Efemérides
Falei aqui outro dia no crítico e jornalista
Álvaro Lins, que estaria, este ano, comemorando 100 anos, tal como Jorge Amado
e Nelson Rodrigues.Mas 2012 é um ano de grandes datas, muitas das quais estão
passando desapercebidas. Alguns exemplos:
·
110 anos de publicação (1902) de uma
obra-prima: “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. Obra essencial para a
compreensão do Brasil (se isto for possível!).
·
100 anos (1912) da publicação de “Eu”, de
Augusto dos Anjos.
·
90 anos de criação do Centro Dom Vital
(1922) pelo intelectual católico Jackson de Figueiredo. O objetivo do centro
era atrair a intelectualidade católica brasileira. Após a morte de Jackson
Figueiredo, o Centro passou a ser dirigido por Alceu do Amoroso Lima (Tristão
de Thayde).
·
80 anos da publicação (1932) de “Fantoches”,
primeiro livro do escritor gaúcho Érico Veríssimo.
·
80 anos da publicação (1932) de “Menino de
engenho”, primeiro livro do escritor pernambucano José Lins do Rego.
·
70 anos da publicação (1942) de “Formação
do Brasil contemporâneo”, do escritor marxista Caio Prado Júnior. Livro notável.
Essencial.
·
120 anos do nascimento (1892) do escritor
alagoano Graciliano Ramos.
·
110 anos de nascimento (1902) de Carlos
Drummond de Andrade.
·
110 anos do nascimento (1902) de Sérgio
Buarque de Holanda, autor de “Raízes do Brasil”, “Monções”, “Caminhos e
fronteiras” e “Visão do Paraíso”.
·
30 anos da morte (1982) de Sérgio Buarque
de Holanda.
·
120 anos do nascimento (1892) de Assis
Chateaubriand.
·
90 anos (1922) da Semana de Arte Moderna.
·
60 anos da morte, em desastre de carro na
Via Dutra, de Francisco Alves, o Rei da Voz.
·
45 anos da morte (1967) de Guimarães Rosa.
·
25 anos da morte (1987) de Gilberto Freyre.
·
35 anos da morte (1977) de Clarice
Lispector.
·
90 anos do nascimento (1922) do humorista e
escritor Leon Eliachar.
·
25 anos da morte (1987) de Leon Eliachar.
·
100 anos do nascimento (1912) do grande compositor.
·
90 anos de nascimento (1922) da cantora
Nora Nei.
·
110 anos de nascimento (1902) do cantor e
compositor Moreira da Silva.
·
90 anos de nascimento (1922) da cantora
Dircinha Batista.
E
PARA CONCLUIR:
·
70 anos do nascimento (1942) do Velho
Professor do Penedo!
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A obra de Jorge Amado pode
ser dividida em três fases bem distintas. A primeira está constituída pelas
novelas O país do carnaval (1931), Cacau (1933) e Suor (1934). São obras destituídas de significação literária, mas
que provocaram ruído e deram fama quase instantânea ao autor, estimulando a sua
carreira. A segunda fase vai de Jubiabá
(1935) à trilogia Os subterrâneos da
liberdade (1954). É a fase eminentemente política e ideológica do escritor
baiano. A terceira fase teve início em 1958, com a publicação de Gabriela, cravo e canela. É a fase
picaresca, lúdica e folclórica do escritor Jorge Amado.
A distinção entre a
primeira e a segunda fases é técnica: rigorosamente, Jubiabá é o primeiro livro de Jorge Amado que merece, com precisão,
ser chamado de romance. O corte entre a segunda e a terceira fases foi
traumaticamente político e externo à atividade literária do escritor baiano:
ocorreu em 1956, quando das denúncias de Kruschev sobre os crimes de Stalin,
que provocaram rupturas definitivas no movimento comunista - e uma debandada de
quadros intelectuais dos PC's, horrorizados diante dos fatos tornados públicos
por Kruschev. Jorge Amado foi um deles.
Mas a pergunta que nos
interessa é a seguinte: do ponto de vista literário, qual foi a melhor fase de
Jorge Amado?
A rigor, a obra de Jorge
Amado não pode ser avaliada exclusivamente em termos de fases, embora estas
forneçam referências precisas quanto à expressão estilística, enredos e temas
desenvolvidos pelo autor. Os três primeiros livros do baiano, como já observamos,
constituem nada mais que pequenas e frustradas tentativas literárias. A partir
de Jubiabá até os nossos dias, porém,
a obra de Jorge Amado foi, ao longo do tempo, sempre muito irregular, oscilando
entre livros superiores, como Mar morto
(1936), Terras do sem fim (1943) e Os velhos marinheiros (1961), e livros
inferiores, como Os subterrâneos da
liberdade (1954), Tocaia grande
(1984) e O sumiço da santa (1988).
