Vou
escrever hoje sobre a delação premiada.
De
início, devo dizer que toda delação é premiada. Quem delata sempre visa a ganhar
alguma coisa. A expressão “delação premiada” é redundância. E mais: delação é
delação – ou seja, é dedurismo, como dizíamos na ditadura. Na Bíblia, Judas foi
um dedo-duro, tal como foram, na história brasileira, Calabar e Joaquim Silvério
dos Reis. Na minha adolescência, quando estudava no Colégio Sousa Aguiar,
peguei três dias de suspensão, dada pelo vice-diretor, Sylvio Guadagny, porque
não entreguei os dois colegas que tinham desenhado uma mulher de pernas abertas
na parede do banheiro da escola. Como eu me recusei a denunciar, fui punido. Se
eu denunciasse, não seria suspenso: era o meu prêmio.
Reitero
delação é caguetagem (como se dizia nos anos 1950) – e toda caguetagem é premiada.
Quando a mãe, com o chinelo na mão, pergunta a um dos filhos quem fez a
travessura, o menino, ao apontar o irmão (“Foi ele!”), está fazendo uma delação
premiada, pois ao delatar o irmão, o menino receberá da mãe um prêmio: não
levará nenhuma chinelada, todas reservadas ao delatado. O Velhote do Penedo
prefere morrer a denunciar alguém. Mas o Velhote é do passado, pois hoje a delação
é valorizada.
O
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acredita piamente nas delações e
no princípio aético de que “os fins justificam os meios”. Ou seja: no princípio
usado pela mãe que pede ao filho que denuncie o irmão – o que livrará o
dedo-duro das chineladas.
No
acordo de delação premiada negociado com Joesley e Wesley Batista, Janot inovou,
ou seja, foi muito além: deu aos delatores bônus, vantagens e prêmios enormes.
Se Janot fosse a mamãe do exemplo acima, ela depois de “chinelar” o denunciado,
daria sorvete, bolo e refrigerante ao denunciante. Janot tem um senso de
justiça, no mínimo, estranho.
Em
artigo publicado no UOL, o procurador-geral, o estranho Janot, justifica o
acordo com os Batistas ao afirmar que o fez porque tinha “certeza de que o
sistema de justiça criminal jamais chegaria a todos esses fatos pelos caminhos
convencionais de investigação”. O que serão “caminhos convencionais de
investigação”? O que serão, por outro lado, “caminhos não convencionais de
investigação” – caminhos aparentemente seguidos por Janot? Tortura seria um método
não convencional de investigação?
Tudo
leva a crer que, para Janot, vale tudo - desde que os objetivos colimados sejam
atingidos. Janot confessou ser partidário do emprego de meios não convencionais
no sistema de justiça criminal. Trata-se de uma convicção que nos faz lembrar o
general Nilton Cruz.
Não
sei, mas ao ler o artigo do Janot lembrei-me de uma frase torpe do ditador
Geisel a respeito da tortura: “Acho que a tortura em certos casos torna-se
necessária para obter confissões”. Inacreditável, não? Geisel declarou tal
monstruosidade no livro-depoimento organizado por Maria Celina D’Araújo e Celso
Castro. Tortura é, segundo a pedra filosofal de Janot, “um caminho não
convencional de investigação”?
Peço
agora aos meus amigos que releiam o que foi escrito até aqui. E façam um
paralelo entre a mamãe (do meu exemplo), o Janot (e seu estranho senso de
justiça) e o comentário do ditador Geisel sobre a tortura. Algo une os fatos: a
ideia funesta de que os fins justificam os meios.
Termino
essa postagem dizendo três coisas:
1
– Se alguém discorda do que eu escrevi, não perca tempo fazendo comentário. Não
vou polemizar.
2
– Considero a delação premiada uma coisa útil, mas ela se confunde com a
deduragem, muito em voga no tempo da deduragem. Bandidos estão se safando
mediante delações premiadas, muitas das quais não passam de lama jogada no
ventilador.
3
– Um dia, cruzei no Congresso com o Valdo Cruz e a Sadi, ambos da Globonews.
Disse a eles apenas uma coisa: delatado não é réu. A Rede Globo tem o hábito,
através da delinquência jornalística, de misturar tudo, de modo a não informar
corretamente – ou informar de acordo com objetivos inconfessáveis.
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