quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Um pouco da vida de Cecília

Rio de Janeiro, manhã do dia 11 de junho de 1915, uma sexta-feira. Aconteceu na Escola Normal o seguinte.
Um grupo alegre de normalistas reuniu-se numa das salas, onde uma delas, uma mocinha franzina e de aparência delicada, começou a declamar poesias de Olavo Bilac. O fato, em si, nada tinha de estranho para o local, um estabelecimento modelar de ensino, especializado na formação de professoras. E, de tão belo, mereceria mesmo ser repetido sempre, por todos os estudantes, em todas as épocas e lugares.

Cecília Meirelles

A normalista que declamava Bilac era uma jovem de treze anos, órfã de pai e mãe, cuja vida, conforme confessaria muitos anos mais tarde, foi sempre marcado pelo silêncio e pela solidão. Era uma estudante aplicada e inteligente, admirada por seus professores, e unia, nos atos e palavras, suavidade e perseverança. Seus primeiros contatos com a literatura - em especial, com a poesia - se deram aos nove anos de idade, ocasião em que escreveu o primeiro poema; aos doze, a mocinha leu e amou Eça de Queirós; adulta, tornou-se referência maior na poesia brasileira. Chamava-se Cecília Meireles.
Em junho de 1915, o diretor da Escola Normal chamava-se Hans Heilborn, professor de grego, nascido na Alemanha e radicado no Brasil em 1883. Hans era um sujeito rude, marcial e disciplinador. E nutria especial horror a Bilac, pessoa e poeta. Considerava-o um "poeta imoral e indecente" e um "homem vulgar e sem escrúpulos". Por isso, é fácil imaginar o que sentiu quando, ao entrar na sala, deparou-se com Cecília recitando um poema do autor de O caçador de esmeraldas. Dominado pela cólera, Hans investiu contra a estudante, que, num gesto de coragem, recusou-se a aceitar passivamente a ordem de calar-se. Transtornado, o diretor da Escola Normal segurou Cecília pela braço, tentando arrastá-la para fora da sala. As colegas de Cecília começaram a gritar e a protestar contra a violência, atraindo professores, estudantes e funcionários da Escola. Estava armada a confusão.
Este fato - que, a rigor, nunca deveria ter ocorrido - ultrapassou os muros da Escola Normal, transformando-se num incidente que mobilizou autoridades, imprensa e opinião pública. Bem verdade que, dadas às circunstâncias da época, o episódio não se resumia apenas a um entrevero entre um diretor arbitrário e uma estudante.
No fundo, o incidente entre Hans e Cecília pôs em evidência um erro político do prefeito Rivadávia Correia, que jamais deveria ter nomeado Hans Heilborn, um sujeito sabidamente truculento, para o cargo de diretor de um estabelecimento de ensino como a Escola Normal. Sobretudo no momento em que, na Europa, travava-se uma guerra provocada pelo militarismo alemão e, no Brasil, intelectuais, políticos, trabalhadores e estudantes desenvolviam, através da Liga Brasileira pelos Aliados, atividades organizadas contra o germanismo e a favor dos países aliados. Olavo Bilac, responsável indireto pelos acontecimentos da Escola Normal, era um dos mais ativos membros da Liga.
O incidente da Escola Normal, portanto, não foi um caso isolado. Ele retratava as contradições do campo intelectual da época, profundamente contaminado por preconceitos literários e morais (o ódio de Hans Heilborn contra Bilac era um exemplo disso) e grandemente influenciado pelos fatos europeus, que estimularam intenso sentimento antialemão. A violência de Hans contra Cecília, noves fora o acontecimento já em si deplorável, inflamou o antigermanismo dominante. Daí, a repercussão e os desdobramentos que teve.
O incidente da Escola Normal teve fim no dia 28 de junho quando, a pedido do prefeito Rivadávia Correia, Hans Heilborn pediu demissão. Para o seu lugar foi nomeado o acadêmico Afrânio Peixoto, professor da Faculdade de Medicina e autor de obras regionalistas, como A esfinge (1911), Maria Bonita (1914), Fruta do mato (1920) e Bugrinha (1922). Além da demissão de Hans Heilborn e da nomeação de Afrânio Peixoto, outras soluções foram também negociadas: Cecília Meireles e outras estudantes, tidas, segundo os documentos oficiais da época, como "líderes de uma insubordinação coletiva contra Hans Heilborn", foram inicialmente suspensas; depois, houve uma espécie de anistia e elas receberam "apenas" advertências por escrito do diretor da Instrução Pública, órgão equivalente ao da Secretaria de Educação do Distrito Federal.
Nos dezessete dias da crise, debateram-se muito os métodos "pedagógicos" de Hans Heilborn, que tanto desagradava alunos e professores. Durante a crise, estudantes (inclusive os da Faculdade de Medicina, que fizeram passeatas pelo centro do Rio de Janeiro) fizeram manifestações públicas e enterros simbólicos do prefeito Rivadávia Correia e de Hans Heilborn. Leitores indignados escreveram aos jornais, lamentando os acontecimentos que "maculam o tradicional estabelecimento de ensino". Professores, entre os quais Manoel Bomfim (que foi professor de pedagogia de Cecília), José Veríssimo, Sérvulo Lima e Francisco Carlos da Silva Cabrita, e diversos jornalistas publicaram artigos a respeito, principalmente no Jornal do Commércio e em O Século (onde despontava, como responsável pela cobertura do episódio, um jovem repórter e poeta chamado Orestes Barbosa, futuro autor das letras de "Chão de estrelas", “Suburbana”, ambas com Silvio Caldas, e “Positivismo”, com Noel Rosa).
Nos debates, os temas centrais eram a presença de Hans Heilborn na direção da Escola Normal e o espírito belicoso do germanismo e a guerra européia, entre outros tantos assuntos que, direta ou indiretamente, tinham a ver com o episódio.
(Imaginem a reação das autoridades - e de Hans Heilborn - se eles pudessem adivinhar que, no futuro, a menina Cecília Meireles viria a ser uma das figuras exponenciais da poesia brasileira!...).
Olavo Bilac - Poeta e jornalista, a quem Cecília Meirelles dedicava grande respeito e admiração.

2 comentários:

  1. Uma bela história, mas totalmente errônea. sabemos que quem declamava as poesias de Olavo Bilac era a normalista Déa Simões Mendes, foi uma inspetora que fez a repreensão e sendo afrontada pela normalista, chamou o diretor Heilborn que exagerou nos gritos e reprimendas, não tocou um dedo na normalista Déa, que puxada pelo braçõ pelo inspetora para sair da sala, teve um colapso nervoso e o restante é história...

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    1. Caro Dio Xavier. Todas as informações a respeito do episódio estão no meu livro O Rebelde Esquecido. Todas as informações nele contidas foram colhidas em jornais da época, que são citados, um a um, nos rodapés. De qualquer forma, agradeço seus comentários. Um abraço.

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