domingo, 23 de junho de 2013

As manifestações populares no Brasil




"Tia" Dilma está encurralada

As manifestações populares que se espalharam como um rastilho de pólvora pelo Brasil, surpreenderam e, até certo ponto, assustaram governos, meios de comunicações, políticos e partidos.

Afinal, todos supunham que o povo sentia-se no melhor dos mundos, o futebol (Copa das Confederações) estava aí mesmo para cumprir o seu papel entorpecedor, apesar dos evidentes sinais de insatisfação que há meses se manifestavam aqui e ali. O tsunami se aproximava – mas as elites não estavam nem aí. Vi um governador informar a uma população sem educação decente, sem hospitais públicos dignos, sem transporte coletivo de qualidade, uma população sem segurança e sem perspectivas, o custo do estádio de futebol no seu estado. Disse estar orgulhoso dos trabalhadores que “o ajudaram naquela empreitada”. A verdade é que o Brasil, até agora, já gastou 30 bilhões em estádios luxuosos. As elites estavam certas de que a beleza dos estádios faria o povo relevar superfaturamentos, gastanças e corrupção.

Quando os primeiros manifestantes saíram à rua, políticos e autoridades governamentais limitaram-se a dar de ombros, ao ponto de Alkmin e Haddad afirmarem que não voltariam atrás nos aumento. O ministro da Fazenda declarou que o governo não tinha como desonerar as tarifas de ônibus, tidas como a reivindicação única de um movimento que se espalhava por todo o país, chegando, inclusive, a cidades de 20 e 30 mil habitantes. Mantega, Alkmin e Haddad esnobaram o pleito dos manifestantes sem perceber que estavam – e estão – sentados num braseiro. Tenho relativa experiência com os jovens pré e universitários – e sei que o jargão deles nada tem a ver com o jargão dos políticos ou com a palavreado algo idiotizado dos meios de comunicação.

Fui, com minha neta e o namorado dela, às passeatas de Brasília. Por curiosidade sociológica, prestei bastante atenção nas “reivindicações” que os jovens expunham em toscos, mas criativos, cartazes de cartolina - e eles não se limitavam a pedir a redução das tarifas. O desprezo pelos políticos, a certeza de que eles são safados e a convicção de que os governantes são uma corja de bandidos – tudo isto eu ouvi, durante anos, em sala de aula. Os cartazes que a garotada empunhava apenas expressava o que eles, aqui e ali, já diziam a quem se dispunha a ouvi-los.

Claro, havia “reivindicações” específicas, inclusive contra a gastança em estádios superfaturados. Um cartaz dizia: “O Brasil não precisa de estádios, precisa de educação e saúde”. Alguém duvida disso? Mas um cartaz em especial chamou a minha atenção: “Os políticos são o câncer da nação”. Pode-se discutir se o comentário é ou não correto do ponto de vista sociológico ou, mesmo, político, se o comentário é de direita ou de esquerda, se é conservador ou progressista. O importante, para mim, é que o comentário reflete um sentimento enraizado. O desprezo e a descrença nos políticos (e na política) são, a meu ver, o cerne das manifestações.

Engana-se, porém, quem pensa que os manifestantes formam uma massa homogênea do ponto de vista social – e que todos estão preocupados com a política ou com reivindicações específicas ou genéricas. Os manifestantes (a categoria total presente nas ruas da cidades brasileiras) talvez tenham em comum a faixa etária, o que é em parte verdade. Há de tudo nas manifestações: jovens e coroas da pequena burguesia, jovens e coroas de classe média baixa e alta, estudantes secundários e universitários, não estudantes, trabalhadores e não trabalhadores, punks, skinheads.

Os “vândalos”, palavra tão enraizada pela TV Globo e pela GloboNews quando reportam as manifestações, são, em linhas gerais, estudantes e trabalhadores de classe média enfurecidos e impacientes (como disse o deputado Miro Teixeira, “há gente que vai a bailes ou estádios para brigar”) e moradores de rua e jovens marginais (bandoleiros ou ex-bandoleiros do narcotráfico) que são, em última análise, as grandes vítimas de um histórico sistema social que, desde a colonização, atende apenas os filhos da classe média alta e das elites. Jovens de classe média universitária protestam expurgando políticos e governantes; os “vândalos do PCC” que se misturaram às manifestações, estão, por assim dizer, protestando à maneira deles – ou seja, pondo fogo, quebrando e saqueando lojas, bancos e pontos de ônibus.

