Quando trabalhei no governo Cristovam
Buarque, fiz, um dia, análise do orçamento do DF. Descobri, então, que 60% dos
gastos giravam em torno da praga chamada automóvel, caminhões, ônibus, por aí.
O cálculo foi simples: somei quanto custava o DETRAN, a Secretaria de Transportes,
os serviços e obras de construção, manutenção e recuperação de ruas, estacionamentos
públicos, de semáforos (incluí cortes e poda de árvores que atrapalham a visão),
pardais. Afora isto, admiti um percentual dos gastos em segurança (guardas de
trânsito). E fui por aí – juntando gastos e despesas.
Todos nós reclamamos dos serviços
públicos: a educação pública é ruim, escolas caem aos pedaços; a saúde pública
é precária, os hospitais são carentes. A segurança é péssima, os transportes
coletivos são uma vergonha. Eu, por exemplo, moro em Brasília, na Asa Norte, e
padeço dois dias semanais de racionamento d'água, afora os eventuais apagões.
Mas o Governo do Distrito Federal está fazendo, no final da Asa Norte, uma obra
enorme, que envolve ponte, viadutos, abertura de pistas, obra que se destina a
facilitar o escoamento do tráfico no sentido Lago Norte, Sobradinho e Granja do
Torto. Ninguém reclama do racionamento, mas li elogios à obra, apesar dos
transtornos e dos custos.
A verdade é que temos uma visão
distorcida da relação cidadania/prioridades/gastos públicos. Não levamos em
conta que as receitas são limitadas, mas achamos que são infinitas quando estão
relacionadas com as nossas prioridades. Prioridades “nossas”, ou seja, de
classe, pois queremos ruas e estradas “europeias”, que facilitem no “nosso”
deslocamento. E isto custa - como constatei - 60% dos gastos do Distrito
Federal. O que sobra é destinada às prioridades “gerais”. Não sei se fui claro.
Hoje, todos culpam a corrupção pelas
nossas desgraças, mas os nossos males possuem outros componentes piores: a citada
relação cidadania/prioridades/gastos públicos é um deles. A corrupção é erva
daninha, deve ser combatida, os larápios devem ser presos. Mas a corrupção
sozinha não explica o que somos.
Apesar do racionamento d'água (minha
casa: dois dias/semana), vejo por aí os lavajatos funcionando a todo vapor: a
população do DF é da ordem de três milhões de habitantes; a frota de automóveis
é superior a 1,5 milhão, o que dá um carro/duas pessoas. Contudo, um estudo
local revelou que a média de veículos por família é de 4,2 carros. Isto
significa que a frota de carros de Brasília pertence a menos de 15% da
população. Vejam: uma obra faraônica está sendo feita, a lavagem de carros é
absurda, o gasto de água incalculável – mas disso ninguém reclama. É uma das faces cruéis da relação cidadania/prioridades/gastos
públicos. Pior ainda: 60% das despesas orçamentárias do DF beneficiam 15% da
população.
A verdade é que não percebemos
privilégios como esse. E como não percebemos, convivemos com eles. Às vezes
somos induzidos a desviar nossa atenção para outras questões, que, a rigor, são
menos graves que aquelas que não percebemos. Dou um exemplo: li, no facebook e
na mídia, imprecações contra os 3,6 bilhões que seriam destinados aos partidos
políticos. O Velhote do Penedo também é contra, embora aquela quantia represente
menos de 0,09% do orçamento federal – e menos de 1% dos 458 bilhões de
desonerações concedidos por Dilma desde 2011.
Eu ia escrever hoje sobre as perdas
que sofremos com a redução da hora-aula de 60 para 50 minutos. Prometi a alguns
amigos, a quem peço desculpas. Escreverei na terça.
Penedense não vota no Lula!