segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Otto Maria Carpeaux, cultura e política

Entre os acontecimentos do presente ano, o 70º aniversário da estreia de Otto Maria Carpeaux como articulista do Correio da Manhã deve ser lembrado com as pompas de um grande fato cultural. Porque Carpeaux não era uma pessoa qualquer; era um intelectual cujo saber era tão imenso quanto a sua capacidade de transformar erudição em algo útil e atraente. No entanto, ninguém se lembrou de que em 2010 celebrou os 110 anos de nascimento de Carpeaux em Viena, na Áustria.
Otto Maria Carpeaux costumava afirmar que tivera uma vida monótona, sem "episódios" especiais. Será? Em 1938, ainda na sua terra natal, o escritor engajou-se na luta contra o nazismo, o que o obrigou, quando da anexação da Áustria à Alemanha hitlerista, a uma fuga espetacular pelos cantões de uma Europa infeliz e perigosa. Carpeaux refugiou-se, primeiro, na Antuérpia, onde encontrou trabalho na Gaset Van Antwerpen (Gazeta da Antuérpia), o maior jornal belga de língua holandesa. No ano seguinte, em face do avanço das tropas nazistas, Carpeaux abandonou a Bélgica e, na condição de imigrante, veio para o Brasil. Durante a viagem, de navio, a guerra estourou na Europa. Carpeaux nunca mais voltaria a morar na Europa. Sua pátria agora seria o Brasil.
Até chegar ao Brasil, Carpeaux não tivera jamais nenhum contato com a cultura brasileira. Não conhecia a nossa língua, nunca lera um livro brasileiro e não tinha amigos por aqui. Pior: logo que desembarcou, foi levado para uma fazenda no Paraná, onde seus instrumentos de trabalho seriam a enxada e o arado, e não os livros e a caneta. Como era de se esperar, o cosmopolita Carpeaux, que se formara em ciências exatas, filosofia e letras nas melhores universidades europeias, que fizera cursos extracurriculares de história, sociologia e música, que escrevera cinco livros na Áustria sobre temas políticos e culturais, não se resignou ou acostumou à vida rural. Mudou-se então para São Paulo, onde passou ano e meio na mais precária das situações. Para sobreviver, Carpeaux foi, pouco a pouco, se desfazendo do que tinha, inclusive livros e objetos de arte, sem, contudo, conseguir qualquer espécie de trabalho.
Uma carta que escreveu ao crítico Álvaro Lins, que trabalhava no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, mudou a vida do escritor austríaco. Em resposta, Lins pediu-lhe que escrevesse um artigo literário para o jornal. O artigo (sobre Kafka, o primeiro publicado na imprensa brasileira sobre o autor de "O processo") não só foi publicado, como garantiu a Carpeaux o emprego que tanto procurava: passou a escrever artigos semanais para o matutino carioca. Isto aconteceu há 70 anos, em 1941. É data que devemos lembrar.
A obra de Otto Maria Carpeaux transcende os limites da crítica literária, tornando-se a expressão de uma consciência crítica que vê na literatura um sistema de idéias enraizado na vida social e política. Alfredo Bosi notou que Carpeaux, mesmo educado junto aos culturalistas alemães e italianos do começo do século, tinha consciência de que nada se compreende fora da história. E não só da história: a imensa cultura de Carpeaux - e o sentimento da complexidade do objeto real - permitia-lhe lançar mão, num mesmo texto, da psicanálise, do marxismo e da estilística. Carpeaux soube como poucos reunir o conhecimento sistemático (adquirido, segundo ele, no "training" universitário) ao esforço cotidiano das redações dos jornais, onde militou durante toda a sua vida. "Para mim", dizia ele, "minha atividade literária engloba-se na atividade de jornalista. O que sou, no fundo, é só isso". Tirante a modéstia, o grande mérito de Carpeaux era a compreensão exata do que fazia, e a crença, sem pedantismo, na importância do seu ofício.
