segunda-feira, 28 de maio de 2012

Manoel Bomfim não quis polemizar: por quê?


A polêmica que não houve

Em 1905, o médico e educador sergipano Manoel Bomfim publicou o livro A América Latina: males de origem, intrometendo-se num debate - às vezes explícito, às vezes disfarçado, mas sempre acalorado e tenso - que, há anos, azedava o meio intelectual brasileiro. Tal debate girava em torno de, pelo menos, duas questões, e tinha como estofo as teorias raciais de Gobineau e Gustave Le Bon. A primeira questão era a seguinte: uma "coleção" de negros, índios e mestiços (a sociedade brasileira) poderia compor, ou vir a compor, uma nação e adquirir cultura e identidade nacionais próprias? A segunda era uma conseqüência da anterior: é viável e sustentável a existência de uma nação com tal mistura racial?

Estas perguntas, hoje, podem parecer bizarras, mas, na entrada do século XX, as populações não-brancas eram vistas, pela ciência dominante, como obstáculos à universalização dos princípios liberais e à formação de nacionalidades. O certo é que figuras destacadas da intelectualidade brasileira, como Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, responderam negativamente as duas indagações. Segundo eles, a presença de raças "inferiores" na formação social brasileira inviabilizava a constituição da nação brasileira. A solução para este dilema histórico-racial do Brasil partiu de gente como Joaquim Nabuco e Silvio Romero, entre outros. (Romero mudaria radicalmente de posição em 1901, ano em que publicou o célebre ensaio sobre Martins Pena e deixou-se dominar pelas teorias arianistas.)

Bem verdade que Nabuco e Romero aceitavam perfeitamente os postulados do racismo científico, mas recorriam à ideologia do "branqueamento" e da miscigenação como saída ao referido impasse histórico brasileiro. Romero estimava em três ou quatro séculos o processo de branqueamento da população brasileira. Nabuco, porém, era mais otimista: o Brasil seria um país branco em apenas um século. Ambos, é claro, viam na imigração européia, mormente a alemã, o instrumento da melhoria étnica brasileira e da formação brasileira.

Em síntese, até 1905, os debates orbitaram as duas posições acima, variando apenas em detalhes.

Manoel Bomfim elaborou, em A América Latina: males de origem, uma inédita e arguta análise das causas da miséria e do atraso geral do continente, desmascarando o chamado racismo científico. Os "males de origem" do continente (e do Brasil, em particular), segundo Bomfim, não vinham dos povos, muito menos da pele escura e da carapinha dos latino-americanos. Vinham, isso sim, do "parasitismo colonial" e do projeto tacanho das classes dirigentes locais, que organizaram no continente uma sociedade em proveito próprio, distanciada do povo brasileiro.

O conceito de "parasitismo colonial" deu a Manoel Bomfim os meios necessários para desenhar um modelo explicativo das relações de dominação entre as classes sociais e entre as nações periféricas e as nações centrais. Na verdade, Bomfim negou o fato étnico como explicação das desigualdades sociais e políticas, taxando o racismo científico de "sofisma abjeto do egoísmo humano, hipocritamente mascarado de ciência barata, e covardemente aplicado à exploração dos fracos pelos fortes".

Quando publicou A América Latina: males de origem Bomfim tinha 37 anos - e este era o seu primeiro livro sobre tema sociológico. Silvio Romero tinha 54 anos, era um autor consagrado e, naquela altura da vida, era um homem amargurado, descrente do branqueamento do povo brasileiro, que antes considerara um ganho evolutivo. Em Martins Pena, ensaio de 1901, escreveu: "Os mestiços tomados em totalidade são fundamentalmente inferiores, como robustez, ao negro e ao branco; como inteligência e caráter, ao branco". A miscigenação, segundo Romero, não afetaria para melhor as raças inferiores, mas, ao contrário, degeneraria o elemento branco, ou seja, a raça superior. Romero sentia-se absolutamente alarmado diante da hipótese de que o país viesse a ser dominado, um dia, por raças inferiores ou cruzadas. No fundo, não via qualquer saída histórica para o Brasil - e isto, no fundo, causava-lhe imenso sofrimento moral.

Silvio Romero leu A América Latina: males de origem dominado por tais sentimentos. Claro, odiou a obra, que considerou uma afronta à ciência e ao bom-senso. E, bem ao seu estilo, tomou-se também de um ódio cego e selvagem por Manoel Bomfim que ousara escrever aquelas afrontas. Disposto a tudo, Romero sentou-se na mesa, molhou a pena em nitroglicerina - e partiu para o ataque.

As polêmicas eram fato comum e constante na época - e Silvio Romero era uma espécie de "rei da polêmica", utilizando no mister todas as armas do seu arsenal, que não eram poucas e muito menos polidas. Romero era impiedoso e não se preocupava em conduzir os debates no chamado elevado plano das idéias. O negócio - o seu negócio, diga-se - era atirar o adversário no chão, pisar no seu peito e gritar, como um Tarzã vitorioso.

