A falta
que o teatro me faz
Certo
dia, perguntei ao ator Sérgio Brito se faltavam autores de teatro no Brasil. A
resposta foi quase um lamento: “E como faltam!”
Gosto
muito de teatro. Mais do que cinema, o que não me faz ser indiferente a um bom
filme. Moro numa cidade, Brasília, onde o teatro inexiste, o que é uma pena. Uma
amiga minha disse, rindo, que o teatro de Brasília é alternativo, algumas peças
são representadas nas ruas, nos semáforos. Não sei o que é teatro alternativo.
Sei o que é teatro – ponto.
Notem
que não estou falando de um vilarejo perdido nos cafundós do Judas, estou
falando da capital da República. Bem verdade que esta não é a única deficiência
cultural da cidade: aqui só temos um jornal, o Correio Braziliense, provinciano
e fraco do ponto de vista editorial. O Correio Braziliense é o único jornal que
ainda mantém uma coluna social e uma página inteira de fotos da elite local -
inculta e jeca. A rigor, as únicas colunas do Correio que merecem ser lidas são
as de Luis Carlos Azedo, Márcio Cotrim e Dad Squarisi, não por acaso
jornalistas veteranos e cultos.
Não
temos, em Brasília, nada que se aproxime a um museu ou a uma biblioteca pública
de porte. Sim, temos duas razoáveis bibliotecas, a do Senado e a da Câmara, mas
elas não chegam aos pés da Biblioteca Nacional e do Real Gabinete Português de
Leitura, ambos no Rio. A biblioteca da Universidade de Brasília poderia ser boa,
equivalente às bibliotecas do Senado e da Câmara, se não vivesse à míngua, sem
grana para adquirir livros e revistas. Como todas as bibliotecas
universitárias, a da UnB é assustadoramente desatualizada.
Sinto
falta dos prazeres burgueses que os bens culturais nos proporcionam, mas,
sobretudo, sinto falta de teatro. Quando vou ao Rio procuro tirar o atraso, mas
convenhamos que isso não basta. Hoje, leio teatro, o que é um consolo, não uma
solução. Outro dia, fiquei uma tarde inteira, no melhor dos mundos, lendo aos
pulos a obra completa de Martins Pena. Hoje, eu duvido que os jovens saibam que
Martins Pena foi o fundador da comédia de costumes no Brasil. Martins Pena,
para quem não sabe, escreveu quase 30 peças, entre comédias e dramas. Em apenas
33 anos de existência.
Andei
sabendo que anda sendo exibida por aí um espetáculo chamado “Macaquinhos”, financiado
pelo Governo Federal, na qual nove atores nus fazem uma cena explícita de
perscrutação anal. Os atores postam-se de quatro, formando um círculo. Dedos e
narizes são espetados no fiofó do ator da frente. O distinto público recebe
então uma aula sobre o ânus humano: o que é um ânus; quais os seus usos; quais
os seus variados nomes. Uma demonstração de péssimo gosto, que alguns idiotas
afirmam ser arte e exprimir uma mensagem.
Numa
exposição (acho que em São Paulo) sobre arte contemporânea, um sujeito espalhou
o conteúdo de uma lata de lixo no salão – e apresentou o seu serviço como “obra
de arte”, uma denúncia contra o mundo moderno. Os conceitos de arte e cultura
foram para o espaço há muito tempo, ao mesmo tempo em que a imbecilidade passou
a campear.
Sérgio
Brito confirmou apenas o que eu já sabia: não temos autores de teatro. Os
grandes do ramo morreram – e não foram substituídos. Os autores brasileiros atuais
não escrevem para teatro, talvez porque o teatro tenha perdido público para a
televisão e suas inacreditáveis novelas, BBBs, faustões. Li, outro dia, que o
brasileiro permanece, em média, quatro horas por dia diante da TV. São 1.460
horas por ano, ou seja, 60 dias – dois meses!
Quando
eu era jovem (morava no Rio), os teatros funcionavam a todo vapor, sessões
diárias (menos nas segundas), inclusive porque a TV não chegara à falsa
sofisticação de hoje. Nas quintas tínhamos matinê, às 17 horas. Eu morava na
Rua Senador Vergueiro, no Flamengo, onde havia dois teatros, o Kelly e o
Senador Vergueiro. Não existem mais.
Na última
vez que estive no Rio assisti, entre outras, “Anti-Nelson Rodrigues”, penúltimo
trabalho do autor. Como sempre, o ator Tonico Pereira teve um desempenho
exemplar, apesar de ser esta talvez a pior peça de Nelson Rodrigues. Gosto
muito de Nelson Rodrigues. Acho que ele escreveu obras-primas, como “Vestido de
noiva”, “Boca de Ouro”, “Os sete gatinhos”, “Perdoa-me por me traíres”, “A
falecida” e “Dorotéia”.
Nelson
não foi o único grande autor de teatro no Brasil. Tivemos, entre outros, Dias
Gomes, Oduvaldo Viana Filho, Jorge Andrade, Plínio Marcos, Joracy Camargo, Gianfrancesco
Guarnieri, Millôr Fernandes – isto sem falar dos mais antigos ou dos bissextos.
Fazer
teatro hoje no Brasil é caro. Além da competição desigual com a TV, o custo de
montagem de uma peça é muito alto – e o retorno curto e incerto. Já vi
produtores, atores e diretores falarem sobre prejuízos. Ninguém pode montar uma
peça com mais de cinco ou seis personagens: o custo seria proibitivo, inclusive
porque teatro no Brasil funciona apenas nos fins de semana, uma sessão por dia.
Os produtores buscam financiadores, mas a crise brasileira anda dificultando o
andar da carruagem. Não sei como andam os recursos do Ministério da Cultura,
mas devem estar zerados.
Se há no Brasil grana
para financiar coisas como “Macaquinhos”, então estamos
perdidos.
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