quinta-feira, 11 de julho de 2013

O povo pode e deve ir às ruas


O Velhote do Penedo reproduz artigo anterior, com correções e acréscimos necessários. Creio que os comentários anteriores ficaram mais claros. Agradeço a paciência dos meus leitores,
 
As manifestações populares

As manifestações populares que se espalharam – e continuam a se espalhar - como um rastilho de pólvora pelo Brasil, surpreenderam e, até certo ponto, assustaram governos, meios de comunicações, políticos e partidos.

Afinal, todos eles supunham que o povo sentia-se no melhor dos mundos: o futebol (Copa das Confederações e, ano que vem, a Copa) estava aí mesmo para cumprir o seu papel entorpecedor, apesar dos evidentes sinais de insatisfação que há meses se manifestavam aqui e ali. O tsunami se aproximava – mas as elites brasileiras não estavam nem aí, tal a certeza de que tudo podiam e que o povo é um mero sujeito que, de quatro em quatro anos, comparece às juntas eleitorais para votar neles, ou seja, no tudo igual como antes.

Vi um governador informar a uma população sem educação digna, sem hospitais públicos decentes, sem transporte coletivo de qualidade, uma população, enfim, sem segurança e sem perspectivas, o custo do estádio de futebol no seu estado. Só faltou repetir o finado prefeito Mendes de Moraes que, ao inaugurar em 1950 o Maracanã disse: “Eu vos dei este estádio!” Pois o governador de hoje afirmou estar orgulhoso dos trabalhadores que “ajudaram naquela empreitada”. A verdade é que o Brasil, até agora, já gastou 30 bilhões em estádios luxuosos, alguns dos quais, finda a Copa, se transformarão em elefantes brancos. As elites estavam certas de que a beleza dos estádios padrão Fifa faria o povo relevar superfaturamentos, malandragens e corrupção.

Quando os primeiros manifestantes saíram à rua, políticos e autoridades governamentais arrogantes limitaram-se a dar de ombros, ao ponto de Alkmin e Haddad afirmarem que não voltariam atrás nos aumentos das tarifas. O ministro da Fazenda declarou que o governo não tinha como desonerar as tarifas de ônibus, tidas como a reivindicação única de um movimento que se espalhava por todo o país, chegando, inclusive, a cidades de 20 e 30 mil habitantes. Mantega, Alkmin e Haddad esnobaram o pleito dos manifestantes sem perceber que estavam – e estão – sentados num braseiro. Tenho relativa experiência com os jovens universitários ou não – e sei que o jargão deles nada tem a ver com o jargão dos políticos ou com a palavreado algo idiotizado dos comentaristas dos meios de comunicação, mormente os da televisão.

Fui, com minha neta e o namorado dela, às passeatas de Brasília. Por curiosidade sociológica, prestei bastante atenção nas “reivindicações” que os jovens expunham em toscos, mas criativos, cartazes de cartolina - e eles não se limitavam a pedir a redução das tarifas. O aumento das tarifas foi o pingo d'água que fez a insatisfação transbordar. O desprezo pelos políticos, a certeza de que eles são safados e a convicção de que os governantes são uma corja de bandidos que desprezam o povo – tudo isto eu ouvi, durante anos, em sala de aula. Os cartazes que a garotada empunhava apenas expressava o que eles (há anos) já diziam a quem se dispunha a ouvi-los.

Claro, havia “reivindicações” específicas, inclusive contra a gastança em estádios superfaturados. Um cartaz dizia: “O Brasil não precisa de estádios, precisa de educação e saúde”. Alguém duvida disso? Pois as autoridades duvidam, dizem os jovens. Um cartaz em especial chamou a minha atenção: “Os políticos são o câncer da nação”. Pode-se discutir se o comentário é ou não correto do ponto de vista sociológico ou, mesmo, da ciência política, se o comentário é de direita ou de esquerda, se é conservador ou progressista. O importante, para mim, é que o comentário reflete um sentimento enraizado. O desprezo e a descrença nos políticos, na política e nos partidos são, a meu ver, o motor das manifestações.

O custo absurdo, a suntuosidade dos estádios e o cinismo com que as autoridades falavam de sua importância para o país, foi uma espécie de cusparada no rosto de uma população sem educação, saúde, transportes coletivos, segurança e esperança. Uma população que, diariamente, ouve falar das “tenebrosas transações” envolvendo autoridades, políticos e empresários.

