Parte da minha vida foi gasta na
militância política da esquerda. Sim, eu acreditei sinceramente no ideal
socialista, mas, aos poucos, tomei conhecimento do socialismo real e aí – meu
mundo caiu.
Afastei-me da militância aos
poucos, na medida em que perdia a crença num modelo de governo que não deu
certo em lugar nenhum do mundo. Foi um processo – e reconheço que ele foi
doloroso, muito doloroso, pois eu o vivi sozinho, sem procurar apoio de
ninguém, uma espécie de purgação a que não faltaram lágrimas e ranger de dentes.
Muitas. Muitos.
Ser de esquerda me fez conviver
com gente valorosa, destemida, altruísta, que dedicou a vida a um sonho, e com
gente imbecil e desonesta - mas, à força da ideologia, suportei. Era o jogo. Quando
o socialismo pereceu na URSS, fui procurar um comunistão da velha guarda em
busca de consolo. Era meu amigo e eu o admirava. Encontrei-o de pijama,
sozinho, barba por fazer, um copo na mão, quase bêbado. Abraçou-me e disse: “O
socialismo é a vida, não esqueça jamais disso. Nós é que fomos uns grandes
filhos da puta! Nós estragamos tudo! Tudo!” E abriu o berreiro. Entendi,
despedi-me, fui embora.
A verdade é que o socialismo
começou a desabar quando os crimes de Stálin vieram à tona. Foi o primeiro
grande baque da história do socialismo. Stálin era tido como uma espécie de
deus, o ser perfeito, o guia genial dos povos, o paizão querido de todos. Mostrou-se,
contudo, ser um reles criminoso, responsável pela morte de milhões e por criar
uma burocracia tirânica e corrupta, que ele controlava por meio dos organismos
de defesa do Estado. O mito de Stalingrado, que suportou com bravura
inexcedível a violência e a crueldade das tropas alemães, ajudou-o a reafirmar
lendas a seu respeito. Na realidade, em Stalingrado o grande herói foi o povo
soviético, que a tudo suportou.
No Brasil, o PT – e seus
puxadinhos, Psol, PSTU, entre outros – ajudou a desmoralizar a esquerda. Ao chegar
ao poder, o PT trazia a imagem de partido nobre, incapaz de fazer concessões,
de roubar, de ludibriar o povão. Todos diziam, e todos estavam errados, que o
PT era um partido ético. Após 16 anos no poder, o PT disseminou a ideia de que
a esquerda significa o que de pior há na política. Esquerda tornou-se sinônimo
de incompetência, má-fé e roubalheira. Lula transformou-se, por atos e
palavras, no malfeitor que todos conhecemos.
As esquerdas brasileiras não
possuem um projeto para o Brasil. E não têm por que não conseguem se libertar
de determinados dogmas. Antes da derrocada do socialismo, a esquerda brasileira
tinha nos países socialistas os seus modelos. O PCdoB tinha na Albânia, o país
mais pobre da Europa, o seu arquétipo – e, em Enver Hojda, um assassino, o seu
herói. Hoje, que as chagas do processo histórico brasileiro ficaram evidentes,
as esquerdas são incapazes de dizer como pretendem tirar o Brasil do atoleiro.
Um líder da esquerda brasileira disse, certa ocasião, que um projeto nacional
tinha que se assentar em dois pilares: aumento do salário mínimo com base no
índice da inflação e investimentos estatais maciços. Falou isso – e foi embora,
certo de que tinha descoberto o caminho para as Índias.
Certa vez, em Cuba, eu e o
professor da Universidade Federal de Pernambuco, Manoel Corrêa de Andrade,
autor de obras clássicas no campo da geografia agrária, entramos numa padaria –
e levamos um susto. Não havia produto algum exposto. Queríamos comprar pães. A
funcionária (pública) nos disse: “Só fazemos pão pela manhã. E não muitos, para
não sobrar”. Já imaginaram uma economia inteira funcionando dessa maneira?
