terça-feira, 31 de março de 2015

O Brasil tem jeito?

Senti vergonha


A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou por 42 votos contra 17 a maioridade criminal aos 16 anos. Pela diferença de votos, percebe-se que a medida tem grande apelo popular. O Velhote do Penedo é contra a decisão do CCJ, mas se sente impotente diante dela. Mas, confesso: senti vergonha.

Hoje, ao ouvir um velho disco do cantor (de esquerda) Jorge Goulart, a quem entrevistei alguns meses antes de sua morte, emocionei-me com a música “Mês de Maria”, de Ari Barroso, no qual há um verso que exprime o meu estado de espírito:

“Ah, este Brasil está se acabando, meu Deus!/Como se acabando estão os sonhos meus...”

Lembro-me do sonho do Brizola e do Darcy, que era o meu também: o sonho da educação em tempo integral. Segundo se pensava, o CIEPS tinha várias virtudes, uma delas a de tirar as crianças e jovens das ruas, entregando-os aos pais quando estes voltassem do trabalho. Bem, o projeto do CIEPS foi para o espaço e a criançada está aprendendo o que não devem nas ruas, nos becos e socovões urbanos. É triste – mormente num país que adotou o lema “Pátria educadora”.

Em tempo: Lula era contrário aos CIEPS, chegando a dizer que “pobre não precisa de hotel cinco estrelas para estudar”. Darcy Ribeiro retrucou: “O Lula acha que só os riquinhos devem estudar em colégios de boa qualidade”.

terça-feira, 24 de março de 2015

Adolfo Caminha, um grande escritor

Bom-Crioulo


O romance Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha, está completando, em 2015, 120 anos desde que foi lançado. É um acontecimento, mas não apenas um acontecimento literário. A sua atualidade é indiscutível. Por isso, merece ser lido.

Bom-Crioulo foi o primeiro grande romance brasileiro sobre homossexualidade, mas, apesar de sua qualidade literária, foi ignorado pelos dois principais jornais da época, O País e Gazeta de Notícias. Os poucos comentários publicados foram hostis à obra. Valentim Magalhães, membro fundador da Academia Brasileira de Letras, afirmou, em A Notícia (21 de novembro de 1895), que “Bom-Crioulo excede tudo quanto se possa imaginar de mais grosseiramente imundo”.  No Jornal do Comércio (27 de novembro de 1895), José Veríssimo asseverou que “Bom-Crioulo é pior do que um mau livro: é uma ação detestável, literatura à parte”. O crítico não poupou o livro de Caminha. Qualificou-o de “detestável”, “repugnante” e, por fim, apostrofou a homossexualidade como “nauseante crime contra a natureza”.

Bom-Crioulo conta a história de um escravo negro fugido, Amaro, apelidado de Bom-Crioulo, que ingressa como marinheiro na Marinha brasileira. A bordo, Amaro conhece um grumete branco de quinze anos, Aleixo, por quem se apaixona e seduz. Após um período em que os dois vivem juntos no quarto de uma pensão da Rua da Misericórdia, Aleixo tornou-se amante de Dona Carolina, uma lavadeira portuguesa bem mais velha que ele. Abandonado, Amaro deixa-se consumir por um sentimento misto de amor, ódio e ciúmes. Fora de si, Bom-Crioulo agride Aleixo – e lhe dá um golpe fatal em seu pescoço com uma navalha. A cena final do romance mostra a prisão de Amaro.

É um livro denso. Na época em que foi lançado, Bom-Crioulo provocou escândalo. Depois disso, Adolfo Caminha foi quase esquecido. Poucos críticos têm-no estudado – e os que escreveram a seu respeito não fizeram jus à qualidade da obra e ao talento do autor.
 



Em tempo.
Antes de publicar Bom-Crioulo, Adolfo Caminha escreveu outro grande romance, A Normalista, que trata da sedução de uma jovem por seu tutor. Era, sem dúvida, não só um grande escritor, como um intelectual corajoso.

domingo, 8 de março de 2015

É grave a crise: evitemos desatinos


Crise, desatinos e busca de solução

Há dias vinha pensando em escrever a respeito do momento político brasileiro. Não tenho qualquer pretensão acerca do alcance das minhas palavras. Mas me sinto no direito e obrigação de escrevê-las.

