Vi pela TV
cenas de criminalidade e terror nas ruas de Vitória e municípios vizinhos.
Policiais militar e civil estão em greve: querem aumento, o que é justo, mas
inviável em face da crise em que estamos submersos. A bandidagem (e não só a
bandidagem: vi um casal carregando um sofá) aproveitou – houve arrastões, destruição
de lojas, saques, invasão de residências, tiroteios, queima de ônibus e carros,
um horror que obrigou os cidadãos a se trancarem em casa, o que não impediu que
80 pessoas fossem assassinadas. Em meio a tudo isso, ocorreu uma tentativa de
linchamento de um ladrão - o que é algo tão inaceitável quanto as ocorrências
citadas.
Ao ver tais
cenas, lembrei-me de um filme – não é grande coisa, mas pode ser visto -
chamado “Warriors: os selvagens da noite”, de Walter Hill. A história, em si, não
é lá grande coisa: as gangues de Nova York perseguem, durante uma noite
inteira, uma tribo de Coney Island (os Warriors), injustamente acusada de matar
o líder de uma gangue rival e bem mais poderosa. O episódio ocorreu durante uma
espécie de comício no Central Park, onde estavam reunidos nove membros de todas
as gangues de Nova York para ouvir uma proposta de um sujeito (o tal que seria
assassinado durante seu discurso), que todos os elementos de todas as gangues,
mesmo rivais, respeitavam.
O líder convocou
a reunião para fazer uma proposta: a união de todas as gangues, o que faria a
“nova organização” se tornar mais poderosa que a força policial da cidade, na
proporção de cinco meliantes contra um policial. “A cidade seria nossa, caras,
ninguém faria nada sem a nossa permissão” - profetizou. Foi ovacionado – e, em
meio à euforia dos presentes, que pareciam aprovar a ideia, o líder foi
alvejado e morto por um tiro dado por um psicótico, que acusou os Warriors de
serem os responsáveis pelo disparo. No tumulto, os Warriors conseguem fugir – e
a perseguição e o filme propriamente dito têm início.
É certo que a
união entre facções criminosas, que dominam espaços e negócios, é sempre
improvável, mas não é impossível, embora a carga de ódio entre elas seja um
elemento difícil de ser superado. Poder (econômico e político) não se divide,
mas, em certas circunstâncias, a unidade entre facções torna-se necessária e
mesmo imprescindível. A aliança entre o Comando Vermelho e a Família do Norte
(em luta contra o Primeiro Comando da Capital) é exemplo disso.
O instinto de
sobrevivência e a busca de força exigem a união de facções antes rivais ou inimigas.
Diante da força policial, a dispersão da bandidagem em facções rivais apenas as
enfraquece, levando-as a derrotas contínuas e poucas vitórias. Essa era a mensagem
do líder diante de representantes das gangues nova-iorquinas.
Agora, imaginem, por hipótese, uma aliança
entre o Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV), Família do
Norte (FDN), Amigos dos Amigos (ADA), Primeiro Grupo Catarinense (PGC),
Sindicato do Crime (SDC – Rio Grande do Norte), Bonde dos 40 (Maranhão), Okaida
(Paraíba) entre outras organizações criminosas espalhadas pelo Brasil, que
dominam o mercado das drogas e armas. Imaginem se elas resolvessem atuar em
conjunto, pondo fim, mesmo temporariamente, à rivalidade e guerra entre elas.
O PCC, por
exemplo, está presente em todos os estados brasileiros e faz negócios na
Bolívia, Colômbia, Argentina, Venezuela, Paraguai, Peru, Chile e Guiana
Francesa. Se fosse uma empresa (não é empresa, mas é um negócio capitalista,
regido pela lei do valor), o PCC teria a envergadura de uma multinacional. As
estimativas informam que só a citada facção fatura mais de R$ 200 milhões por
ano. O tráfico de drogas no Brasil, segundo a revista Época, movimenta bilhões
de reais anualmente.
O CV controla
o crime no Rio de Janeiro – e possui braços nas regiões Norte e Nordeste e
bases no Paraguai, na Colômbia, Bolívia, no Peru e na Venezuela. A FDN é aliada
do CV e as duas dominam a rota de tráfico de drogas pelo Rio Solimões, oriundas
da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colômbia, em Tabatinga. Em Manaus, as
pichações em muros indicam a aliança: “FDN-CV”.
Depois dos
acontecimentos nas penitenciárias de Manaus, Bela Vista e Natal, muito se tem
publicado a respeito da violência e segurança no Brasil. As interpretações variam
- o que talvez seja um sintoma de que estamos longe de entender a questão em
sua totalidade. E olha que estamos falando apenas do mercado de drogas e
contrabando de armas. Ontem, li uma reportagem sobre tráfico internacional de
animais silvestres: só no Brasil, o giro anual desse negócio supera os nove
bilhões de reais. Animais silvestres brasileiros são enviados para os grandes
mercados mundiais: Europa, Estados Unidos e Japão. E o comércio de pessoas,
mulheres e crianças que são levados para os mercados de prostituição europeu e
americano? A criminalidade em escala mundial é um fenômeno que dá a ideia exata
da crise civilizatória do planeta. Crise sem solução, diga-se.
Aos meus
amigos sugiro a leitura de quatro livros essenciais: “Mac Máfia: crime sem
fronteiras”, “O dono do morro: um homem e a batalha pelo Rio”, ambos de Misha
Glenny; “Os senhores do crime: as novas máfias contra a democracia”, de Jean
Ziegler; “Violência”, de Slavoj Zizek.