(Duas observações complementares:

·        A presidente Dilma, ao inaugurar o Estádio Mané Garrincha, em Brasília, afirmou que os “estádios que estavam sendo construídos eram uma demonstração do poder criativo do povo brasileiro e que o Brasil fará a mais bela e melhor Copa do Mundo de todos os tempos”. Os manifestantes gostariam que ela falasse isso em relação a escolas e hospitais.

·        Ontem, 5 de julho de 2003, vimos o lamentável e vergonhoso espetáculo de os Presidentes da Câmara (Henrique Alves) e do Senado (Renan Calheiros) e um ministro de Estado (Garibaldi Alves) devolverem dinheiro aos cofres públicos por uso indevido e imoral de avião da FAB em programas pessoais. Garibaldi Alves usou um avião da FAB para sair do Nordeste e ir ao Rio de Janeiro assistir a final da Copa das Confederações. Os políticos brasileiros, com raras exceções, são inescrupulosos e vadios.)

Engana-se, porém, quem pensa que os manifestantes formam uma massa homogênea do ponto de vista social – e que todos estão preocupados com política ou com reivindicações específicas ou genéricas, como democracia, reforma política, direitos humanos, valores republicanos. Os manifestantes (digamos, a categoria social total presente nas ruas da cidades brasileiras, unidos pelas) talvez tenham em comum a faixa etária, o que é em parte verdade. Há de tudo nas manifestações: jovens e coroas da pequena burguesia, jovens e coroas de classe média baixa e alta, estudantes secundários e universitários, não estudantes, trabalhadores e desempregados, aposentados, moradores de rua, punks, skinheads e jovens ligados às organizações criminosas. Mas esta é, pelo menos, uma parte significativa da sociedade brasileira – a sociedade que nós criamos ao longo de 513 anos de exploração, insensibilidade e covardia.

Os “vândalos”, palavra tão enraizada pelos comentaristas da TV Globo e da GloboNews quando reportam as manifestações, não são apenas estudantes e trabalhadores de classe média enfurecidos e impacientes, como o estudante de arquitetura que ajudou a destruir um caixa eletrônico. “Vândalos” são também, no extremo oposto, moradores de rua e jovens marginais (bandoleiros ou ex-bandoleiros do narcotráfico) que, em última análise, são as grandes vítimas de um histórico sistema social que, desde a colonização, atende apenas aos filhos da classe média alta e das elites.

Jovens de classe média universitária protestam expurgando políticos e governantes – ou, eventualmente, jogando pedras em agências bancárias; os “vândalos do PCC”, como disse uma conhecida e equivocada cronista do Correio Braziliense, que se misturaram às manifestações (eles também têm do que protestar!), estão, por assim dizer, protestando à maneira deles – ou seja, pondo fogo, quebrando e saqueando lojas, bancos e pontos de ônibus.

(Outra observação paralela:

·        Os chamados “vândalos do PCC” e os jovens que moram nas ruas, abandonados e marginalizados pelo poder público, favelados encurralados em ghetos que os políticos só vão visitar nas épocas eleitorais, também podem protestar. Ou não podem? Será que a segregação social brasileiro também atinge o direito de protestar? Será que só os bem nascidos podem protestar e se manifestar?)

Afinal, que significado tem para os “vândalos do PCC”, semianalfabetos e desempregados, que sabem que vão morrer cedo fuzilados pela polícia, residentes em favelas e áreas degradadas (onde o Estado jamais se fez presente) – que significado, repito, tem para esses jovens marginalizados e largados à própria sorte expressões polidas como “bem público”, “direito de ir e vir”, “democracia representativa”, “valores republicanos”, “reivindicações legítimas”? Se para um “vândalo do PCC” tais expressões não significam nada, por sua vez para o jovem universitário bem nascido de classe média tais expressões não passam de “papo de político que quer engabelar o povo”. As elites, os políticos e os comentaristas da TV Globo e da GloboNews (principalmente) não sabem – ou fingem – não saber disso. Por isso, dizem e repetem tantas sandices.