Sua monumental obra - "História da literatura ocidental" - seria, por sua dimensão e abrangência, um trabalho de equipe; contudo, Carpeaux elaborou-a sozinho, demonstrando não apenas um notável conhecimento do assunto como uma excepcional capacidade de síntese. Carlos Heitor Cony referiu-se, certa vez, à "sensação estranha" que ainda sente quando consulta um dos oito volumes da "História". Simplesmente, parece-lhe inacreditável ter convivido tantos anos com aquele autor que, a cada leitura, adquire a estatura de um clássico.
Iluminado, dotado de humor e alegria, do dom da emoção e da fúria, Carpeaux tornou-se, desde o início, ferrenho opositor do golpe militar de 1964, que lhe provocava amargas lembranças. No começo, Carpeaux limitou-se a redigir artigos sobre a natureza retrógrada e autoritária da nova ordem militar, dosando veemência, sarcasmo e conhecimento de causa. Era insuperável quando falava nas entrelinhas. Quando a vida política brasileira tornou-se asfixiante, e muitos preferiram o silêncio, a complacência ou o exílio, Carpeaux tomou uma decisão inesperada e corajosa: afastou-se do "círculo de amigos da literatura", dedicando "à luta pela libertação do povo brasileiro" o que lhe restava de capacidade de trabalho. Assim, quando tantos intelectuais tendiam à adesão, Carpeaux preferiu arriscar-se em nome de valores humanitários, como a liberdade e a justiça. Ele, que nos dera sempre uma aula de erudição fecunda, dava-nos agora uma prova de grandeza moral. Era um grande homem.
Marcelo Ridenti, no livro "Em busca do povo brasileiro", comentou o envolvimento de intelectuais, entre os quais Carpeaux, nos preparativos da resistência armada à ditadura comandada por Leonel Brizola, exilado no Uruguai. Além de Carpeaux, serviram ao movimento o poeta Thiago de Mello, os escritores Antonio Callado e Carlos Heitor Cony e os jornalistas Joel Silveira e Teresa Cesário Alvim. Segundo Ridenti, a polícia política, surpreendentemente, nunca descobriu o engajamento dos intelectuais na conspiração, que terminou - melancolicamente - no fracasso da chamada "guerrilha de Caparaó".
Dentro do movimento, cabia a Otto Maria Carpeaux levar e buscar mensagens secretas, utilizando simplesmente a sua memória prodigiosa. Como notou Antonio Callado, Carpeaux decorava textos longos e importantes, transmitindo-os pessoalmente a interlocutores, os quais visitava em outros estados e cidades. Era, acrescentou Callado, como se ele transportasse um folheto impresso. Tal atividade revolucionária de Carpeaux foi, sem dúvida, heroica e de muita utilidade, mas tinha também um certo sabor cômico: Carpeaux era gago e jamais se libertou completamente do sotaque austríaco. A cena devia ser inesquecível: Carpeaux, gago e com sotaque, sussurrando uma mensagem revolucionária a um atônito interlocutor.
Otto Maria Carpeaux morreu em 1978. Teve um enterro simples, sem cruzes, sem anúncios. O Brasil ainda vivia o regime autoritário, que ele tanto combatera e em relação ao qual jamais fizera concessões. Seus livros, que desapareceram das livrarias, estão agora, aos poucos, sendo reeditados graças à iniciativa do editor José Mário Pereira. Ainda bem.
A obra de Otto Maria Carpeaux
- A cinza do purgatório (1942)
- Origens e fins (1943)
- Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira (1949)
- Respostas e perguntas (1953)
- Presenças (1958)
- Uma nova história da música (1958)
- Livros na mesa (1960)
- A literatura alemã (1964)
- A batalha da América Latina (1965)
- O Brasil no espelho do mundo (1965)
- História da literatura ocidental (1959-1966)
- Vinte e cinco anos de literatura (1968)
- Hemingway. Tempo, vida e obra (1971)
- Alceu Amoroso Lima (1978) - póstumo
- Reflexo e realidade (1978) - póstumo
- Sobre letras e artes (1992) - póstumo
- Ensaios reunidos: de "A cinza do purgatório" até "Livros na mesa" (1999) - póstumo

