Não
acredito
Não
acredito nos discursos dos políticos, nos sermões religiosos, nos editoriais,
nas bulas medicinais, nas ordens-do-dia e nos santos sacramentos. Não acredito
nas boas intenções do empresariado - nem na sinceridade dos líderes sindicais. Não
acredito nos fóruns internacionais, nas reuniões de líderes, nas avaliações de
conjuntura e na capacidade conjunta de se chegar a conclusões positivas e
satisfatórias, em prol da sociedade. Não acredito nas articulações de
bastidores, nem nos discursos em praça pública, nem nos papos da tarde de
amigos nas mesas dos bares. E, sobretudo, não acredito nos conclaves
internacionais.
Não,
não me falem nas pesquisas de opinião, nas estimativas de crescimento e nas
previsões meteorológicas. Não acredito em cartas anônimas, em horóscopo, em
tarô, em bolas de cristal, nos despachos das esquinas e no olhar sempre atento
dos gurus. Não acredito nas prédicas papais. Não acredito nas entrevistas
coletivas. Não acredito no habeas corpus,
no habeas data e no habeas qualquer coisa. Sobretudo, não
creio nas estatísticas governamentais, nem nos anos sabáticos.
Não
acredito na quebra dos paradigmas, no conservadorismo e na crença em relação ao
futuro dos povos e grupos sociais desassistidos do planeta. Não acredito nos
cálculos de custos, na redução das despesas e nos investimentos prioritários.
Não acredito no desenvolvimento sustentável. Não acredito na solução dos nossos
candentes problemas sociais. Não acredito nas transposições de rios, na
perfuração de poços e na construção de barragens e açudes. Não acredito nos
ensaios bem fundamentados, nas reportagens investigativas e nas lídimas
tradições da nossa nacionalidade.
Não
acredito no anarquismo, nas ideologias exóticas e na paz mundial. Não acredito
nas soluções bélicas e nas reuniões de líderes onde se discute o fim dos
combates e a assinatura de um armistício. Não acredito nos acordos negociados e
nas soluções impostas. Enfim, não acredito em qualquer forma de solução, nos
fatos ditos consumados e nas questões julgadas insolúveis.
Não,
não me venham com essa de estabilidade no emprego, nas leis que regulam as
relações entre patrões e empregados, nas normas de funcionamento das nossas
instituições. Não acredito nos estatutos da gafieira, nas disposições
constitucionais transitórias, na lei da gravidade e, sobretudo, na lei da
oferta e da procura. Não acredito na reforma ortográfica, na política
indigenista brasileira, na reforma agrária, na cordialidade do povo brasileiro
e nas variadas versões dos fatos. E, sobretudo, não acredito que Deus seja
brasileiro.
Não
acredito – positivamente não acredito – nos sagrados sacramentos, na fé
reliogiosa, na comunhão e no despertar dos povos oprimidos. Não acredito no
avanço científico e tecnológico, nas inscrições rupestres e nas cartas
náuticas. Não acredito na agricultura alternativa, nos preços das commodities, no mercado de papéis e no
jogo especulativo. Não acredito nas propagandas enganosas. Não acredito no
grande romancista brasileiro, no vibrante cronista, no talentoso humorista, no
inspirado poeta e nos enigmáticos grafiteiros.
Não
acredito nos consultores, nos assessores, nos conselheiros. Não cheguem perto
de mim com essa história de bala perdida, trem-bala e balas instrutivas Ruth,
que eram fáceis de colecionar lá pelos anos 1950.
Não
acredito na ONU, na OEA, na Comunidade Européia, na ALCA e no Mercosul. Não
acredito na seleção húngara, no carrossel holandês, nos dribles desconcertantes
do Maradona, na genialidade do Mané Garrincha e no talento insuperável de Pelé.
Não acredito no Messi, no Cristiano Ronaldo, no Iniesta e no Xavi. Não acredito
nas Olimpíadas, no Pan-americano e na Copa do Mundo. Não acredito nas
autoridades, nos garis, nos carteiros e no mendigo que, de vez em quando, bate
à minha porta e pede educadamente sempre a mesma coisa: três bananas, por
favor. (Uma vez ele me disse, em tom imperativo: não quero uma, nem duas, nem
quatro, nem cinco. Quero três bananas, certo?)
Não
acredito no rally Paris-Dakar. Não
acredito nos pronunciamentos oportunos. Não acredito nas decisões sensatas, nas
várias maneiras de fugir dos problemas, no enfrentamento das questões
palpitantes. Não creio no conhecimento empírico, no saber científico e nas
reflexões filosóficas. Não creio em quem fala “a nível de”, “alavancagem”,
“escrutínio”, “implementação”, “tópicos estratégicos”, “metas típicas”, “etapas
necessárias”, “óbices estruturais”. Não acredito nos debates fecundos e nas
discussões inúteis e sem fundamento.
Não
acredito no Barack Obama. Não acredito no Hugo Chaves. Não acredito no Evo
Morales e, principalmente, no Lula, no Bush pai e no Bush filho. Não acredito
no Papa. Não acredito no Dalai Lama nem no ayatolá Khomeini. Não acredito no
Mandela e no Al Gore, no Sarkozy e na Cristina Kirchner. Nos presidentes dos
clubes brasileiros e nos presidentes da CBF, Fifa e Uefa.
Não
acredito no guarda da esquina, que, por sinal, não existe mais. Não acredito
nas boas intenções dos crentes, no pecado original, nos dez mandamentos, nos
sete pecados capitais. Não acredito no mais santo homem, nem no mais hediondo
pecador. Não acredito no canalha, não acredito no apóstolo, não acredito no
cidadão, que paga impostos e é lesado pelas nossas autoridades.
Não
acredito nos correspondentes internacionais, nos sagazes comentaristas, nos
assessores econômicos, nos estudiosos das matérias. E, sobretudo, não acredito
nos especialistas.
Não
acredito – positivamente, não acredito - nas mulheres que, por atos
dissimulados, levam os homens a mergulharem na mais absoluta desilusão e na
certeza de que nada no mundo merece sua crença.
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