Jornal do Velhote do Penedo
Terça-feira, 26 de novembro de 2013 – Nº 14.
Um jornal a serviço de ideias desabusadas
Mais que qualquer tratado ou ensaio
sociológico, a fotografia diz tudo. Na periferia do Rio de Janeiro, enquanto
ela (para facilitar, vamos chamá-la de Maria) se prepara para ir a um baile
carnavalesco, ele (vamos chamá-lo de Rambo), pronto para a guerra, avança de
arma em punho. Ela está preparada para a diversão, para o “esquindô-lê-lê”, usa
um enorme chapéu à Carmen Miranda. Ele, com certeza, foi feito de papel crepom
de cores variadas. Maria veste um duas peças ousado, que ressalta o corpo já um
tanto combalido. Maria e Rambo, tão diferentes, têm algo em comum. Ambos estão
à vontade: ela no seu traje sumário; ele no seu uniforme, armas nas mãos e na
cintura, munição e cantil. Maria – pronta para se divertir, sorrir, cantar. Rambo
– pronto para atirar, torturar, matar.
Reparem que Maria olha para o soldado com
certa resignação, embora ainda com algum espanto. Ao fundo, do portão de sua casa,
uma moradora espia a cena, talvez apenas curiosa. Mais ao fundo, de costas, uma
jovem está diante de um balcão, quem sabe bebendo um refrigerante ou apenas
jogando conversa fora com alguém que está no interior da birosca.
Notem, agora, o cenário. O chão é de terra,
não há calçamento nem calçadas. A fiação sugere a presença de gambiarras e “gatos”.
Certamente, os moradores são posseiros ou adquiriram o terreno (onde ergueram
as casas, algumas sem rebôco) de um espertalhão qualquer, que não tinha nenhuma
autoridade sobre a área onde se instalou a favela. Tinha talvez a força, com a
qual impôs condições de preço, prazos e lucros.
A presença de Rambo indica a presença no local
de meliantes, quem sabe de uma gangue ou do próprio narcotráfico. Tudo é possível.
Contudo, a presença de Rambo no lugar é típica. Nunca vi soldados armados,
ostensivamente prontos para a guerra, nas ruas de Ipanema ou Leblon. Rambo é polícia
de pobre, das zonas pobres da Cidade Maravilhosa – e lá ela pode disparar quantos
tiros quiser, pode matar quantos quiser e puder (meliantes ou não), pode jogar
bombas de efeito moral, pode despejar spray de pimenta no rosto das pessoas,
pode invadir casas, pode sequestrar e roubar. Nas favelas, na periferia e, não
esqueçamos, nas manifestações públicas vale tudo: são dezenas, centenas, milhares
de Rambos prontos para o que der e vier. Eles têm a força, como dizia aquele
personagem das histórias em quadrinhos.
Tudo o que a fotografia mostra nos provoca
melancolia e raiva. Talvez o carnaval de Maria seja o que lhe restou de alegria
na vida. Rambo, coitado, não sabe fazer outra coisa: o negócio dele é a violência
e o uso da força. Talvez nem o consolo do Carnaval lhe tenha restado.
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