domingo, 23 de outubro de 2011

Érico Veríssimo, leitura obrigatória

Chuva e frio em Brasília. O velho professor do Penedo aproveitou o fim de semana para folhear e reler trechos de um livro que marcou a sua juventude: O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo. Como era dia de atualizar o blog, escreveu o artigo abaixo. Espero que ele estimule os leitores a ler a obra de Érico Veríssimo. Fernando Sabino e Davi Neves foram os autores do vídeo que ilustra a matéria.


Érico Veríssimo e O Tempo e o Vento

Sobre Érico Veríssimo, há uma quase unanimidade: O Tempo e o Vento é o seu mais importante livro, uma verdadeira obra-prima. Concordo plenamente, mas o "quase" se explica, pois há gente que aponta outros romances - e os mais citados são: O Resto é Silêncio, Incidente em Antares e O Senhor Embaixador - como os livros de ponta do escritor gaúcho.
Num aspecto, porém, todos os leitores de Érico Veríssimo coincidem. O Tempo e o Vento foi o projeto literário mais ousado do escritor, certamente um dos mais ousados projetos da literatura brasileira. De todos os seus livros, foi, com certeza, o que mais exigiu em esforço, técnica e imaginação, a julgar pela galeria de personagens e situações que passam pelas suas 2.300 páginas. O filho dele, o escritor Luis Fernando Veríssimo, fez um comentário curto e definitivo sobre a dimensão física e literária do livro: "Em O Tempo e o Vento não se sabe o que é mais espantoso, a ambição do autor ou o fato de que conseguiu realizá-la".
A obra crítica sobre Érico Veríssimo - e, em especial, sobre O Tempo e o Vento - é relativamente escassa, ou, pelo menos, não está à altura do sucesso que ele obteve junto ao público. Otto Maria Carpeaux lamentou, certa vez, que sobre Érico Veríssimo quase só existissem notícias críticas, além dos curtos ensaios de Afonso Arinos de Melo Franco, Moysés Vellinho, Antonio Candido, entre outros. Carpeaux acrescentou, ainda, que não existia um estudo completo sobre a obra em conjunto de Érico Veríssimo. Bem verdade que há os estudos recentes de Flávio Loureiro Chaves, Daniel Fresnot, Maria da Glória Bornini e Joaquim Rodrigues Suro e a belíssima coletânea de ensaios sobre O Tempo e o Vento, editada pelas universidades de Santa Maria e Sagrado Coração. Pena que a sua distribuição deixe a desejar: eu, por exemplo, comprei o meu exemplar em Porto Alegre; procurei o livro nas principais livrarias do Rio de Janeiro e em Brasília. Não encontrei.
Não pretendo escrever sobre o conjunto de romances de Érico Veríssimo. Minha pretensão é mais modesta: quero destacar apenas alguns poucos aspectos da obra do escritor gaúcho.
Antes disso, porém, vale recordar que O Tempo e o Vento compõe-se de três volumes: O Continente (1949), O Retrato (1951) e O Arquipélago (1962). A história tem início numa missão jesuítica, em 1745, e termina quando o Estado Novo vive a sua agonia, em 1945. Trata-se, em resumo, da história das famílias Terra e Cambará, desde a origem de ambas no Continente de São Pedro até a conquista da hegemonia política na cidade de Santa Fé. O Tempo e o Vento é, em síntese, a história das lutas políticas do Rio Grande do Sul e da trajetória de vida das famílias Terra e Cambará, tendo como palco a cidade de Santa Fé.
O que impressiona na obra de Érico Veríssimo é justamente isso: a extrema capacidade do escritor gaúcho de estabelecer nexos lógicos entre a história ficcional e a história real, do Rio Grande e, por consequência, do Brasil, sem forçar a barra num sentido ou noutro. A história sulina e brasileira constitui, sem dúvida, o pano de fundo de O Tempo e o Vento, mas em momento algum o romance perdeu o caráter de obra literária para se transformar num indesejável documento histórico ou sociológico. O segredo disso talvez esteja na experiência do autor e, em paralelo, no domínio das técnicas da narrativa, das quais Érico Veríssimo sempre foi um mestre, desde Caminhos Cruzados a Incidente em Antares.
Jorge Amado, cuja obra era mais força e imaginação que técnica, tentou fazer, nos três volumes de Os Subterrâneos da Liberdade, um painel político do Estado Novo. Seus personagens, porém, transformaram-se em clichês da luta entre o bem e o mal. Os personagens de Érico Veríssimo, ao contrário, são de carne, osso e espírito - ou seja, vivem as dúvidas, as riquezas e as contradições próprias da natureza humana. Numa palavra: há uma inexorável distância entre a militante Mariana (personagem de Jorge Amado) e a matriarca Ana Terra (personagem de Érico Veríssimo).
Otto Maria Carpeaux notou que a ficção é, em última instância, a organização verbal de uma coleção de personagens e de seus destinos. Érico Veríssimo, contudo, foi mais fundo: construiu não só uma obra de ficção como soube narrar os acontecimentos criados como se eles fossem reais, unindo o inventado ao acontecido a fim de construir uma realidade plausível - a realidade de O Tempo e o Vento. Assim, o inventado e o acontecido tornaram-se, na obra de Érico Veríssimo, um só enredo, uma só unidade, obedecidas as regras da obra literária. Em resumo: O Tempo e o Vento é a história do Rio Grande do Sul sob a forma e nos limites da ficção. É um grande livro. É um clássico da literatura.
A rigor, o escritor gaúcho demonstrou uma enorme capacidade de criar e manejar personagens, o que é notável em vista do grande número de personagens principais, secundários ou circunstanciais de O Tempo e o Vento. Paulo Rónai notou que, em O Tempo e o Vento, Érico Veríssimo soube superar uma dificuldade de monta na construção de personagens dentro da mesma família: o da transmissão dos caracteres familiares. É preciso não só intuição como sensibilidade e tato para não se cair no esquematismo na aplicação das leis da hereditariedade. Érico Veríssimo soube dosar o substrato psicológico dos Terra (casmurrice, teimosia, desconfiança) ao temperamento folgazão, temerário e meio irresponsável dos Cambará. Os personagens que surgiram da união das duas famílias são seres matizados pelas características dos seus ascendentes, mas apresentam traços individuais muito próprios e fortes. Não são cópias nem transladações.
Érico Veríssimo foi, sem dúvida, um dos grandes mestres da literatura brasileira. Um exemplo raro de escritor que transitou da periferia para o centro e, daí, para o universal, conservando, porém, as características de origem. E, assim, sem perceber, cometeu também dois "pecados", segundo os códices do campo intelectual brasileiro. O pecado do sucesso junto ao público (no Brasil, escritor que vende é, em geral, mal visto pela crítica pernóstica); e o pecado de ter vivido sempre na província, distante dos grandes centros literários, como o Rio de Janeiro e São Paulo. A "panelinha" é uma instituição nacional.
Resta acreditar que, enquanto houver leitores de livros, a obra de Érico Veríssimo permanecerá - e livros como O Tempo e o Vento ainda despertarão emoção e prazer. Trata-se de uma esperança? Talvez. Afinal, não nos resta muito mais que isso.

