"Tia" Dilma está encurralada
As manifestações
populares que se espalharam como um rastilho de pólvora pelo Brasil,
surpreenderam e, até certo ponto, assustaram governos, meios de comunicações,
políticos e partidos.
Afinal, todos
supunham que o povo sentia-se no melhor dos mundos, o futebol (Copa das
Confederações) estava aí mesmo para cumprir o seu papel entorpecedor, apesar
dos evidentes sinais de insatisfação que há meses se manifestavam aqui e ali. O
tsunami se aproximava – mas as elites não estavam nem aí. Vi um governador
informar a uma população sem educação decente, sem hospitais públicos dignos,
sem transporte coletivo de qualidade, uma população sem segurança e sem
perspectivas, o custo do estádio de futebol no seu estado. Disse estar orgulhoso
dos trabalhadores que “o ajudaram naquela empreitada”. A verdade é que o Brasil,
até agora, já gastou 30 bilhões em estádios luxuosos. As elites estavam certas
de que a beleza dos estádios faria o povo relevar superfaturamentos, gastanças
e corrupção.
Quando os
primeiros manifestantes saíram à rua, políticos e autoridades governamentais
limitaram-se a dar de ombros, ao ponto de Alkmin e Haddad afirmarem que não
voltariam atrás nos aumento. O ministro da Fazenda declarou que o governo não
tinha como desonerar as tarifas de ônibus, tidas como a reivindicação única de
um movimento que se espalhava por todo o país, chegando, inclusive, a cidades
de 20 e 30 mil habitantes. Mantega, Alkmin e Haddad esnobaram o pleito dos
manifestantes sem perceber que estavam – e estão – sentados num braseiro. Tenho
relativa experiência com os jovens pré
e universitários – e sei que o jargão deles nada tem a ver com o jargão dos
políticos ou com a palavreado algo idiotizado dos meios de comunicação.
Fui, com minha
neta e o namorado dela, às passeatas de Brasília. Por curiosidade sociológica,
prestei bastante atenção nas “reivindicações” que os jovens expunham em toscos,
mas criativos, cartazes de cartolina - e eles não se limitavam a pedir a
redução das tarifas. O desprezo pelos políticos, a certeza de que eles são
safados e a convicção de que os governantes são uma corja de bandidos – tudo
isto eu ouvi, durante anos, em sala de aula. Os cartazes que a garotada
empunhava apenas expressava o que eles, aqui e ali, já diziam a quem se
dispunha a ouvi-los.
Claro, havia
“reivindicações” específicas, inclusive contra a gastança em estádios
superfaturados. Um cartaz dizia: “O Brasil não precisa de estádios, precisa de
educação e saúde”. Alguém duvida disso? Mas um cartaz em especial chamou a
minha atenção: “Os políticos são o câncer da nação”. Pode-se discutir se o
comentário é ou não correto do ponto de vista sociológico ou, mesmo, político,
se o comentário é de direita ou de esquerda, se é conservador ou progressista.
O importante, para mim, é que o comentário reflete um sentimento enraizado. O
desprezo e a descrença nos políticos (e na política) são, a meu ver, o cerne
das manifestações.
Engana-se, porém,
quem pensa que os manifestantes formam uma massa homogênea do ponto de vista
social – e que todos estão preocupados com a política ou com reivindicações
específicas ou genéricas. Os manifestantes (a categoria total presente nas ruas
da cidades brasileiras) talvez tenham em comum a faixa etária, o que é em parte
verdade. Há de tudo nas manifestações: jovens e coroas da pequena burguesia,
jovens e coroas de classe média baixa e alta, estudantes secundários e
universitários, não estudantes, trabalhadores e não trabalhadores, punks,
skinheads.
Os “vândalos”,
palavra tão enraizada pela TV Globo e pela GloboNews quando reportam as
manifestações, são, em linhas gerais, estudantes e trabalhadores de classe
média enfurecidos e impacientes (como disse o deputado Miro Teixeira, “há gente
que vai a bailes ou estádios para brigar”) e moradores de rua e jovens
marginais (bandoleiros ou ex-bandoleiros do narcotráfico) que são, em última
análise, as grandes vítimas de um histórico sistema social que, desde a
colonização, atende apenas os filhos da classe média alta e das elites. Jovens
de classe média universitária protestam expurgando políticos e governantes; os “vândalos
do PCC” que se misturaram às manifestações, estão, por assim dizer, protestando à maneira deles – ou seja,
pondo fogo, quebrando e saqueando lojas, bancos e pontos de ônibus.
Afinal, que
significado tem para um “vândalo do PCC”, semianalfabeto e desempregado, residente
em favelas e áreas degradadas, expressões como “bem público”, “direito de ir e
vir”, “democracia representativa”, “valores republicanos”, “reivindicações
legítimas”? Se para um “vândalo do PCC” tais expressões não significam nada,
para o jovem universitário de classe média tais expressões “é papo de político
que quer enganar o povo”. Muitos me disseram isso.
É bom não
esquecer: na sexta feira, 21 de junho, os “vândalos” que quebraram e roubaram
revendedoras de automóveis na Barra da Tijuca eram jovens marginalizados da
Cidade de Deus, um das centenas de “ghettos” do Rio de Janeiro, educados sob a
lógico da violência. Muitos desses “vândalos do PCC” têm passagem na polícia –
por roubo, assalto e tráfico de drogas.
A presidente
Dilma, em rede nacional, afirmou que apoia o clamor das ruas, desde que
pacíficos e ordeiros. Afirmou que é contra a corrupção; ora, estranho seria ela
dizer que é a favor. Disse que vai reunir-se com governadores, prefeitos e
ministros para definir grandes planos para a educação, a saúde, os transportes
públicos – logo ela que estimou o consumo de automóveis, nunca se importando
com o povão que diariamente são obrigados a viajar em ônibus imundos.
O PT está no
poder há dez anos – e só agora, quando o povo foi às ruas, o governo, pela voz
da presidente, promete enfrentar os problemas que todos sabíamos que existiam, inclusive
os governantes que, agora, estão assustados. Dilma falou em reforma política e
em lutar contra a corrupção – e convocou Eduardo Alves, Renan e Sarney para
debater temas tão candentes. Esqueceu de convocar o companheiro Maluf e a turma
do mensalão.
Ocorreu-me agora
que os moradores da região serrana do Rio de Janeiro estão, há anos, esperando
as providências que “tia” Dilma prometeu no auge das enchentes e das mais de
400 mortes na região. O povo não é trouxa: sabe que “tia” Dilma esta manietada
por interesses escusos e baixos, os quais, todos sabemos, ela despreza, mas dos
quais não tem como se libertar.
Como então vai
atender o clamor que vem das ruas?