De início, reitero o que todos já sabem: sou um sujeito ainda apegado aos ideais do socialismo democrático, aos quais me vinculei desde a adolescência. Militei em organizações políticas, lutei contra a ditadura e senti (como tantos outros) o peso da repressão. Não me arrependo de nada. Com a democratização, participei da construção do Partido Democrático Trabalhista, do qual me desliguei quando este – talvez devido à morte de seus grandes quadros – esqueceu (para dizer o mínimo) suas prioridades e bandeiras. Filiei-me depois ao Partido dos Trabalhadores, mas – reconheço – fui um militante bem chinfrim, talvez devido ao imenso tédio e depressão que a política brasileira me provocava na época. Votei no Lula na sua primeira eleição, em 2002, mas sem entusiasmo. De lá para cá, meus votos foram para os partidos de esquerda – ou foram anulados. Em 2014, não compareci ao segundo turno.

Enfim, quando era adolescente, eu imaginava que, na velhice, eu viveria num país mais solidário, no qual não haveria a miséria escandalosa que a gente vê nas ruas. Não, na minha cabeça não passava a ideia de que na minha velhice o Brasil fosse uma república socialista. Jamais cultivei tal ilusão. Eu supunha que, hoje, o Brasil fosse, pelo menos, uma nação menos desigual, com serviços públicos funcionando de maneira razoável, com governos atentos aos problemas e conscientes de que seu dever era governar em benefício de todos. Utopia? Talvez.

O Brasil mudou, sem dúvida, mas muitos dos seus problemas - alguns centenários - foram potencializados. Se, de um lado, superamos (em termos) alguns gargalos, outros, mais graves, irromperam por falta de solução dos muitos problemas antigos irresolvidos. Dou um exemplo. A reforma agrária tinha como um dos seus objetivos fixar o homem na terra, minimizando a migração e o inchaço das cidades. Não a fizemos. Milhões de pessoas (Darcy Ribeiro calculou em 100 milhões) se deslocaram do campo para as cidades. Resultado: a população favelada do Rio de Janeiro (cidade) que era da ordem de 6,5% multiplicou-se por seis ou sete, devido, sobretudo, ao êxodo rural. Hoje, 85% da população brasileiro vivem nas cidades. Todas as cidades brasileiras são cercadas por cinturões de miséria.

Votei no Lula em 2002 motivado pela esperança, embora ela não fosse do mesmo tamanho da esperança que eu alimentara na adolescência. Na verdade, eu tinha muitas dúvidas a respeito, não só porque Lula jamais me inspirou confiança, mas também porque seu discurso de campanha foi essencialmente dirigido às classes dominantes, apesar de eventuais retóricas populistas em comícios. Brizola observou com acuidade: o PT (no caso, Lula) cacarejava para a esquerda, mas botava ovos para a direita.  

Em minha casa, recebi amigos petistas - da velha guarda petista, diga-se - que vieram à Brasília saudar a posse de Lula. Estavam felizes e entusiasmados, e não era para menos. Hoje, eles, sem exceção, se afastaram ou se desligaram do PT, amargurados com os rumos da chamada “era petista no poder”. As críticas desses meus amigos não poupam sequer o Lula, a quem eles chamam, por baixo, de traidor. Penso, mas fico calado: Lula não os traiu, apenas os ludibriou e, agora, tirou a máscara.

Nos dias atuais, a coisa está feia, feiíssima, horrorosa. O caldeirão social está fervendo, mormente agora que a lista dos políticos envolvidos no Petrolão veio à tona. Por isso, desejo dizer o seguinte:

1 – Dilma está pagando pelo péssimo primeiro governo que fez. Mais que o Mantega, Dilma assumiu que ela era, de fato, a ministra da economia. Mantega, como economista, não é lá essas coisas, mas Dilma tem uma visão muito mais equivocada e estreita da lógica econômica. Os equívocos cometidos nos quatro anos, como isenções generalizadas (“uma brincadeira”, “um erro grosseiro”, segundo o ministro Levy), assistencialismos (bolsas, cotas – justas, mas distribuídas adoidado) ao invés de políticas efetivas de inclusão, política tarifária troncha, contingenciamento dos preços dos combustíveis, estímulo desmedido ao consumo (principalmente de carros) via crédito, política energética populista (redução de tarifas), entre outras, estão produzindo efeitos e consequências agora. Tudo isto, claro, afora déficits, inflação, juros altos, desequilíbrios orçamentários e a dificuldade de fazer acordo políticos com os partidos aliados, a não ser na base do fisiologismo e do troca-troca de cargos na máquina pública.

Hoje, a máquina pública brasileira padece de elefantíase: é inchada e se arrasta. Não anda.

2 – A incompetência da Dilma não justifica, porém, o seu impeachment, que parte da sociedade está exigindo. Mesmo a megacorrupção na Petrobrás não pode justificar o seu impeachment, a não ser, o que me parece improvável, que ela tenha embolsado algum. Dilma é arrogante e incompetente, mas, até prova em contrário, não roubou.