Afinal, que significado tem para um “vândalo do PCC”, semianalfabeto e desempregado, residente em favelas e áreas degradadas, expressões como “bem público”, “direito de ir e vir”, “democracia representativa”, “valores republicanos”, “reivindicações legítimas”? Se para um “vândalo do PCC” tais expressões não significam nada, para o jovem universitário de classe média tais expressões “é papo de político que quer enganar o povo”. Muitos me disseram isso.

É bom não esquecer: na sexta feira, 21 de junho, os “vândalos” que quebraram e roubaram revendedoras de automóveis na Barra da Tijuca eram jovens marginalizados da Cidade de Deus, um das centenas de “ghettos” do Rio de Janeiro, educados sob a lógico da violência. Muitos desses “vândalos do PCC” têm passagem na polícia – por roubo, assalto e tráfico de drogas.

A presidente Dilma, em rede nacional, afirmou que apoia o clamor das ruas, desde que pacíficos e ordeiros. Afirmou que é contra a corrupção; ora, estranho seria ela dizer que é a favor. Disse que vai reunir-se com governadores, prefeitos e ministros para definir grandes planos para a educação, a saúde, os transportes públicos – logo ela que estimou o consumo de automóveis, nunca se importando com o povão que diariamente são obrigados a viajar em ônibus imundos.

O PT está no poder há dez anos – e só agora, quando o povo foi às ruas, o governo, pela voz da presidente, promete enfrentar os problemas que todos sabíamos que existiam, inclusive os governantes que, agora, estão assustados. Dilma falou em reforma política e em lutar contra a corrupção – e convocou Eduardo Alves, Renan e Sarney para debater temas tão candentes. Esqueceu de convocar o companheiro Maluf e a turma do mensalão.

Ocorreu-me agora que os moradores da região serrana do Rio de Janeiro estão, há anos, esperando as providências que “tia” Dilma prometeu no auge das enchentes e das mais de 400 mortes na região. O povo não é trouxa: sabe que “tia” Dilma esta manietada por interesses escusos e baixos, os quais, todos sabemos, ela despreza, mas dos quais não tem como se libertar.

Como então vai atender o clamor que vem das ruas?

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Educação, Brasil, futuro - como unir as peças?


O Brasil precisa de um projeto de educação

No começo, a riqueza vinha da terra e da mão-de-obra escrava. A terra era fértil, farta e generosa – em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem, disse Pero Vaz de Caminha.

Primeiro, extraiu-se o pau-brasil. Depois, plantou-se cana e exportou-se açúcar para um mercado europeu sequioso do produto. Em seguida, descobriu-se ouro e pedras – e o eixo econômico deslocou-se da faixa úmida do nordeste para o centro-sul, em busca da riqueza amarela. Surgiram cidades, esboçou-se a formação de uma classe média, criaram-se os caminhos ligando o litoral ao interior.

E veio, então, o algodão, as drogas do sertão, o fumo, o café, o látex. O Brasil formava-se através de ciclos. A pecuária desbravou o sertão. Matas e florestas – imensas, sem fim, ricas em madeira, plantas e animais e aves - foram derrubadas, processo, aliás, que continua até hoje. Rios foram percorridos e, mais tarde, poluídos. O território ia, aos poucos, sendo vencido e ocupado, aos trancos e barrancos. Os naturais da terra, os indígenas, eram extermidos, tal como acontecia em outros continentes.

Nesse começo, bastavam apenas a terra e a mão-de-obra escrava, que era importada, a ferro e fogo, da África. Após a longa viagem num porão sem luz, fétido e entulhado, onde a maioria morria no trajeto, o escravo sobrevivente descia acorrentado do navio negreiro, era adquirido por uns quantos dobrões, recebia uma enxada – que ele não conhecia – e, com a força dos seus músculos e a fertilidade da terra, começava a produzir riqueza. Riqueza que a globalização da época levava para a Europa.

Mais tarde, a riqueza produzida no campo – ou seja, o capital primitivamente acumulado com base na força de trabalho do negro escravo - transferiu-se para as cidades e a industrialização exigiu que o trabalhador livre tivesse não apenas músculos, mas um mínimo de qualificação, um mínimo de saber fazer. Os imigrantes – gente vinda da Itália, Espanha, Japão, Alemanha, de muitas outras terras d’além mar – trouxeram parte desse conhecimento, que foi aproveitado nas indústrias nascentes e na agricultura que abastecia as cidades de alimentos e fornecia matéria-prima que as atividades fabris exigiam.