Perdi a crença na política. Não
convivo com políticos. Hoje, creio que o melhor dos mundos seria um mundo sem
política e políticos. Sei, porém, que isso é impossível, a vida e os clássicos
da sociologia me ensinaram. Quando aqueles tresloucados assumiram o comando de
quatro aviões – e os atiraram contra as torres gêmeas de Nova York, o Pentágono
e um campo florido do estado da Virgínia (porque os passageiros se insurgiram
contra o sequestro), matando milhares de pessoas, cheguei à conclusão que o
mundo enlouquecera – melhor: que estava irremediavelmente doente. Dois dias depois,
aqui em Brasília, encontrei com um jornalista, petista roxo, que me disse: “O
império vai desabar! Foi só o início!” Dias depois, Bush enviou tropas para o Oriente
Médio, bombardeou impiedosamente o Iraque e a Líbia, praticamente riscando-os
do mapa. Tempos depois, durante o governo Obama, tropas americanas localizaram
Osama bin Laden, o mentor do ataque aos Estados Unidos. Não houve papo: passaram
ele, as mulheres, filhos e capangas nas armas. Pronto, o império que ia
desabar, vingara-se. Foi a lei do mais forte, que é a lei que predomina nas
relações entre nações.
Falei sobre o meu amigo
jornalista, petista roxo, e me lembrei que vivemos nos dias atuais um período
de carência jornalística. Sempre fui um leitor de jornais. Lá, em casa, líamos quatro
jornais diários: Última Hora, Diário da Noite, Correio da Manhã e Jornal do
Brasil. Afora, claro, os jornais “comunas”, semanários: A classe operária (do
PCdoB) e Novos Rumos (do PCB, vulgo Partidão), que meu pai considerava – e eram
- duas porcarias. Em matéria de política
internacional, líamos os grandes mestres Otto Maria Carpeaux, Paulo de Castro,
Newton Carlos, entre outros de igual calibre. Hoje, o que nos resta é um
sujeitinho da Globonews, que reside em Nova York, que nos informou que o melhor
livro que leu na vida foi “A Indonésia ao seu alcance”. Um livrinho distribuído
pela embaixada indonésia.
Não convivo mais com pessoas
que, não tendo capacidade de buscar explicações para o mundo e o Brasil atuais,
preferem repetir a cantilena pseudomarxista dos anos 1960. Convivi muito com
gente dessa espécie. Certa vez, escrevi que, embora eu não tenha votado em
Bolsonaro, considerava que, eleito, era teria que cumprir o seu mandato até o
fim - e levar adiante o seu programa. O Brasil não ficaria pior nem melhor que
antes, a não ser no quesito roubalheira, cuja patente, parece, é do PT e seus
aliados. Disse também que o medo da esquerda era que o governo Bolsonaro desse
certo. Foi o bastante para receber uma mensagem de um sujeito que prezo, outro
comunistão que, ainda hoje, acredita que o socialismo está vivo e que Stalin é
o tal, lamentando minha opção política. Não respondi – em respeito ao princípio
de que não falo com gente, mesmo amigo, que não entende o que digo e vive de
costas para o mundo.
Aos 77 anos, que mais posso
fazer? Minha vida, hoje, resume-se a escrever, ler, ouvir música e assistir
filmes, embora eu considere cinema uma arte menor. Essa expressão – arte menor
– eu a utilizei durante um debate na UnB, e provocou todos os tipos de reação,
boas e más. Não usei a expressão de forma gratuita, mas ao comparar cinema e teatro,
este sim uma grande arte. Como já disse inúmeras vezes, gosto mais de teatro do
que de cinema. Mas isto é outra história.
Somos amigos da vida inteira. Discutimos muito, eu sempre perdia, você era e é mais preparado que eu o que é motivo de orgulho para mim. Mas no final ganhei, sempre fui contra comunismo, socialismo e outros ismos, agora estamos do mesmo lado. Abraços meu amigo (viu que o nosso amigo Geo foi para o descanso final?)
ResponderExcluirUm depoimento sério e importsnte.
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