terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A morte de Salvador Andrade


Tristeza extrema

A morte do cinegrafista Salvador Andrade foi uma tristeza e uma lástima em todos os sentidos.

A morte de um ser humano, independente de sua profissão, é sempre um fato triste, inconsolável, chocante - tanto para os seus familiares como para os seus amigos. É necessário e imprescindível que a polícia identifique o assassino, desnude seus antecedentes e o leve às barras dos tribunais. A polícia existe para isso.

Todos nós, que vivemos numa sociedade arbitrária e violenta, onde, conforme vaticinou Hobbes, todos lutam contra todos, sonhamos (temos esse direito) com o dia em que os culpados sejam punidos severamente pelos crimes que cometerem, a polícia cumpra o seu dever de defender os cidadãos e nós outros possamos andar pelas ruas em paz e sem medo. Cá, na capital da República, o crime, os assaltos e os assassinatos campeiam livremente. Enquanto a política pratica uma insensata “operação tartaruga”, o governador nada diz, nada vê, nada ouve, como os macaquinhos da lenda.

O episódio da morte de Salvador Andrade foi traumático em todos os sentidos.  

As primeiras manifestações em junho e julho foram relativamente pacíficas, embora as polícias militares de São Paulo e do Rio de Janeiro tenham baixado o pau, sem dó nem piedade, nos manifestantes.

A capa da revista ISTOÉ trouxe, inclusive, uma foto em que um meganha de dois metros de altura por dois de largura agredia, pelas costas, uma jovem universitária. Escrevi a respeito à “tia” Dilma, pedindo que o milico fosse identificado e punido. Recebi uma resposta que me deu náuseas: ela agradecia minha contribuição (qual?) – e me informava, como se eu fosse um idiota qualquer, que continuaria a “zelar pela tranquilidade do povo brasileiro”.

A própria revista ISTOÉ, na semana seguinte, localizou a jovem, mas não pode identificar o meganha porque, segundo a PM de São Paulo, isso não fazia parte das normas.

Mas, como eu dizia, as primeiras manifestações foram pacíficas, mas as polícias do Rio e de São Paulo baixaram o cajado nos manifestantes. Pudera: o que esperar dos governantes daqueles estados?

A partir daí, a violência cresceu – e a cada resposta às violências das PMs, a Rede Globo e a GloboNews cunharam a expressão “vândalos”, que tinha três objetivos: (1) estigmatizar os manifestantes; (2) afastar, pelo medo, as pessoas das ruas; (3) jogar a opinião pública contra os manifestantes.

A Rede Globo e a GloboNews só aprovam manifestações na Ucrânia, na Turquia, na China, nos países árabes. Lá os manifestantes são chamados de manifestantes. Na América Latina e, especialmente, no Brasil – jamais! Aqui, os manifestantes são chamados de vândalos.

A Rede Globo e a GloboNews conseguiram o que queriam. Mas esta “vitória” da Rede Globo e da GloboNews teve um preço: o aumento generalizado, e de lado a lado, da violência, cuja culminância foi a morte do cinegrafista Salvador Andrade.

A morte de Salvador Andrade deve ser repudiada por todos os homens de bem.

O terrível é que todos querem tirar uma “casquinha” da morte de um cidadão, pai de família, trabalhador. Salvador Andrade foi triplamente vítima: vítima daqueles que açularam a violência; vítima de um assassino travestido de manifestante; vítima agora daqueles que transformaram sua morte num instrumento de pregação político-ideológica.

O jornal O Globo, mais que depressa, tentou vincular o assassino ao deputado Marcelo Freixo, do Psol. Freixo é um dos mais decentes políticos do Brasil, enfrentou as chamadas milícias e vem denunciando e lutando contra as arbitrariedades regidas pelo governador Sérgio Cabral e pelo prefeito Eduardo Paes. A Rede Globo e a GloboNews em todos os seus noticiários ataca os manifestantes em geral, chama-os, como de hábito, de “vândalos” – e agora de “assassinos”, generalizando um episódio lamentável, triste, mas único e específico.

Vários jornais (e não só O Globo, a Rede Globo e a GloboNews) veem no episódio o que eles chamam de “atentado à liberdade de imprensa”, o que é mera manipulação. O cinegrafista foi assassinado, atingido por uma bomba, lançada por um cidadão que precisa ser identificado, preso e condenado. Este cidadão não visava atingir a liberdade, mas cometer uma violência, que, em certo sentido, foi fomentada pelos jornais e pelos canais de televisão.

A Rede Globo investiu muito dinheiro na Copa. Pretende ganhar muito mais com a sua realização. Os protestos contra a Copa são inaceitáveis: a Rede Globo nunca disse nada contra o fato de que os gastos em estádios são intoleráveis para uma população que não possui hospitais decentes, escolas dignas e meios de transportes humanos, mormente para quem fica horas dentro de ônibus e trens infectos e desumanos.

Para terminar: que coisa grotesca foi a conclusão da entrevista coletiva do Felipão! Seguindo um script que lhe foi imposto pela Rede Globo, quis dizer algumas palavras sobre a morte de Salvador Andrade. Além de gaguejar, Felipão simplesmente esqueceu o nome do cinegrafista. Aquele seu “como é mesmo o nome?” foi outra agressão à memória de um inocente.

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