"A sociologia dos países subdesenvolvidos", de Álvaro Vieira Pinto
As estatísticas aqui do Meu Penedo indicam que o
meu texto mais lido é o artigo que escrevi para o jornal O Globo sobre o nosso
maior filósofo, professor Álvaro Vieira Pinto.
Como se sabe, Vieira Pinto foi duramente perseguido
durante a ditadura militar: viveu penosamente, aposentado compulsoriamente,
asilado (na antiga Iugoslávia e no Chile, entre 1964 e 1968), impedido de dar
aulas ou exercer qualquer atividade que lhe garantisse mínima e decente remuneração.
A ditadura o tratou como se ele estivesse morto.
Impedido – ou proibido – de trabalhar pelos militares,
restou ao professor Álvaro Vieira Pinto algo que os milicos e seus cúmplices
civis não tinham como impedir ou proibir: pensar. Pois o professor Álvaro
Vieira Pinto pensou muito e escreveu muito, sempre textos da maior qualidade.
Ao falecer, em 11 de junho de 1987, aos 77 anos de idade, o professor deixou
prontos alguns livros, que, aos poucos, estão sendo publicados, entre os quais
“Sete lições sobre educação de adultos”, “O conceito de tecnologia (2 volumes)”
e “A sociologia dos países subdesenvolvidos”. São livros excepcionais, todos
eles. Mas vou dedicar algumas linhas exclusivamente ao último.
Editado pela Contraponto em 2008, “A sociologia dos
países subdesenvolvidos” debate 86 questões, algumas das quais são
especialmente relevantes e ferem questões fundamentais para a compreensão do
que se passa no Brasil. Senão, vejamos. Vieira Pinto, por exemplo, critica duramente
os “pseudo-intelectuais” que agindo “a serviço da confusão das consciências e
do patronato imperialista” utilizam “o sutil expediente de negar a existência
do subdesenvolvimento”. A crítica repousa no seguinte aspecto: deixa-se de utilizar
o termo “subdesenvolvimento”, cujo conceito científico é consagrado,
partindo-se para o uso de termos que não dizem nada (pior: mascaram a realidade
dos países subdesenvolvidos): países em vias de desenvolvimento, países
emergentes, e assim por diante. Isto quando não nos incluem em siglas, como
BRICS, G20, que reunem países social e culturalmente diferentes, fazendo supor
que eles têm interesses comuns.
Vieira Pinto diz ainda: intenta-se, através do
“conhecido truque da invenção de locuções estranhas, supostamente portadoras
dos novos e profundíssimos conceitos” mistificar a realidade, enganar a
população, esconder o real, falsificar conceitos e ideias. Um exemplo: o Brasil
é, hoje, um país exportador de matérias-primas: elas representam algo da ordem
de 78% das exportações brasileiras. Quando o Brasil era colônia mandava para o
exterior matérias-primas, como pau-brasil, açúcar, drogas do sertão (especiarias).
Contudo, os analistas não usam, hoje, a expressão “matéria-prima”, pois ela,
por si só, evidenciaria que o Brasil é, hoje, mais ou menos o que era no período
colonial. A diferença é que, hoje, nós exportamos: soja, café, minério de ferro
– e, não, pau-brasil, drogas do sertão (especiarias) e açúcar.
Disse acima que os analistas ou consultores - esses
que vão à televisão dizer baboseiras com empáfia, tendo o apoio de
apresentadores despreparados - não usam a expressão “matéria-prima” e, sim,
“commodities”, palavra chick que evidencia:
de um lado, a intenção de escamotear a realidade; de outro, reflete o tipo de
colonialismo cultural a que os analistas, consultores e apresentadores estão
submetidos, a ponto de preferir utilizar uma palavra em inglês. Pergunte-se ao
cidadão comum o que é matéria-prima: ele certamente sabe. Pergunte-se o que são
“commodities”: o cidadão comum não sabe, mas, a julgar pela sonoridade da
palavra, jamais pensará que “commodities” são as matérias-primas que exportamos.
O truque é o seguinte: o Brasil é exportador de “commodities”, logo não é subdesenvolvido
e, sim, um país emergente. Truque? Crime conceitual perfeito!
Bem, o livro do professor Álvaro Vieira Pinto é
instigante e provocativo. Encerro aqui estas notas, citando César Benjamin:
“Numa época em que os economistas venceram, calando a voz dos filósofos,
precisamos reler Vieira Pinto para reaprender a enxergar de forma muito mais
profunda a nossa condição atual e o nosso futuro”.
*****
O velho
professor do Penedo entra, convicto, na campanha contra o Código Florestal dos
ruralistas e dos desmatadores:
VETA, “TIA” DILMA! VETA!
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A Diva
Hoje, vamos
ouvir e ver a grande diva Maria Bethânia. Ela canta “Fera Ferida”, de Roberto
Carlos. Curtam!
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