Em tempo: O velho professor do Penedo sugere ainda a leitura de outros livros de Érico Veríssimo: Caminhos Cruzados; Noite; O Resto é Silêncio; Senhor Embaixador e Incidente em Antares.
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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Política e Livros

Quanto ruim, pior sempre.
1 - A cada dia, um novo susto. Não é que agora se descobriu que, em Pernambuco, um empresário (!) importava lixo hospitalar dos Estados Unidos! Além de seringas, sondas, luvas e jalecos usados, o cidadão comprava lençóis (ainda manchados de sangue!), usando para confeccionar panos de chão, de prato e forros de bolsos, que eram vendidos para as confecções de roupas masculinas. A Polícia Federal descobriu – e foi lá – um hotel quer utilizava os lençóis diretamente.
2 – A propósito do escândalo que envolve agora o ministro dos Esportes, vale um depoimento. Ao longo da minha vida, convivi com militantes do PCdoB. Desde o tempo que eles seguiam, resolutamente, o pensamento do camarada Mao e os ensinamentos do camarada Enver Hoxha, líder da Albânia, que eles chamavam de "Farol da Humanidade". Tive um amigo, Lincoln Bicalho, meu contemporâneo da velha FNFi, que morreu nas mãos de assassinos torturadores. Lincoln foi uma das pessoas mais brilhantes que conheci na minha vida.
Sempre respeitei, embora tivesse divergências, a firmeza ideológica dos militantes do PCdoB. Firmeza que os fizeram combater a ditadura no episódio heroico da Guerrilha do Araguaia, que, um dia, será contado em seus mínimos detalhes. Hoje, o PCdoB misturou-se a setores atrasados, conservadores e reacionários da política brasileira. Ninguém se mistura a tais setores impunemente: taí no que deu.