Romero esmiuçou detalhadamente o A América Latina: os males de origem, indo de questões substantivas, como o debate sobre as desigualdades das raças, a miudezas estilísticas, como a discordância quanto ao uso da palavra ligeiro ("... um quadro ligeiro", escreveu Bomfim) em vez de leve, superficial, o que, para Romero, era um indecoroso e imperdoável galicismo. Romero tinha um duplo objetivo: demolir pedra por pedra os argumentos do livro e humilhar Manoel Bomfim, que tivera, de um lado, o atrevimento de escrever um ensaio que "por outras vias e doutrinas" Romero pensava escrever e, de outro, a ousadia de querer refutar os "venerandos pensadores" Gustave Le Bon e Gobineau. Ao invés de uma explicação étnica do atraso brasileiro, Bomfim construiu uma interpretação baseada nas relações de dominação - e isto era insuportável para Romero.

Romero escreveu contra Bomfim uma série de 25 artigos no semanário Os Anais, de Domingos Olímpio, depois reunidos no volume A América Latina: análise do livro de igual título do Dr. Manoel Bomfim (1906). Nele, Romero refere-se a Bomfim como "mestiço ibero-americano", "trapalhão", "manoelzinho que nos surge com essas novidades de leituras mal digeridas", membro de uma "corja" e de um "bando de malfeitores do bom senso e bom gosto".

E Bomfim, como reagiu a tal e tamanha espinafração?

Pressionado por amigos (entre os quais Olavo Bilac e Alcindo Guanabara) e por Walfrido Ribeiro, secretário de Os Anais, Bomfim escreveu à revista uma carta - no mínimo, decepcionante para seus admiradores. O fato é que, na carta, Bomfim não discutiu idéias, não demonstrou os erros de Romero, nem fez uma defesa das teses do seu livro (era o que se esperava!), preferindo revidar, na mesma moeda, os insultos de que fora vítima. Bem, nada contra as explosões emocionais, desde que os xingos (estes faziam parte das polêmicas!) fossem temperados pela reafirmação incisiva dos pontos de vista que ele defendera tão bem no seu livro. A verdade é que Bomfim não quis polemizar com Silvio Romero. Por quê?

Em O rebelde esquecido: tempo, vida e obra de Manoel Bomfim, observei que o meu biografado aceitou com extrema passividade o bombardeio de Silvio Romero. Quando pôde contra-atacar, Bomfim refugou e negou-se a polemizar. É possível que a figura de Romero, a respeitabilidade que este possuía e o temor que ele inspirava naqueles que criticava, tenha atemorizado Manoel Bomfim. O fato é que o autor de A América Latina: males de origem amargou uma derrota acachapante.

Bomfim pagou feio por isso: primeiro, porque deixou correr entre os dedos a oportunidade de dar transparência e valorizar o seu contradiscurso perante o discurso etnicamente incorreto e grosseiro de Romero. Segundo, porque este seu comportamento somou-se a outras atitudes suas que, de uma forma ou de outra, contribuíram para o seu esquecimento.

Mas isto, meu caro leitor, já é outra história.

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Y así pasan los días (5)

1 – O deputado Cândido Vaccarezza fugiu da escola, disse Dad Squarisi, competente jornalista do Correio Braziliense. Um torpedo de Vaccarezza ao governador Sérgio Cabral foi interceptada pela reportagem do SBT – e, era inevitável, a mensagem caiu na rede. O texto do deputado do PT literalmente enxovalhou a língua pátria. Em 140 caracteres, Vaccarezza misturou tratamentos e pisou na concordância. O texto do Vaccarezza foi o seguinte: “A relação com o PMDB vai azedar na CPI, mas não se preocupe, você é nosso e nós somos teu”. Maravilha, não?

2 – O mensalão vai ser julgado este ano pelo STF, garante o ministro Ayres Britto. Durante algum tempo, o PT (Lula à frente), repetiu que o mensalão não era o que diziam, ou seja, um sistema absurdo de pagamento mensal a deputados de variados partidos, e sim um caixa dois. O PT tentava assim justificar um crime gravíssimo com outro crime. Agora, Lula inventou a tese de que o mensalão jamais existiu: não passou de um conluio da oposiçãoi e da imprensa contra o seu governo. Como Lula não tem simancol, e se acha o máximo, ele agora tenta convencer os ministros do STF a não votarem o mensalão. A Veja conta tudo esta semana.

3 – Como era previsível, a CPI do Cachoeira vai dar em nada.

4 – Daltro Trevisan levou o Prêmio Camões. Trevisan é um dos poucos grandes escritores brasileiros em atividade.

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Edu Lobo

Hoje temos aqui um dos grandes músicos brasileiros: Edu Lobo. Ele canta, de sua autoria, “Pra dizer adeus”. Ao piano, o maestro Cristovão Bastos.

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