sábado, 16 de junho de 2012

O grande Machado e o pequeno Guia


O grande Machado 

O velho professor do Penedo já escreveu aqui sobre o escritor Otto Maria Carpeaux, austríaco, que chegou ao Brasil em 1940 e por essas bandas ficou até 1978, Foi uma das figuras mais extraordinárias que o velhote do Penedo conheceu – e olha que o velhote conheceu muita gente brilhante, como Álvaro Vieira Pinto, Darcy Ribeiro, Edmundo Moniz, Manoel Maurício, Joel Rufino dos Santos (ainda vivo e com saúde, graças aos orixás!), entre outros. Carpeaux escreveu uma obra notável, onde se destaca a “História da literatura ocidental”, recentemente reeditada pela Leya. Da qual, aliás, foi retirado o texto abaixo, que o velhote oferece aos seus amigos.

Carpeaux dizia sempre que ao vir para o Brasil, fugindo da barbárie nazista, ficava imaginando que país seria o nosso “país tropical”, a respeito do qual pouco, quase nada, sabia. Ele imaginou tudo, mas não imaginou nunca que no Brasil havia um escritor como Machado de Assis, tão grande, universal e atemporal.




Machado de Assis, o maior escritor da literatura brasileira


Otto Maria Carpeaux


Machado de Assis, o maior escritor da literatura brasileira, não é exótico em relação à Inglaterra, e sim em relação ao Brasil. O caso é enigmático: um mulato de origens proletárias, autodidata, torna-se o escritor mais requintado da sua literatura, espírito cheio de arrière-pensées, que exprimiu menos em versos parnasianos do que em romances meio satíricos à maneira de Thackeray.

Em Machado de Assis havia várias influências estrangeiras, e são justamente as influências inglesas que o distinguem dos seus patrícios, em geral afrancesados: Swift e Sterne, sobretudo. Mas influências não explicam o gênio. Machado de Assis também tem algo em comum com Jane Austen, que não conhecia, provavelmente. A sua formação talvez fosse mais francesa do que aquelas influências deixam entrever. Dos moralistes franceses provém a sua desconfiança extrema com respeito à honestidade dos motivos dos atos humanos – a sua psicologia é, em geral, a de La Rochefoucauld; parece ter conhecido Leopardi – menos o poeta do que o pensador das Operette morali – ao qual o ligavam o epicureísmo, no sentido grego da palavra, e o cepticismo niilista em face do universo; leituras de Schopenhauer fortaleceram-lhe a visão negra e quase demoníaca dos homens e das coisas; mas sempre sabia exprimir-se com a urbanidade reservada e irônica de um “homme de lettres” do século XVIII. Tudo isso parece incrível num mulato autodidata do Rio de Janeiro semicolonial da época.
Contudo, podem-se alegar, além da particularidade do gênio que resiste à análise, algumas razões de ordem política e econômica: o Império do Brasil de 1880 era semicolônia da Inglaterra vitoriana. Machado de Assis, proletário e “half-breed”, alto funcionário e presidente de uma Academia de Letras, é um grande escritor vitoriano. As Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba e Dom Casmurro não têm que recear a comparação com Thackeray; falhas de coerência na composição novelística, que uma crítica de formação francesa apontaria, não são defeitos tão graves em romances de tipo inglês, se bem que em língua portuguesa.
O sentido de forma latino do mulato latinizado revelou-se melhor nos contos. “O Alienista”, “Noite de Almirante”, “Missa do Galo”, “O Espelho” são espécimes magníficos de um gênero que esteve, aliás, mal representado na literatura inglesa do século XIX. Há quem goste dos versos de Machado de Assis; mas a sua verdadeira poesia está antes na atmosfera, meio irônica, meio fúnebre, que envolve os berços e os leitos de morte dos seus personagens; até uma crônica sobre o “Velho Senado” acaba com as palavras resignadas e maliciosas: “Se valesse a pena saber o nome do cemitério, iria eu catá-lo, mas não vale; todos os cemitérios se parecem.” O humorista céptico “só sabia olhar a vida sub specie mortis”, e por meio desse “só” ele superou as limitações vitorianas, tornando-se atual para todos os tempos. Histórias sem Data chama-se um volume de contos seus, e “sem data” é a sua obra inteira.




História da Literatura Ocidental, Otto Maria Carpeaux. Parte VIII- A época da classe média, Capítulo I - Literatura Burguesa. Ed. Leya, 2011.



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O pequeno Guia


O velho professor do Penedo acha que o Brasil vive um dos mais absurdos e equivocados períodos da sua história. O Brasil vive a doce ilusão de um desenvolvimento, que a rigor não alterou as velhas estruturas arcaicas do país. Crescemos, é verdade, em função de uma conjuntura favorável, que, desde 2009, sofreu uma perigosa modificação: a conjuntura atual é desfavorável e o que aparece no horizonte é uma formidável crise, que nos engolfará.
Recentemente postei aqui no Penedo uma fala do velhote num encontro patrocinado pelo PDT. Esta semana, os jornais publicaram estudo da Cepal, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, que prevê que o PIB brasileira crescerá, em 2012, apenas 2,7%, o que nos coloca acima apenas de El Salvador e Paraguai. Sabe-se ainda que a estratégia de aumentar o consumo interno, bolado por “tia” Dilma e “mestre” Mantega, deu chabu. O brasileiro, já endividado até o gorgomilho, não tem mais como consumir – ao menos no nível esperado pelas autoridades brasileiras.
Do ponto de vista político, vamos muito mal. Quem acompanhou o dia-a-dia da CPI pôde assistir o espetáculo degradante dos nossos políticos. O julgamento do mensalão vem aí.
Economia em crise e política degenerada, qual é o nosso futuro? O velhote do professor treme só de imaginar.
O artigo abaixo, do professor Marco Antonio Villa, foi publicado hoje, 16 de junho de 2012, no Estado de S. Paulo. Há alguns exageros, mas o artigo realmente traça um retrato realista do “Nosso Guia Genial”.  



DOM SEBASTIÃO VOLTOU

Marco Antonio Villa - O Estado de S.Paulo

Luiz Inácio Lula da Silva tem como princípio não ter princípio, tanto moral, ético ou político. O importante, para ele, é obter algum tipo de vantagem. Construiu a sua carreira sindical e política dessa forma. E, pior, deu certo. Claro que isso só foi possível porque o Brasil não teve - e não tem - uma cultura política democrática. Somente quem não conhece a carreira do ex-presidente pode ter ficado surpreso com suas últimas ações. Ele é, ao longo dos últimos 40 anos, useiro e vezeiro destas formas, vamos dizer, pouco republicanas de fazer política.

Quando apareceu para a vida sindical, em 1975, ao assumir a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, desprezou todo o passado de lutas operárias do ABC. Nos discursos e nas entrevistas, reforçou a falácia de que tudo tinha começado com ele. Antes dele, nada havia. E, se algo existiu, não teve importância. