Jornal do Velhote do Penedo
Segunda-feira, 7 de abril de 2014 – Nº 22.
Um jornal a serviço de ideias desabusadas
O golpe militar faz 50 anos
Eu
tinha 21 anos quando os militares derrubaram o presidente João Goulart (Jango).
Outros
21 anos depois, os milicos abandonaram a cena política, deixando um país em
frangalhos, uma democracia capenga (esta, sob a qual vivemos até hoje) e, no
governo, José Sarney, ex-presidente da Arena, partido político de sustentação
da ditadura. Sarney, o tal, ainda anda por aí, poderoso, dono do Maranhão e do
Amapá, conselheiro da “tia” Dilma, membro da Academia Brasileira de Letras, “homem
intocável”, segundo Lula. O homem que fez do Maranhão o que é, governado
imperialmente por sua vez, Roseane.
Darcy
Ribeiro dizia, com razão, que Jango foi deposto por suas virtudes – não, por
seus defeitos. Jango, depois de Getúlio Vargas, foi o grande presidente do
Brasil. Não só pelo que fez, mas, sobretudo, por seu grande projeto, as reformas
de base, que as elites civis e políticas bloquearam e os militares pisotearam e
soterraram de vez.
As
reformas de base eram essenciais para o Brasil, pois visava liberar o país de
uma série de amarras estruturais que tornavam inviáveis o seu desenvolvimento.
Uma das reformas era a agrária. Em 1964, quase 70% dos brasileiros residiam no
campo, em condições próximas à escravidão. 1% de brasileiros era proprietária
de aproximadamente 60% das terras agricultáveis do Brasil. Hoje, por falta da
reforma agrária, que ensejou uma das maiores migrações campo-cidade da história
da humanidade, nas cidades brasileiras vivem 86% dos brasileiros, algo em torno
de 180 milhões de pessoas. As cidades brasileiras são o que são porque não
suportam o inchaço, fato agravado pela mediocridade da maioria dos prefeitos e
vereadores.
A
reforma agrária proposta por Jango tinha três objetivos: 1) levar justiça
social ao campo, garantindo aos camponeses e trabalhadores um pedaço de terra,
de onde poderiam extrair, no mínimo, o seu sustento vital; 2) criar, em
consequência, um imenso mercado consumidor no campo; 3) evitar, ao máximo, o
êxodo rural, pois sabia – todos sabiam, mas a direita e os conservadores
fingiam ignorar - que as cidades brasileiras não suportariam absorver a população
deslocada do campo. Hoje, as cidades brasileiras são ingovernáveis.
Claro,
havia outras reformas na pauta do governo de Jango: a reforma educacional, a
bancária, a urbana, a política. Mas a reforma essencial era a agrária.
A
classe dominante, no entanto, desejava que tudo ficasse como estava, pois temia
que as reformas desencadeassem um processo incontrolável, com o povo assumindo
em suas mãos o futuro do país. A campanha movida pelos meios de comunicação
(com exceção de Última Hora, de Samuel Wainer, o único jornalão que apoiava
Jango e o seu projeto de reformas). Hoje, O Globo declara cinicamente que seu
apoio ao golpe foi um “erro editorial”, mas a verdade é que o jornal dos
Marinhos apoiou a tentativa de golpe contra Getúlio, em 1954, a tentativa de
impedir a posse de Jango, em 1961, e participou ativamente da conspiração
golpista. Em 1965, um ano depois do golpe, pôde criar a TV Globo, fazer sociedade
com o Grupo Time-Life, e se transformar no polvo informativo que é nos dias de
hoje, capaz de lavar consciências, alienar a população (via uma programação desiformativa
e de baixo nível). O apoio da Rede Globo aos governos militares não foi um
“erro editorial”, mas uma “cumplicidade criminosa”. A Rede Globo negou sempre a
tortura, as mortes, os assassinatos, a corrupção, que caracterizaram os governos
militares. Hoje, as evidências são tão gritantes, que a Rede Globo não tem mais
como negar a existência de tortura, de assassinatos e de desaparecimentos de
pessoas. Hoje a Rede Globo não pode negar a morte do ex-deputado Rubens Paiva
nas dependências do DOI-CODI, como fez até um ou dois atrás.