Dois livraços

1 – “Os últimos soldados da guerra fria”, de Fernando Morais. Conta a história dos agentes secretos infiltrados por Cuba em organizações de extrema direita nos Estados Unidos.
Os telejornais brasileiros vendem aos seus ouvintes uma visão dicotômica da vida e do mundo. Terrorismo? É coisa de bárbaros contra os Estados Unidos e seus aliados. Façamos, porém, uma pergunta: por que os telejornais brasileiros não noticiam o terrorismo planejado nos EUA e executado por americanos em outros países?
Uma história: em seis de outubro de 1976, um avião da Cubana de Aviación explodiu em pleno voo próximo às costas de Barbados. Morreram seus 73 tripulantes e passageiros, entre os quais a delegação infanto-juvenil de esgrima de Cuba, que acabara de participar e ganhar todas as medalhas de ouro do Campeonato Centro-Americano, em Caracas. Esta história não saiu no Jornal Nacional.
Os autores materiais do crime foram os venezuelanos Hernán Ricardo Lozano e Freddy Lugo. Eles agiram de acordo com instruções recebidas de Orlando Bosch Ávila e Luis Posada Carriles.
Lozano e Lugo tinham tomado o avião em Caracas. Desembarcaram em Barbados, não sem antes deixar uma bomba preparada por explodir no banheiro da cabine de passageiros. Tomaram um táxi na porta do aeroporto e se hospedaram no Hilton Hotel local, de onde fizeram uma chamada telefônica para a empresa Investigações Comerciais e Industriais de Centro-América, Icica, em Caracas. A mensagem foi lacônica: “O serviço já foi feito”. No meio cubano-americano de Miami, a notícia correu assim: Un ómnibus com 73 perros a bordo se había caído por um precipício y todos habían muerto (Numa tradução livre: um ônibus com 73 cães a bordo caiu num precipício e todos os cães morreram).
Presos no dia seguinte, Lugo e Lozano confessaram a autoria do crime e entregaram os nomes dos mandantes. Julgados em Caracas, os dois foram condenados a vinte anos. Posada Carriles passou nove anos encarcerado na Venezuela, mas fugiu, refugiou-se em El Salvador e, finalmente, desembarcou em Miami, onde financiou centenas de atos terroristas em Cuba, muitos dos quais resultaram em mortes de cubanos e turistas estrangeiros. Bosch foi libertado por interferência do embaixador americano. Em Miami, associou-se mais uma vez a Posada Carriles.
Depois de centenas, talvez milhares, de atentados terroristas, que atingiram hotéis, lojas, restaurantes e bares, na Ilha, e diversas embaixadas e consulados cubanos em Lisboa, Madri, Ottawa, Itália, o governo cubano, num plano secretíssimo, infiltrou agentes do seu serviço secreto nas organizações de extrema direita nos Estados Unidos. Foram anos e anos de atividade – e a ação desses agentes evitou ataques contra Cuba e permitiu que órgãos de segurança do Estado cubano prendessem terroristas que, disfarçados de turistas, iam cometer crimes na ilha.
O livro de Fernando Morais é todo ele embasado em documentos obtidos tanto nos Estados Unidos como em Cuba, além de depoimentos orais.
2 – “Imprensa, humor e caricatura – a questão dos estereótipos culturais”, de Isabel Lustosa (organizadora). O livro compõe-se de 22 artigos sobre a imprensa ilustrada latino-americana e europeia, do século XVIII ao XXI.
De todos os artigos do livro, o velho professor do Penedo destaca três: a) “Nostalgia e novidade”, de Laura Nery, que estuda a carreira do caricaturista Raul Pederneiras, que, na sua obra, destacou os conflitos e contrastes sociais do início da República; b) “O português da anedota”, de Isabel Lustosa e Robertha Triches, que discute, é claro, a presença do português nas piadas criadas por brasileiros. O artigo merece ser lido não só pelo tema, mas pelo bom humor da sua abordagem; c) “Os jornalistas macarrônicos da imprensa humorística paulista”, de Paula Ester Janovitch. O termo “macarrônico” é usado quando alguém pronuncia mal uma língua. Um dos “jornalistas macarrônicos” destacado pela autora foi Juó Bananere, que mereceu, de Otto Maria Carpeaux, um importante estudo crítico.
Enfim, o livro, além de conter importante documentação histórica, analisa politicamente o humor, contextualizando-o na cultura e na história de vários países.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Comentando (1)

Aqui, no Papo de Amigos, o velho professor do Penedo tem o hábito de ler jornais (Correio Braziliense, O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo), além de sites e blogs informativos. Hábito de professor. Hoje, transmito aos meus amigos um pouco do que li nos últimos dias. Claro, aproveito a oportunidade para soltar minhas sutis brasas. 

