terça-feira, 27 de outubro de 2015

Incivilidade


Um fato não muito edificante (contada em três atos)

1º Ato

No dia 1º de abril de 1964, telefonemas ameaçadores foram dados para minha casa. Todos eles, atendidos por minha mãe, diziam que eu iria ser preso, torturado, morto – e, como era praxe, meu corpo seria jogado no rio da Guarda.

Minha mãe, claro, ficou em pânico – e em pânico ligou para o meu pai, que nessa época morava em Três Pontas, Minas Gerais. Eles estavam, na época, separados. Meu pai disse que ia me buscar, mas que eu saísse de casa, que fosse me esconder.

Não deu dez minutos, o telefone tocou na minha casa. Eu atendi. Era um amigo do meu pai, dono de uma usina de cana em Três Pontas, onde meu pai trabalhava. Ele me disse que meu pai estava muito nervoso e que ele – sim, um fazendeirão – iria me buscar no Rio. Marcamos o ponto. Eu me mandei de casa, com o apoio de meus amigos dos Bancários (que tinha sido invadido pela polícia naquela madrugada).

Vaguei pela cidade durante várias horas e acabei indo para a casa de um amigo, pois eu tinha muitas horas de espera pela frente.

Nessa época eu militava na Polop, que estava totalmente desestruturada, com muitos quadros presos e escondidos. A situação estava uma loucura.

Na hora marcada, lá estava o amigo do meu pai me esperando. Eram 12 horas. O ponto tinha sido marcado em frente à Igreja Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado. Entrei no carro e partimos. Fiquei em Três Pontas por sete meses, sempre protegido pelo amigo do meu pai. Nunca li tanto na minha vida.

2º Ato

Tempos depois, a democracia já restaurada no Brasil, eu já morava em Brasília.

Uma tarde, fui, com colegas do CNPq, ao Congresso. Era época da Constituinte, logo o Congresso estava apinhado de lobistas, sindicalistas, índios, gente de toda a espécie – todos interessados em introduzir na Constituição em montagem artigos do interesse dos seus grupos e povos.

Num dado momento, uma coleguinha do CNPq, petista roxa, daquelas que usa (ou usava, não sei) brincos do PT, colar do PT, gritava e xingava um grupo de cidadãos, todos eles de terno. Eles ouviam os xingamentos em silêncio, espantados. A petista chamava-os de “assassinos, assassinos, assassínios”.

Eram representantes do agronegócio, hoje aliados ao PT, cuja presidenta CNA é ministra e afilhada de casamento da outra presidenta, a Dilma. As voltas que o mundo dá.

Entre os que estavam sendo xingados estava o amigo do meu pai, que evitara a minha prisão em 1964.

Entrei no “barraco” de rijo, afastei quase a muque a petista raivosa, pedi desculpas aos cidadãos e entabulei um longo papo com o amigo do meu pai. Meu pai já tinha morrido. Foi a última vez que estive com o amigo do meu pai.

3º Ato

Esta semana o prefeito Haddad e o ex-senador Suplicy foram hostilizados na Livraria Cultura, de São Paulo. Recebi inúmeras mensagens, mormente de petistas, criticando os que xingaram os dois. São mensagens que falam em nazismo, fascismo, em direita, em golpe, violência.

Bem, eu nunca hostilizei ninguém. Jamais participei de atos hostis contra políticos, jamais ameacei ninguém - e sou contra o que fizeram com Haddad e Suplicy, duas figuras que, embora do PT, eu pessoalmente respeito. Quem me conhece sabe disso.

O que eu quero dizer por fim é o seguinte: que os petistas não me venham dar uma de vestais, ofendidos com o que aconteceu na livraria Cultura. Eles cansaram de fazer isto, contra todos os políticos que não pensam como eles. A incivilidade não é uma prerrogativa de ninguém, mas os petistas são especializados em linchamentos morais.