de enfrentar os desafios do mundo moderno e da geração da riqueza.

Nesse contexto, o Brasil vive, hoje, um grave paradoxo: possui uma imensa massa de desempregados (que os dados oficiais escamoteiam), enquanto fábricas, serviços e setores específicos têm um acervo enorme de vagas não preenchidas por falta de operadores e profissionais qualificados. Segundo José Pastore, os casos mais eloquentes são os dos setores petroquímicos, sucroalcooleiro e da construção civil. O antigo presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, manifestou-se preocupado com a falta de profissionais qualificados, circunstância, segundo ele, que pode dificultar ou, mesmo, impedir a adoção dos projetos da empresa. Os produtores de cana-de-açúcar e etanol têm reclamado contra a carência de pessoal que enfrentam – e argumentam que apenas um terço dos trabalhadores disponíveis tem condições de operar e fazer ajustes nas modernas máquinas computadorizadas que estão entrando no setor. Por fim, os empresários da construção civil têm dito seguidamente que há escassez de mão-de-obra qualificada. O setor de confecções de roupas possui, hoje, 50 mil vagas não preenchidas por falta de mão-de-bra qualificada. Nos dias atuais, as modernas máquinas de costura são programadas por computador, e raras são as trabalhadoras capazes de manipular tais equipamentos.

Além desses setores, outros tantos também padecem da mesma carência de recursos humanos. O mercado brasileiro de tecnologia da informação alcançou um crescimento expressivo, mas padece da falta de mão-de-obra qualificada. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes) e da Manager Assessoria de Recursos Humanos, há, no momento, um déficit de 50 mil profissionais no mercado, que poderá evoluir para 200 mil até 2015. 

O Brasil precisa aproveitar as oportunidades que as circunstâncias históricas estão oferecendo, mas o desenvolvimento brasileiro esbarra nos efeitos danosos de uma educação, em todos os níveis, de baixa qualidade, ministrada, com as exceções de praxe, em escolas inadequadas e sem equipamentos e bibliotecas. Crescemos pouco e lentamente nos campos da ciência, da tecnologia e da inovação, mormente porque carecemos de recursos humanos qualificados em número suficiente para situar o Brasil na luta pela produção e pelo domínio do conhecimento. Certo dia, o presidente Lula repetiu um slogan do tempo da ditadura: “o Brasil é um país que vai para frente”. Só esqueceu-se de dizer uma coisa: mas com o freio de mão puxado.

Em termos educacionais, o que se discute, o tema que excita a todos, é a crise e a reforma universitária, o regime de cotas e outras tantas novidades criadas pelos tecnocratas e ideólogos do ensino. Embora extremamente relevante, pois a universidade brasileira, sobretudo a pública, encontra-se, com as exceções de sempre, semidestruída e semidesmoralizada, esta não é o único – nem o principal - portal de entrada de uma discussão séria sobre a educação brasileira. Tal discussão deve começar pelo ensino fundamental e médio, onde a sociedade e o governo brasileiro deveriam estar investindo tempo, energia e dinheiro.

De que adianta reformar a universidade se grande parte do alunado que a alcança traz na sua formação as mazelas e taras de um ensino fundamental e médio de baixíssima qualidade? Todos, pais e professores, têm experiência direta ou indireta nesse assunto. Todos sabem que muitos dos discentes que chegam às faculdades, centros universitários e universidades públicas e privadas são verdadeiros analfabetos funcionais, incapazes de redigir, sem erro e com lógica, um simples bilhete. O pior que a maioria sai da universidade da mesma maneira, embora com um canudo na mão. Outro dia, um professor do curso de engenharia da UFRJ disse algo desconcertante: o primeiro semestre do curso ele gasta ensinando aos alunos coisas elementares, como regra de três e equação de primeiro grau, que os alunos não aprenderam na escola.

Nenhum exagero nisso. A UNESCO verificou que 50% dos alunos brasileiros estão abaixo da escala de verificação no domínio dos rudimentos básicos da leitura e da aritmética. Entre 41 países estudados pelo organismo, o Brasil ficou em 37º lugar na prova de leitura e em último na prova de aritmética. Antes, em 1992, um teste (questões de matemática e ciências) que reuniu vinte países, num total de 4.000 escolas e 157.000 estudantes, evidenciou a fragilidade do ensino brasileiro. No Brasil, foram selecionadas 110 escolas na cidade de São Paulo e 110 em Fortaleza. O resultado do teste foi, no mínimo, acachapante: os estudantes brasileiros só superaram os de Moçambique, um país solapado pelo colonialismo e por anos de guerra civil. Ora, se os indicadores de avaliação dos alunos brasileiros de ensino fundamental e médio são tão pífios, como estes alunos poderiam ser bons alunos no curso superior?

A maioria dos alunos universitários não lê – e não lê porque não adquiriu o hábito e o gosto da leitura. Pudera: sabe-se que 80% dos docentes do ensino primário e médio jamais leram um livro. Como vão transmitir aos seus alunos um hábito e um gosto que – eles, professores – não possuem? A reforma do ensino fundamental e médio, que não está na ordem do dia, é tão ou mais prioritária e indispensável que a reforma universitária.

Os alunos que chegam ao ensino superior possuem, devido à falta de leitura, um vocabulário extremamente pobre – daí sua incapacidade de formular conceitos organizados e idéias razoavelmente estruturadas. Os alunos, em geral, são incapazes de fazer o resumo de uma página que acabaram de ler, ou de ir até o final de um livro – isso, claro, quando tomam um livro nas mãos, o que é raro. A ausência de qualquer atividade intelectual autônoma criou nos estudantes uma espécie de indolência mental, que os impede de construir e externar bons pensamentos, ou seja, idéias organizadas e estruturadas.

Bem verdade que o baixo nível cultural dos universitários não se explica apenas pela sua má formação de base. A má qualidade dos cursos superiores (ineficácia e programas defasados), a ausência de laboratórios equipados, a insuficiência das bibliotecas, a carência de bons professores e a falta de espírito universitário e desinteresse pelo conhecimento, principalmente nas instituições privadas, entre outros fatores, potencializam as sequelas que os estudantes trazem dos cursos fundamentais e médios das escolas brasileiras.
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Agora, com vocês, Noel Rosa, o Poeta da Vila. Viveu apenas 27 anos e compôs mais de 250 canções, entre elas "Filosofia".
 
 

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