1 - Os ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, os norte-americanos Christopher Sims, da Universidade de Princeton, e Thomas Sargent, da Universidade de Nova York, disseram que a situação econômica atual é tão grave que é impossível dar uma resposta sobre como sair do atoleiro. Eles informaram que seus estudos são insuficientes para solucionar os problemas que se arrastam desde 2008.
Sims e Sargent, como se sabe, desenvolveram um modelo para análise da relação entre a política econômica e seus efeitos práticos.
Nós, brasileiros, não temos do que reclamar. “Tia” Dilma, segundo ela mesma disse e discorreu em sua recente viagem à Europa, sabe e domina a fórmula de levar o mundo ao melhor dos céus. O chato é que os europeus não levaram a nossa especialista a sério.

2 – E por falar em crise mundial, o Correio Braziliense (12/10/2011) publicou uma matéria sobre a Grécia, que, como se sabe, é o país que mais padece, no momento, os efeitos da crise. Diz a matéria:
“As estatísticas indicam dívida do governo de quase 200% do PIB, desemprego recorde de 16%, em alta, e retração do PIB de 7% nos últimos 12 meses”.
As consequências de tudo isso são:
“O desespero toma conta de parte da população. Empresários – pequenos, médios e grandes – e pais de família desempregados estão dando cabo da própria vida. O número de suicídios aumentou entre 25% e 40% desde 2008. Organizações de saúde estimam que a quantidade é maior, pois a Igreja Ortodoxa Grega proíbe o funeral de suicidas e muitas dessas mortes são registradas como acidentes”.
Diz mais a matéria (aliás, assinada por Ana D’Angelo):
“O consumo de drogas no país cresceu 20% no último biênio, principalmente entre os jovens de até 25 anos, faixa em que a desocupação já atinge quase a metade da população, A taxa de infecção por HIV, em alta desde 2008, deve subir 52% neste ano. O pesquisador e sociólogo David Stuckler, da Universidade de Cambridge (Inglaterra), que levantou os dados, cita relatos de usuários de drogas que estariam se infectando deliberadamente com o vírus para receber o benefício mensal de 700 euros (cerca de R$ 1.700) pago pelo governo”.

3 – Apenas uma universidade brasileira – a Universidade de São Paulo, USP – foi incluída no ranking da THE (Times Higher Education), um dos mais respeitáveis do planeta. A USP ocupa o 178º lugar, o que, por si só é uma vergonha. Os Estados Unidos continuam a dominar o ranking, com 75 universidades entre as 200 melhores – e sete entre as primeiras dez. Em segundo lugar aparece o Reino Unido, com 32 entre as 200 e três entre as dez mais.
Pois é. Outro dia, “tia” Dilma, ao ser perguntada sobre a nossa carência de mão-de-obra de alta especialização, disse que o governo sabe como enfrentar o problema: vai criar mais quatro universidades, provavelmente nos rincões do Nordeste e da Amazônia, tal como Lula fez em Quixadá, Xique-Xique e Juazeiro do Norte.

4 – E o senador Reditario Cassol (PP-RO)? Semana passada, Sua Excelência, em discurso na casa do povo, defendeu o uso do “chicote” nas penitenciárias brasileiras. O velho professor do Penedo até que poderia aceitar a ideia, mas desde que o uso da chibata fosse estendido aos políticos corruptos e os que perdem tempo propondo besteiras.

5 – Outro dia, um comentarista de futebol disse que as cores da nossa bandeira são as mais bonitas do mundo. Sei. Mas só vou acreditar nisso quando o citado comentarista desfilar pelas ruas tentando combinar camisa azul, calça verde (ou amarela) e paletó amarelo (ou verde).