É bom não esquecer: na sexta feira, 21 de junho, os “vândalos” que quebraram e roubaram revendedoras de automóveis na Barra da Tijuca eram jovens marginalizados da Cidade de Deus, um dos “ghettos” mais sórdidos do Rio de Janeiro, criado via a transferência violenta e compulsória de favelados nos anos 1960. Sem escolas decentes, os jovens marginalizados foram educados sob a lógico da violência. Muitos desses “vândalos do PCC” têm passagem na polícia – por roubo, assalto e tráfico de drogas, das quais, é bom lembrar, muitos das elites são usuários.

Os meios de comunicação, especialmente TV Globo e a GloboNews, mostraram indignados quando “bens públicos e  privados foram danificados pelos vândalos. E trataram de auxiliar a polícia na identificação dos “desordeiros”. Muito bem. Em Ribeirão Preto, um motorista, raivoso com as manifestações, jogou o carro com os estudantes: matou um, levou 5 ao hospital, dois em estado grave; no Entorno do DF, outro motorista, nas mesmas circunstâncias, matou duas jovens, uma das quais estava grávida. Prestei atenção ao noticiário da Globo e da GloboNews: os dois motoristas não foram chamados de “assassinos, o que eles são, nem seus nomes não foram divulgados. E não só: estão soltos porque fugiram e não houve flagrantes.

A presidente Dilma, em rede nacional, afirmou que apoia o clamor das ruas, desde que pacíficos e ordeiros. Afirmou que é contra a corrupção; ora, estranho mesmo seria ela dizer que é a favor. Disse que vai reunir-se com governadores, prefeitos e ministros para definir grandes planos para a educação, saúde, transportes públicos – logo ela que estimou o consumo de automóveis, nunca se importando com o povão que diariamente é obrigado a viajar em ônibus imundos, que não cumprem horários, ônibus caindo aos pedaços, que quebram e deixam os passageiros na rua, ao sol ou à chuva.

O PT está no poder há dez anos – e só agora, quando o povo foi às ruas, o governo, pela voz da presidente, prometeu enfrentar os problemas que todos sabíamos que existiam, inclusive os governantes que, agora, estão assustados. O PT não priorizou a educação e deixou a saúde pública de lado – estava convicto de que a bolsa família era uma espécie de panacéia geral para todos os males da sociedade. Dilma – creio piamente – não é corrupta, mas como disse Luis Fernando Veríssimo, o ímpeto anticorrupção do início do seu governo não se sustentou. Os arranjos governamentais – outra palavra mágica dos políticos: “governabilidade” – cobraram muito de Dilma: ela está cercada de políticos espertalhões e ministros incompetentes, que estão no cargo apenas para cobrir a famigerada “cota” da “base de sustentação” (mais uma palavra mágica do vocabulário político).

Há quem acuse que as manifestações espontâneas são perigosas porque se distanciam e substituem a política, podendo inclusive ser manejadas. É possível. É certo que a demonização e a desmoralização da política e dos políticos põe em risco a própria democracia. Mas quem demonizou e desmoralizou a política senão os próprios políticos? Quando o governador Sérgio Cabral usa - como se fosse seu - o helicóptero do governo do estado do Rio de Janeiro, quando autoridades se deslocam em jatinhos da FAB, quando governantes e deputados são flagrados recebendo propinas, quando governadores se preocupam em construir estádios suntuosos e deixam de lado as necessidades da população – quem está, de fato, demonizando e desmoralizando a política e, no limite, demonizando e desmoralizando a política?

Dilma falou ainda em reforma política e em lutar contra a corrupção – e, vejam só, convocou Eduardo Alves, Renan Calheiros e José Sarney para debater temas tão candentes. Esqueceu de convocar o companheiro Maluf e a turma do mensalão, que certamente teriam muito a dizer a respeito do tema.

***

Em tempo: ocorreu-me agora que os moradores da região serrana do Rio de Janeiro estão, desde 2004, esperando as providências que “tia” Dilma prometeu no auge das enchentes e das mais de 400 mortes dos últimos três anos. O povo não é trouxa: sabe que “tia” Dilma esta manietada por interesses escusos e baixos, os quais ela desprez, mas dos quais não tem ou não quer se libertar. Foi a chave de cadeia que Lula (e cúmplices) armaram para ela.

Pior para ela, que, enebriada pelo poder e pela arrogância de quem penas que é professora, gerentona, supôs ser a estadista que o Brasil, há 500 anos, esperava. Tal devaneio – melhor: tal delírio - vem custando caro ao povo brasileiro.

 

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