O nordestino, tal e qual o imigrante estrangeiro, também se deslocou de suas terras e, em São Paulo, logo aprendeu a ser pedreiro ou, caso soubesse ler, alguns ofícios que o qualificavam como operário. Tornaram-se metalúrgicos, ferramenteiros, torneiros, mecânicos, operários da construção civil. Imigrantes e nordestinos provaram possuir mãos hábeis - mãos que sabiam aprender ofícios repetitivos. Mãos treinadas: era o que bastava para criar a nova riqueza.

Nas últimas décadas, porém, tudo mudou. Uma nova realidade surgiu. O mundo se integrou, as distâncias se reduziram, a Internet foi criada, o conhecimento e a inovação tornaram-se fatores de produção – tão importantes quanto o capital, a matéria-prima e a mão-de-obra. Em lugar do operário, cujas mãos treinadas e hábeis não eram mais suficientes para a criação de riquezas, a economia passou a exigir agora o operador e o técnico. Duas categorias de trabalhadores capazes de manipular equipamento digital e manejar, à distância, máquinas robotizadas. Trabalhadores capazes de exercer atividades complexas. Trabalhadores que soubessem manusear e regular equipamentos e máquinas modernas. Trabalhadores, enfim, que tivessem recebido uma formação educacional, que o possibilitassem a resolver problemas, propor soluções e dominar técnicas sofisticadas.

Se o escravo tinha os músculos, se o operário nordestino e o imigrante tinham mãos hábeis, o novo trabalhador precisa ter familiaridade com a operação de equipamentos digitalizados – o que significa que, além de habilidade, ele deve possuir amplos conhecimentos, da informática ao inglês. Aos poucos, mas de forma inexorável, os operários tradicionais e os gerentes estão sendo substituídos por uma nova classe de trabalhadores e líderes qualificados, capazes de lidar com as inovações tecnológicas que revolucionam permanentemente os métodos de trabalho e os sistemas produtivos. Hoje, sem essa nova classe de trabalhadores e gerentes, a economia simplesmente não funciona. Pára. Cai no atoleiro. Um país só participa da corrida pelo desenvolvimento com inovação e profissionais qualificados.

Todos dizem, e todos estão certos, que a educação tornou-se o fator determinante do processo produtivo e do próprio sistema de garantia de emprego e renda. O escravo era analfabeto, mas isto não o impedia de plantar cana e catar ouro nas minas gerais. O operário de mãos hábeis sabia pouco mais que ler, mas a natureza do seu trabalho não exigia mais que isso. O operador e o técnico, contudo, precisam ter um nível de conhecimento elevado, precisam ter uma formação especial, senão serão incapazes de enfrentar os desafios do mundo moderno e da geração da riqueza.

Nesse contexto, o Brasil vive, hoje, um grave paradoxo: possui uma imensa massa de desempregados (que os dados oficiais escamoteiam), enquanto fábricas, serviços e setores específicos têm um acervo enorme de vagas não preenchidas por falta de operadores e profissionais qualificados. Segundo José Pastore, os casos mais eloquentes são os dos setores petroquímicos, sucroalcooleiro e da construção civil. O antigo presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, manifestou-se preocupado com a falta de profissionais qualificados, circunstância, segundo ele, que pode dificultar ou, mesmo, impedir a adoção dos projetos da empresa. Os produtores de cana-de-açúcar e etanol têm reclamado contra a carência de pessoal que enfrentam – e argumentam que apenas um terço dos trabalhadores disponíveis tem condições de operar e fazer ajustes nas modernas máquinas computadorizadas que estão entrando no setor. Por fim, os empresários da construção civil têm dito seguidamente que há escassez de mão-de-obra qualificada. O setor de confecções de roupas possui, hoje, 50 mil vagas não preenchidas por falta de mão-de-bra qualificada. Nos dias atuais, as modernas máquinas de costura são programadas por computador, e raras são as trabalhadoras capazes de manipular tais equipamentos.

Além desses setores, outros tantos também padecem da mesma carência de recursos humanos. O mercado brasileiro de tecnologia da informação alcançou um crescimento expressivo, mas padece da falta de mão-de-obra qualificada. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes) e da Manager Assessoria de Recursos Humanos, há, no momento, um déficit de 50 mil profissionais no mercado, que poderá evoluir para 200 mil até 2015. 

