segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

A carta aberta dos advogados


O Brasil é um país carente de pudor.

A carta aberta de advogados contra a Operação Lava Jato é digna de estudos e reflexões pelo que ela tem insensata.

Acostumados a cobrar milhões para defender gatunos que roubaram bilhões, advogados denunciaram o que eles rotularam de métodos autoritários do Lava Jato. Métodos, segundo eles, nunca vistos no Brasil, nem mesmo durante a ditadura. É moda, hoje, desqualificar alguma coisa comparando-a com o que era corriqueiro na ditadura.

Os argumentos dos advogados coincidem, em parte, com o que disse o PT, partido que traiu as suas origens, transformando-se num partido cuja ética pode ser medida pelos cifrões que recebe por baixo dos panos. Coincidência?

Quando o Mensalão prendeu diversas lideranças políticas, o autoritário da época, segundo o PT, era o juiz Joaquim Barbosa. Bem, o caso do Joaquim Barbosa tinha outro componente embutido: o racismo à brasileira, insidioso, mascarado, negado, sutil, mas sempre evidente e praticado.

Na época, recebi uma mensagem de um jornalista aqui de Brasília que, no mesmo texto, escreveu três vezes que Joaquim fora o “primeiro negro” a ser indicado para o STF – e insinuava que ele deveria ser agradecido ao Lula, que o indicou. A indicação de Barbosa seria uma espécie de dádiva concedida pelo Brahma. Ora, se Lula indicou Barbosa por ser ele um afrodescendente, independentemente da sua qualificação, o presidente da República foi racista, demagogo e errou na sua função de presidente.

Não respondi a mensagem, mas o jornalista cometeu, num só parágrafo, um erro histórico e um crime.

O erro histórico foi o de afirmar que Joaquim Barbosa foi o primeiro afrodescendente a vestir a toga do STF. Besteira. Antes dele, dois outros afrodescendentes pertenceram ao Supremo: Pedro Lessa (1907-1921) e Hermenegildo de Barros (1919-1937). O jornalista não cometeria tal erro se tivesse consultado a bem documentada “Enciclopédia brasileira da diáspora africana”, de Nei Lopes.

O crime foi bem mais sério. Certa ocasião, Abdias do Nascimento, um ícone do movimento negro brasileiro, me disse que toda vez que alguém cita a cor da pele de um sujeito como referência (para o bem ou para o mal), na realidade está fazendo uma referência racista. Lula, por exemplo, indicou Ricardo Lewandovski para o STF. Por que o jornalista não fez uma referência do tipo “ministro branco e louro indicado por Lula”? O jornalista, que, por sinal, é branco, lamentou que Barbosa não foi agradecido ao PT – e, no melhor estilo racista, sugeriu que o afrodescendente ministro “sujou na saída”. Ou, o que é pior, não beijou a mão do “sinhozinho Lula”.

A verdade é a seguinte: no Brasil, poucos aceitam que um ministro afrodescendente acuse, condene e prenda políticos brancos e louros. Joaquim Barbosa foi demonizado porque era afrodescendente – e muitos militantes petistas, jornalistas e intelectuais têm, dentro deles, um viés racista do qual eles nunca se libertaram, mas procuram disfarçar com belos discursos. Daí, a guerra contra o ministro Joaquim Barbosa.

Agora, as baterias se voltam contra a Operação Lava Jato, acusando-a de ser um tribunal autoritário. Na realidade, os signatários da carta aberta - donos, sócios ou associados de bancas que se tornaram poderosas defendendo notórios larápios do dinheiro público -, sabem que a fonte dos seus milionários ganhos está sendo desnudada, posta a nu pela Lava Jato. Compreende-se, assim, a carta aberta dos advogados.

A verdade dói. Os advogados ficaram ricos e poderosos porque receberam raspas do dinheirão que empresários e políticos inescrupulosos roubaram ou sonegaram. Se um empresário estarra 300 milhões e paga 30 milhões a uma banca para defendê-lo, temos aí uma relação, no mínimo, incestuosa.

Os empresários não merecem defesa. Merecem. Nós é que não merecemos ser premiados com uma carta aberta contra uma Operação que pretende enfrentar a corrupção no Brasil.

O Brasil é um país com déficit de pudor e caráter. É a conclusão que cheguei ao ler a carta aberta dos sábios.

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