Seria melhor, mais honesto, mais decente, que
a Rede Globo dissesse hoje que apoiou os governos militares porque acreditava
que eles seriam o melhor para o Brasil, inclusive por nos afastar do mundo
comunista. Geisel, em entrevista a Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, livro
publicado pela Fundação Getúlio Vargas afirmou que, em certas circunstâncias, a
tortura se justifica (V. página 225 do livro citado). Afora o absurdo da frase,
a Rede Globo deveria dizer, com clareza, que concordava com ela, por isso se
calou a respeito das torturas e mortes.
Admitir
um posicionamento ideológico e político e, agora, fazer uma autocrítica seria
melhor para a Rede Globo que criar uma desculpa esfarrapada. Aliás, muitos
apoiadores do golpe militar, tanto na imprensa como nos partidos políticos,
estão por aí, declarando sua paixão eterna pela democracia. Gente que deveria
ser esquecida, gente que não vale o chão que pisa, como Delfim Neto, José Sarney,
entre tantos outros.
O
regime militar não fez nenhum bem ao Brasil. Tirou-o de uma rota histórico que
ele, bem ou mal, vinha atravessando – e levou-o ao imponderável. Além dos
assassinatos, das torturas, a quartelada de 1º de abril de 1964 custou caro –
política, econômica e socialmente - ao Brasil. Em nome da modernização da
indústria houve um alarmante aumento da desigualdade social – daí a expressão
“modernização conservadora”, cunhada por Celso Furtado, para explicar o que Delfim,
Galvêas, Langoni, Reis Velloso, entre outros, fizeram ao povo brasileiro. Em
1960, por exemplo, os 20% dos brasileiros mais pobres possuíam 3,9% do total da
renda nacional, o que Jango queria mudar com seu projeto de reformas. Em 1980,
a participação dos 20% mais pobres caiu para 2,8%.
Entre
1968 e 1973, época do chamado “milagre brasileiro”, enquanto a economia crescia
a taxas de 10% a 14% ao ano e a indústria se expandia para perto de 25%, a
população empobrecia. Celso Furtado, cassado e exilado pelos golpistas, mostrou
que entre 1964 e 1973, o consumo dos ricaços cresceu acima da evolução da renda
interna, enquanto o salário básico da população em geral declinou ou permaneceu
estacionário. Ao cabo do regime militar, a dívida externa brasileira tinha
atingido a cifra de 100 bilhões de dólares, quando, em 1964, ela sequer atingia
a casa de um bilhão.
Todos
falam, e todos estão certos, que a vida política do Brasil é, hoje, uma lata de
lixo. Mas isto não surgiu, em si, como algo natural, da própria vida política.
A política brasileira de hoje, com todas as suas distorções, é fruto, em linha
direta, do regime militar, que durante 21 anos asfixiou e impediu o surgimento
de novos quadros políticos, a não ser aqueles descendentes de políticos
atrelados aos militares. Foram os casos, para dar dois exemplos, do Sarney e do
Antônio Carlos Magalhães. O regime militar permitiu que oligarquias estaduais e
locais se fortalecessem, surgissem e prosperassem no Brasil: Renan Soares era
ninguém em Alagoas; hoje, manda no estado que nos deu Graciliano Ramos, Nise da
Silveira e Alberto Passos Guimarães, domina vários municípios, mantém na
coleira dezenas de políticos locais, é dono de meios de comunicação.
Tive
alguns amigos, assassinados pela ditadura, que teriam sido excelentes
políticos, mas tiveram o seu caminho bloqueado. Como eu disse no início, eu
tinha 21 anos quando o golpe me pegou: saí dele com 42 anos. Um amigo meu, que
seria certamente um grande político, tinha 32 anos em 1964. Teria, portanto, 53
anos ao fim da ditadura. Talvez não tivesse tido uma brilhante carreira
política. Não teve tempo. Morreu nas dependências de um quartel, após ser
barbaramente torturado.
Escreverei
mais sobre o assunto.
Segue abaixo um vídeo que nos fala da morte e desaparecimento de dois brasileiros: Isis Dias de Oliveira e Paulo César Botelho Massa.
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