quarta-feira, 3 de abril de 2013

Crônica do Velhote do Penedo (1)


Não acredito

Não acredito nos discursos dos políticos, nos sermões religiosos, nos editoriais, nas bulas medicinais, nas ordens-do-dia e nos santos sacramentos. Não acredito nas boas intenções do empresariado - nem na sinceridade dos líderes sindicais. Não acredito nos fóruns internacionais, nas reuniões de líderes, nas avaliações de conjuntura e na capacidade conjunta de se chegar a conclusões positivas e satisfatórias, em prol da sociedade. Não acredito nas articulações de bastidores, nem nos discursos em praça pública, nem nos papos da tarde de amigos nas mesas dos bares. E, sobretudo, não acredito nos conclaves internacionais.

Não, não me falem nas pesquisas de opinião, nas estimativas de crescimento e nas previsões meteorológicas. Não acredito em cartas anônimas, em horóscopo, em tarô, em bolas de cristal, nos despachos das esquinas e no olhar sempre atento dos gurus. Não acredito nas prédicas papais. Não acredito nas entrevistas coletivas. Não acredito no habeas corpus, no habeas data e no habeas qualquer coisa. Sobretudo, não creio nas estatísticas governamentais, nem nos anos sabáticos.

Não acredito na quebra dos paradigmas, no conservadorismo e na crença em relação ao futuro dos povos e grupos sociais desassistidos do planeta. Não acredito nos cálculos de custos, na redução das despesas e nos investimentos prioritários. Não acredito no desenvolvimento sustentável. Não acredito na solução dos nossos candentes problemas sociais. Não acredito nas transposições de rios, na perfuração de poços e na construção de barragens e açudes. Não acredito nos ensaios bem fundamentados, nas reportagens investigativas e nas lídimas tradições da nossa nacionalidade.

Não acredito no anarquismo, nas ideologias exóticas e na paz mundial. Não acredito nas soluções bélicas e nas reuniões de líderes onde se discute o fim dos combates e a assinatura de um armistício. Não acredito nos acordos negociados e nas soluções impostas. Enfim, não acredito em qualquer forma de solução, nos fatos ditos consumados e nas questões julgadas insolúveis.

Não, não me venham com essa de estabilidade no emprego, nas leis que regulam as relações entre patrões e empregados, nas normas de funcionamento das nossas instituições. Não acredito nos estatutos da gafieira, nas disposições constitucionais transitórias, na lei da gravidade e, sobretudo, na lei da oferta e da procura. Não acredito na reforma ortográfica, na política indigenista brasileira, na reforma agrária, na cordialidade do povo brasileiro e nas variadas versões dos fatos. E, sobretudo, não acredito que Deus seja brasileiro.

Não acredito – positivamente não acredito – nos sagrados sacramentos, na fé reliogiosa, na comunhão e no despertar dos povos oprimidos. Não acredito no avanço científico e tecnológico, nas inscrições rupestres e nas cartas náuticas. Não acredito na agricultura alternativa, nos preços das commodities, no mercado de papéis e no jogo especulativo. Não acredito nas propagandas enganosas. Não acredito no grande romancista brasileiro, no vibrante cronista, no talentoso humorista, no inspirado poeta e nos enigmáticos grafiteiros.

Não acredito nos consultores, nos assessores, nos conselheiros. Não cheguem perto de mim com essa história de bala perdida, trem-bala e balas instrutivas Ruth, que eram fáceis de colecionar lá pelos anos 1950.

Não acredito na ONU, na OEA, na Comunidade Européia, na ALCA e no Mercosul. Não acredito na seleção húngara, no carrossel holandês, nos dribles desconcertantes do Maradona, na genialidade do Mané Garrincha e no talento insuperável de Pelé. Não acredito no Messi, no Cristiano Ronaldo, no Iniesta e no Xavi. Não acredito nas Olimpíadas, no Pan-americano e na Copa do Mundo. Não acredito nas autoridades, nos garis, nos carteiros e no mendigo que, de vez em quando, bate à minha porta e pede educadamente sempre a mesma coisa: três bananas, por favor. (Uma vez ele me disse, em tom imperativo: não quero uma, nem duas, nem quatro, nem cinco. Quero três bananas, certo?)

Não acredito no rally Paris-Dakar. Não acredito nos pronunciamentos oportunos. Não acredito nas decisões sensatas, nas várias maneiras de fugir dos problemas, no enfrentamento das questões palpitantes. Não creio no conhecimento empírico, no saber científico e nas reflexões filosóficas. Não creio em quem fala “a nível de”, “alavancagem”, “escrutínio”, “implementação”, “tópicos estratégicos”, “metas típicas”, “etapas necessárias”, “óbices estruturais”. Não acredito nos debates fecundos e nas discussões inúteis e sem fundamento.

Não acredito no Barack Obama. Não acredito no Hugo Chaves. Não acredito no Evo Morales e, principalmente, no Lula, no Bush pai e no Bush filho. Não acredito no Papa. Não acredito no Dalai Lama nem no ayatolá Khomeini. Não acredito no Mandela e no Al Gore, no Sarkozy e na Cristina Kirchner. Nos presidentes dos clubes brasileiros e nos presidentes da CBF, Fifa e Uefa.

Não acredito no guarda da esquina, que, por sinal, não existe mais. Não acredito nas boas intenções dos crentes, no pecado original, nos dez mandamentos, nos sete pecados capitais. Não acredito no mais santo homem, nem no mais hediondo pecador. Não acredito no canalha, não acredito no apóstolo, não acredito no cidadão, que paga impostos e é lesado pelas nossas autoridades.

Não acredito nos correspondentes internacionais, nos sagazes comentaristas, nos assessores econômicos, nos estudiosos das matérias. E, sobretudo, não acredito nos especialistas.

Não acredito – positivamente, não acredito - nas mulheres que, por atos dissimulados, levam os homens a mergulharem na mais absoluta desilusão e na certeza de que nada no mundo merece sua crença.
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Acima, com desenhos Disney, o Conjunto Farroupinha canta em homenagem a Walt Disney. Notem a vocalização desse conjunto, que fizeram muito sucesso nos anos 1950 e 1960. Curtam!
 

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