Esta ciclotimia literária
de Jorge Amado, contudo, não afetou o sucesso e a fama que os seus livros
provocaram, no Brasil e no exterior. Durante anos, Jorge Amado e Érico
Veríssimo foram os nossos raros profissionais da literatura. Jorge Amado, como
Veríssimo, viveu unicamente da ficção, das numerosas edições nacionais e
estrangeiras dos seus livros, sem contar, é claro, as adaptações e venda de
direitos para o teatro, rádio, cinema e televisão. Os críticos costumam dizer,
em voz baixa que tudo isso não representava, em si, um sucesso literário: Jorge
Amado - assim como os poetas Pablo Neruda e Nicolás Guillen - teria sido
beneficiado interna e externamente pelos partidos comunistas, cujas máquinas
transformaram-se em agências de propaganda da obra do baiano, como das obras de
Neruda e Guillen. Será?
Há, sem dúvida, um fundo
de verdade nisso, mas como explicar, por exemplo, o sucesso de Jorge Amado após o seu afastamento do PCB? A verdade
é que os livros da terceira fase de Jorge Amado - vide, por exemplo, os casos de Gabriela,
cravo e canela e Dona Flor e seus
dois maridos - venderam tanto quanto os livros da segunda fase, embora cada
uma das fases do autor tivesse suas próprias motivações, inspirações e,
provavelmente, leitores. Há, é claro, um fato político nisso tudo: ao se
afastar do movimento comunista, Jorge Amado, ao contrário do que sucedeu a
tantos outros intelectuais, não se transformou num anticomunista. Pode-se
afirmar que, em certas circunstâncias, Jorge Amado continuou assumindo posições
políticas de esquerda, embora não comunistas. Em suma: desligando-se do PCB, o
escritor baiano não renegou a sua militância anterior - e, com exceção do
insuportável O mundo da paz, não repudiou
nenhum livro que escrevera na sua fase política. Jorge Amado simplesmente exorcizou
o fantasma de Stalin, mas permaneceu um socialista.
Como escritor, Jorge Amado
não se sobressaiu propriamente pelo uso apurado de técnicas literárias. Era, na
verdade, um excepcional contador de histórias e, de certa maneira, um criador
de personagens, embora estes padecessem da visão maniqueista do autor de Seara vermelha, evidenciando quase
sempre a luta entre os bons e os maus. Tal dogmatismo foi uma constante na obra
de Jorge Amado - e, ao contrário do que se poderia pensar, não era traço apenas
da segunda fase do autor. É isto o que explica, por exemplo, a repetição de
personagens, com nomes diferentes, na extensa obra do baiano.
A obra de Jorge Amado
inspirou numerosa bibliografia crítica, em geral elogiosa. Miécio Tati, autor
de uma bibliografia do escritor baiano, valorizou a intenção de Jorge Amado de
utilizar a literatura para apontar "os flagrantes espantosos de dor e
humilhação" do povo brasileiro. Sérgio Milliet elogiou a linguagem e a
tessitura de Gabriela, cravo e canela,
afirmando que a obra marca uma nova atitude literária do romancista. Luciana
Stegagno Picchio, escritora italiana que escreveu uma História da literatura
brasileira, notou que Jorge Amado escreveu uma "obra sem igual no país e
de que é fácil compreender o êxito junto a outros povos".
As opiniões discordantes
referem-se, sobretudo, aos recursos poéticos do romancista, tidos por alguns
comentaristas como apelativos ou, mesmo, de mau gosto, e ao uso exagerado de
conceitos políticos, o que, em alguns casos, amesquinhou os seus romances. Álvaro
Lins, por exemplo, fez severas e pertinentes restrições à obra de Jorge Amado,
chegando a afirmar que as deficiências do romancista sufocaram o seu talento.
"Jorge Amado" - observou Lins - "insiste no mau gosto como se
estivesse ostentando um troféu". Segundo o autor de Os mortos de sobrecasaca, Jorge Amado sempre descuidou dos
processos artísticos, literários e técnicos de sua obra, parecendo querer
construí-la na base da força, ou seja, dos seus dons de narrador e contador de
histórias. As críticas de Otto Maria Carpeaux a Jorge Amado eram de outra
natureza. Em seu artigo “Cony e o outro” (Leitura, XXIII-89, dezembro de 1964),
Carpeaux fez a seguinte comparação: "Quando, em abril de 1964, um grupo
subjugou outros grupos e os indivíduos, então o indivíduo Carlos Heitor Cony se
levantou com coragem admirável, sozinho, arriscando a existência material e a integridade
física para defender os ofendidos e humilhados. Mas o outro romancista (Jorge
Amado. RCA) não aproveitou seu prestígio internacional para protestar. Ficou
calado".
Jorge Amado foi figura
proeminente do movimento literário nordestino, cujos esteios foram José Américo
de Almeida, Jorge de Lima, Raquel de Queirós, José Lins do Rego, Amando Fontes
e Graciliano Ramos. Hoje, a urbanização intensa e a padronização cultural estão
eliminando das nossas perspectivas intelectuais o interesse pelos traços regionais.