Sei, o impeachment é uma solução legal, prevista na Constituição (art. 52, I e II), mas ela não tem sentido político no presente momento, embora, a julgar pelo que dizem juristas, tenha fundamento jurídico. A solução dos nossos problemas é política – e o acionamento dos mecanismos de impeachment, no presente momento, é uma violência que criará barreiras intransponíveis à solução dos nossos problemas. Como se diz, a campanha pró-impeachment está jogando combustível na fogueira da crise.

3 – Falo isso com total isenção. Não votei na Dilma (nem no Aécio, não me confundam), mas reconheço que ela foi legitimamente eleita. Ela não tem condições políticas de governar? Paciência – isto faz parte, como se diz, do jogo democrático, que a sociedade lutou para conquistar. Se a crise é política, a solução da crise deve ser essencialmente política. A crise não se resolve pela força ou pelas ameaças, de lado a lado. Precisamos evitar desatinos.

A democracia brasileira, tal como o próprio Brasil, tem deformações que vêm de longe. Mas é ela que me permite hoje escrever, ler, falar, protestar. Sei que o alcance das minhas palavras é curto, mas é melhor isto que o silêncio imposto pelas baionetas e pela censura.

4 - 53 milhões de brasileiros elegeram Dilma, como 51 milhões de brasileiros votaram na oposição. Não se negue, pois, aos dois o exercício do papel que lhes cabe numa democracia: governar e fazer oposição. É preciso distender e desarmar os espíritos e aceitar os fatos como eles são. Com isto, não estou propondo qualquer tipo de arreglo: o jogo político permite críticas, debates, avanços e recuos, manifestações, greves e passeatas. Assim que deve ser.

5 – São inaceitáveis as referências e manifestações ostensivas a favor de golpe ou da “intervenção militar constitucional” que recebo todos os dias no meu feicebuque. Uma pessoa chegou ao absurdo de me enviar uma mensagem pedindo explicitamente a volta do AI-5. Jamais serei amigo dessa pessoa, que ignora a história – e, se não ignora, é um imbecil.

Nós, da minha geração, que vivemos e sofremos o período militar no Brasil sabemos o que a intervenção militar significa de fato. Em 1964, justificou-se a intervenção militar em nome de “Deus, família e propriedade” – e o que se viu foi um circo de horrores, a censura e a violência institucionalizada. Intervenção “constitucional” é uma farsa – ou é intervenção ou é constitucional. As duas coisas não se juntam. Intervenção militar na vida política é sempre “inconstitucional e antidemocrática” – e aponta inexoravelmente na direção da ditadura.

6 – Em síntese: as campanhas pró-impeachment ou pró-intervenção militar equivalem a pular amarelinha em campo minado.

7 - Durante a ditadura militar houve de tudo, inclusive grossa corrupção, que não eram noticiadas devido a feroz censura nos meios de comunicação – ou estarei dizendo um absurdo? Lembro-me que, na época, dizia-se, à boca pequena, que os milicos tinham construído a ponte Rio-Niterói - e levado para casa a Niterói-Rio. Este é um exemplo, há vários outros. Quanto custou a Transamazônica, megalômana estrada que iria unir o “nada” ao “lugar nenhum”? E o custo de Itaipu, alguém sabe? Hoje, pelo menos, a imprensa e as redes sociais não deixam os rumores de corrupção ser varrido para debaixo do tapete.

8 – Não tenho clareza sobre as possíveis saídas da crise atual. Se Dilma não fosse tão arrogante e tão prepotente, deveria se dispor a dialogar, mas dialogar mesmo, com a sociedade, buscando soluções. O diálogo deveria abarcar necessariamente as oposições. Claro, não há papo possível, por exemplo, com o Bolsonaro, mas com outras forças oposicionistas a conversa é viável, embora o grau de desconfianças mútuas seja elevado.

Não sei se Dilma teria condições de promover o diálogo. Não sei se Dilma dispõe de autonomia política para buscar esse diálogo. Não sei se a arrogância da presidente permitiria a construção desse diálogo.

Ao reler o que escrevi acima, um diabinho soprou ao meu ouvido: Dilma não sabe dialogar; diálogo não faz parte da sua índole.

9 – Na última vez que Dilma esteve na ONU, ela defendeu o diálogo com o Estado Islâmico, que degola, explode lojas e restaurantes, mata no varejo e no atacado, destrói monumentos históricos. Foi uma baita gafe, mas me dá o mote para encerrar estas notas: se ela é favorável a um diálogo com o Estado Islâmico, porque não promover um amplo diálogo interno? Creio que todos lucrariam. O Brasil, principalmente.