terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Bateram os sinos – e nós, como ficamos?

Discursos e promessas
Passadas as comemorações natalinas e de fim de ano, voltamos ao nosso difícil e delirante cotidiano.
Na Europa, a crise se aguça – e nem mesmo a promessa de medidas econômicas duras (contra os povos, não contra os banqueiros e governantes) melhoram as perspectivas. O euro, como um boxer exausto, encolheu-se no canto do ringue, quase sem condições de reagir aos socos que recebe. Os Estados Unidos cambaleiam – e lá se corre o risco de um retorno triunfal dos republicanos à Casa Branca. Barack Obama, segundo todas as avaliações, dificilmente será reeleito. Na América Latina, as coisas continuam como sempre estiveram: velhas oligarquias, que agora usam ternos bem cortados e posam de modernas, continuam mandando e desmandando, enriquecendo enquanto milhões de “cucarachas” vivem à míngua. No Brasil, bem, no Brasil, “tia” Dilma promete reformar o ministério herdado de Lula, ampliar os programas sociais e as obras de infraestrutura, além de coibir os malfeitos, singelo nome que ela deu à corrupção e à falta de ética e compostura dos seus subordinados. O que não falta no Brasil são discursos e promessas ufanistas.
Nos últimos dias do ano que passou, tivemos a notícia de que o Brasil tornou-se a sexta economia do planeta. O “mestre” Mantega reuniu os jornalistas e prometeu duas coisas: que em poucos anos ultrapassaremos “outros” países, como a França e a Alemanha, e em vinte anos alteraremos o quadro social brasileiro. Mantega é um pândego.
Sobre essa questão de sermos a oitava, a sétima ou a sexta economia do planeta, o velho professor do Penedo já escreveu sobre isso, aqui nesse mesmo espaço. Meus argumentos continuam válidos, por isso não vou repeti-los. Agora, afirmar que em duas décadas superaremos as nossas mazelas sociais, bem, isso só pode ser fruto de delírio. No meu tempo de guri, no Rio de Janeiro, diríamos que tal promessa era um “bafo de boca”.
O quadro social brasileiro – é digno da sexta economia?
Moro em Brasília, mais especificamente no chamado Plano Piloto, onde a renda é uma das maiores do Brasil. Brasília é, hoje, uma unidade da federação carente de serviços básicos decentes, como um sistema de saúde digno, uma rede pública de ensino eficiente. Brasília não dispõe de um sistema de transportes coletivos (sequer) razoável: os ônibus são velhos e sujos, os motoristas mal-educados. Mas, em compensação, Brasília está construindo um estádio de futebol de primeiro mundo – para satisfazer a vaidade de autoridades incompetentes que não dão a mínimo para o povão. O futebol em Brasília é ridículo em qualidade e espetáculo: o público médio nos estádios da cidade não atinge a 2.500 pessoas, mas o novo estádio – o Estádio Nacional de Brasília, pomposo nome! – terá capacidade para receber 71 mil pessoas!
Em relação aos custos do estádio, bem, as estimativas variam: uns falam em 800 milhões, outros em 1 bilhão, mas há quem assegure que ele não ficará por menos de 1 bilhão e quatrocentos milhões! É muita grana, principalmente quando se observa o abandono em que se encontra a capital do país, onde, além dos problemas já apontados, as ruas estão esburacadas, onde as áreas verdes não são tratadas, onde o desemprego é um dos mais elevados do país.
Êta Congressinho mais chinfrim!
Este Papo de Amigos possuem um setor de pesquisa que observa com acuidade o funcionamento do Congresso. Vou destacar três traços marcantes da chamada casa legislativa:
1)   Quem pauta o funcionamento diário do Congresso é o Executivo através das Medidas Provisórias, uma excrecência constitucional, filha dileta dos Decretos-leis da ditadura. O Congresso tornou-se um simples homologador das Medidas Provisórias expedidas pelo Executivo. Nós votamos no deputado ou senador para o distinto legislar, mas o infeliz torna-se apenas um fantoche do Planalto.
2)   Vejam os filmes ou reportagens: em todos os Congressos do mundo, senadores e deputados estão sempre sentados, prestando atenção no discurso do orador. Suas mesas têm papéis, que são os documentos que serão discutidos naquela sessão. No Brasil, não. No Brasil, os trabalhos no Congresso são uma verdadeira zorra! Deputados e senadores ficam de pé, fazem rodinhas, conversam, falam no celular, riem - ninguém presta a mínima atenção no que o orador está falando. Não são sérios – nem fingem que são.
3)   Um traço da vida política brasileira é a corrupção. Um grande político brasileiro, já falecido, disse uma coisa bem verdadeira: “A política é a atividade mais nobre nas sociedades humanas. Mas, no Brasil, a política tem uma capacidade enorme de atrair gente ordinária!” É preciso dizer mais alguma coisa?