O Brasil precisa aproveitar as oportunidades que as circunstâncias históricas estão oferecendo, mas o desenvolvimento brasileiro esbarra nos efeitos danosos de uma educação, em todos os níveis, de baixa qualidade, ministrada, com as exceções de praxe, em escolas inadequadas e sem equipamentos e bibliotecas. Crescemos pouco e lentamente nos campos da ciência, da tecnologia e da inovação, mormente porque carecemos de recursos humanos qualificados em número suficiente para situar o Brasil na luta pela produção e pelo domínio do conhecimento. Certo dia, o presidente Lula repetiu um slogan do tempo da ditadura: “o Brasil é um país que vai para frente”. Só esqueceu-se de dizer uma coisa: mas com o freio de mão puxado.

Em termos educacionais, o que se discute, o tema que excita a todos, é a crise e a reforma universitária, o regime de cotas e outras tantas novidades criadas pelos tecnocratas e ideólogos do ensino. Embora extremamente relevante, pois a universidade brasileira, sobretudo a pública, encontra-se, com as exceções de sempre, semidestruída e semidesmoralizada, esta não é o único – nem o principal - portal de entrada de uma discussão séria sobre a educação brasileira. Tal discussão deve começar pelo ensino fundamental e médio, onde a sociedade e o governo brasileiro deveriam estar investindo tempo, energia e dinheiro.

De que adianta reformar a universidade se grande parte do alunado que a alcança traz na sua formação as mazelas e taras de um ensino fundamental e médio de baixíssima qualidade? Todos, pais e professores, têm experiência direta ou indireta nesse assunto. Todos sabem que muitos dos discentes que chegam às faculdades, centros universitários e universidades públicas e privadas são verdadeiros analfabetos funcionais, incapazes de redigir, sem erro e com lógica, um simples bilhete. O pior que a maioria sai da universidade da mesma maneira, embora com um canudo na mão. Outro dia, um professor do curso de engenharia da UFRJ disse algo desconcertante: o primeiro semestre do curso ele gasta ensinando aos alunos coisas elementares, como regra de três e equação de primeiro grau, que os alunos não aprenderam na escola.

Nenhum exagero nisso. A UNESCO verificou que 50% dos alunos brasileiros estão abaixo da escala de verificação no domínio dos rudimentos básicos da leitura e da aritmética. Entre 41 países estudados pelo organismo, o Brasil ficou em 37º lugar na prova de leitura e em último na prova de aritmética. Antes, em 1992, um teste (questões de matemática e ciências) que reuniu vinte países, num total de 4.000 escolas e 157.000 estudantes, evidenciou a fragilidade do ensino brasileiro. No Brasil, foram selecionadas 110 escolas na cidade de São Paulo e 110 em Fortaleza. O resultado do teste foi, no mínimo, acachapante: os estudantes brasileiros só superaram os de Moçambique, um país solapado pelo colonialismo e por anos de guerra civil. Ora, se os indicadores de avaliação dos alunos brasileiros de ensino fundamental e médio são tão pífios, como estes alunos poderiam ser bons alunos no curso superior?

A maioria dos alunos universitários não lê – e não lê porque não adquiriu o hábito e o gosto da leitura. Pudera: sabe-se que 80% dos docentes do ensino primário e médio jamais leram um livro. Como vão transmitir aos seus alunos um hábito e um gosto que – eles, professores – não possuem? A reforma do ensino fundamental e médio, que não está na ordem do dia, é tão ou mais prioritária e indispensável que a reforma universitária.

Os alunos que chegam ao ensino superior possuem, devido à falta de leitura, um vocabulário extremamente pobre – daí sua incapacidade de formular conceitos organizados e idéias razoavelmente estruturadas. Os alunos, em geral, são incapazes de fazer o resumo de uma página que acabaram de ler, ou de ir até o final de um livro – isso, claro, quando tomam um livro nas mãos, o que é raro. A ausência de qualquer atividade intelectual autônoma criou nos estudantes uma espécie de indolência mental, que os impede de construir e externar bons pensamentos, ou seja, idéias organizadas e estruturadas.

Bem verdade que o baixo nível cultural dos universitários não se explica apenas pela sua má formação de base. A má qualidade dos cursos superiores (ineficácia e programas defasados), a ausência de laboratórios equipados, a insuficiência das bibliotecas, a carência de bons professores e a falta de espírito universitário e desinteresse pelo conhecimento, principalmente nas instituições privadas, entre outros fatores, potencializam as sequelas que os estudantes trazem dos cursos fundamentais e médios das escolas brasileiras.
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Agora, com vocês, Noel Rosa, o Poeta da Vila. Viveu apenas 27 anos e compôs mais de 250 canções, entre elas "Filosofia".