6 – Morreu o humorista José de Vasconcelos. O velho professor do Penedo costumava, quando era jovem, encontrá-lo na aprazível (na época) Rua Barão de Icaraí, no Flamengo, Rio de Janeiro. Os vídeos abaixo são uma homenagem a ele.




quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Um acréscimo ao "O Brasil que jamais desejei (V)"

Tal como fizera antes na votação sobre a Líbia, o Brasil se absteve no Conselho de Segurança da ONU, que votou moção de censura ao regime da Síria. O que gosta de atirar em manifestantes desarmados.

Nos idos de 1960, nós, estudantes, fizemos passeatas contra os gorilas da ditadura militar - e levamos tiros, borrachadas, jatos de água, alguns foram presos, espancados e torturados, como ocorre agora na Síria. Hoje, quando podemos condenar os gorilas sírios, preferimos nos abster. Abstenção é o mesmo que omissão. Tem graça isso?

Não vamos nos esquecer!


É, a coisa está difícil, muito difícil.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Da série “O Brasil que jamais desejei (V)”

O velho professor do Penedo tem uma convicção: os políticos brasileiros, mormente os atuais, jamais o decepcionaram. A gente espera o ruim, e o ruim vem - piorado.
Outro dia, a Comissão de Ética da Câmara dos Deputados rejeitou por 16 votos a dois a admissibilidade do processo disciplinar contra o deputado Valdemar Costa Neto, do PR-SP. Quando do escândalo do mensalão, Costa Neto renunciou para não ser cassado. Voltou, aprontou no Ministério dos Transportes (cujo ministro foi defenestrado!), mas acabou contando com a camaradagem dos pares.
Outro dia, cá em Brasília, houve uma manifestação contra a corrupção. Fincou-se 600 vassouras no gramado fronteiriço ao Congresso. Até aí, tudo bem. Quando os organizadores do movimento foram recolher as vassouras, constataram que 59 delas tinham sido roubadas!
É, a coisa está séria, muito séria!
Agora, vejam o que aconteceu na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados.
1)      Câmara dos Deputados. Reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania - CCJ. Presentes apenas o vice-presidente da dita Comissão, deputado César Colnago, do PSDB-ES, e o deputado Luiz Couto, do PT-PB.
2)      Para abrir a sessão, são necessárias assinaturas de 36 deputados. Esse quórum existia, mas todos assinaram e se mandaram, como, aliás, ocorre todas as quintas-feiras.
3)      Só permaneceram os dois deputados já citados, que deram início aos trabalhos, pois afinal havia 118 projetos a examinar. Vejam bem: 118 projetos!
4)      Os projetos foram votados em quatro blocos de 38 (concessão de radiodifusão), de 09 (projetos de lei), de 65 (renovação de concessão de radiodifusão) e de 06 (acordos internacionais).
5)      A cada votação, o cara-de-pau Colnago (presidente em exercício da CCJ) consultava o plenário, como se estivesse lotado: “Os deputados que forem pela aprovação, permaneçam como se encontram”. Sentado na primeira fila, o cara-de-pau Couto nem piscava. E o cara-de-pau Colnago dizia: “Aprovado”.
6)      E, assim, em apenas 3 minutos e 11 segundos, foram aprovados 118 projetos. Haja eficiência!
7)      Depois de encerrada a memorável sessão, o cara-de-pau Colnago comentou, rindo: “Depois dizem que a oposição não ajuda”.
8)      Além das centenas de concessão e renovações de radiodifusão, os dois deputados aprovaram, no pacotão, acordos bilaterais do Brasil com a Índia, Libéria, Congo, Belize, Guiana e República Dominicana. Entre os projetos de lei, há um que trata da carteira de habilitação especial para os portadores de diabetes.

Macunaíma - o herói sem nenhum caráter (foi a única ilustração que me ocorreu. Em 2014, vamos todos votar no Macunaíma)

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Escolinha da Professora Dilma

Depois de tudo isso, só a Dona Dilma, em Bruxelas, dando uma aula de economia aos ministros da fazenda e da economia dos países ricos, do FMI e do Banco Mundial. Trêmula e gaguejante, a “tia” disse uma série de lugares-comuns, que sequer podem se aplicados ao Brasil quando a crise chegar até nós. Facílimo ver no discurso da “tia” os ensinamentos e a orientação do “mestre” Aluizio Mercadante, que, muito sério e bigodudo, estava lá, usufruindo dos tapetes vermelhos da capital belga.

Que tal o professor Raimundo como assessor da "tia" Dilma?