Deu na Revista Época
O velho professor do Penedo tem grande admiração pela jornalista Ruth de Aquino, da Revista Época. É sempre com grande prazer que eu a leio. Esta semana o artigo dela é impagável. Por isso, eu o transcrevo aqui:
Os porquinhos vão à praia
Era lixo só. No domingo de Natal, ninguém se atrevia a ir à praia em Ipanema e Leblon, os bairros da zelite carioca. É o metro quadrado mais caro do Rio de Janeiro, mas o que sobra em dinheiro falta em educação. Todo mundo culpou a Comlurb, a companhia municipal de limpeza. Que direito tem a prefeitura de expor nossa falta de respeito com o espaço público?
É verdade que houve uma falha operacional. Os garis do sábado à noite teriam de dar mais duro para compensar a redução da equipe da Comlurb no domingo. A praia mais sofisticada da cidade, que vai do canto do Arpoador até o fim do Leblon, amanheceu com 25 toneladas de lixo espalhadas, um espetáculo nojento. Cocos são o maior detrito: 20 mil por dia. Mas tem muita embalagem de biscoito e sorvete. As criancinhas imitam os pais que deixam na areia latas de cerveja, copos de mate, garrafinhas de água, espetos de queijo coalho, canudos de plástico. É o porco pai, a porca mãe e a prole de porquinhos.
Adorei o atraso da Comlurb por seu papel didático. Quem andou no calçadão dominical e olhou aquela imundície pode ter pensado, caso tenha consciência: e se cada um cuidasse de seu próprio lixo como pessoas civilizadas? O Rio está cheio de farofeiro. De fora e de dentro. De todas as classes sociais. Gente que ainda não aprendeu que pode carregar seu próprio saquinho de lixo na praia. A areia que sujamos hoje será ocupada amanhã por nós mesmos, nossas crianças ou os bebês dos outros. Falo do Rio, mas o alerta serve para o Brasil inteiro neste verão. Temos um litoral paradisíaco. Por que maltratar as praias?
Na Cidade Maravilhosa, o terceiro maior orçamento da prefeitura é o da Comlurb. Só perde para Educação e Saúde. Por ano, a prefeitura gasta R$ 1 bilhão coletando lixo dos prédios e das ruas. “Para recolher a lambança que as pessoas fazem nas ruas, parques, praias, são gastos R$ 550 milhões”, me disse o prefeito Eduardo Paes. “Daria para construir 100 escolas num ano, ou 150 creches, ou 200 clínicas da família.”
No ano passado, Paes criou o “lixômetro”, uma medição do lixo público nos bairros. Quem reduzisse mais ao longo do ano ganharia benfeitorias. O campeão foi a Cidade de Deus, comunidade carente pacificada. Menos lixo no espaço público significa economia para o contribuinte e trabalho menos penoso para os garis. A multa no Rio, hoje, para quem joga lixo na rua é de R$ 146, mas jamais alguém foi multado. Os guardas municipais raramente abordam os sujismundos e preferem tentar educar, explicar que não é legal.
As cestas de lixo nunca serão suficientes para os porquinhos. Porque o que conta é educação e cultura 
Os porquinhos adoram um argumento: não haveria cestas de lixo suficientes. Na orla, as 1.400 caçambas não dariam para o lixo do verão. A partir de fevereiro, as caçambas dobrarão de volume, de 120 litros para 240 litros. E nunca serão suficientes. Porque o que conta é educação e cultura. Ou você se sente incapaz de jogar qualquer coisa no chão e anda com o papel melado de bala até encontrar uma lixeira, ou você joga mesmo, sem culpa nem perdão. O outro argumento é igual ao dos políticos corruptos: todo mundo rouba, por que não eu? Pois é, todo mundo suja, a areia já está coalhada de palitinhos, plásticos e cocos, que diferença eu vou fazer? Toda a diferença do mundo. O valor de cada um ninguém tira.
Em alta temporada, 200 garis recolhem, de 56 quilômetros de praias no Rio, 70 toneladas de lixo aos sábados e 120 toneladas de lixo aos domingos. A praia com mais lixo é a da Barra da Tijuca. Em seguida, Copacabana. Tenham santa paciência. Quando vejo aquela família que leva da praia suas barracas, cadeirinhas e bolsas, mas deixa na areia um rastro de lixo, dá vontade de perguntar: na sua casa também é assim?
A tímida campanha do “Rio que eu amo eu cuido” mostra que muito mais conscientização será necessária. A China produziu um gigantesco rolo compressor antes das Olimpíadas: em outdoors nas ruas, programas de rádio e televisão, o governo pedia à população que não cuspisse e escarrasse na rua. Era uma forma de tentar mostrar ao mundo que o povo não era tão mal-educado.
Experimente responder a estas perguntas. Jogo lixo na rua? Já deixei lixo na praia? De carro, furo o sinal vermelho? Acelero no sinal amarelo para assustar o pedestre? Buzino sem parar e xingo no trânsito? Dirijo depois de beber? Deixo meu cachorro fazer cocô na rua sem recolher? Já fiz xixi publicamente? Corro de bicicleta na calçada, pondo em risco velhinhos e crianças? Abro a mala do carro estacionado para fazer ecoar meu som predileto?
Que tal ser um cidadão melhor e menos porquinho em 2012?
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E aqui apresento a Velha Guarda da Portela que acompanha um dos seus integrantes, o grande Manacéia, autor do belíssimo samba “Quantas lágrimas”.


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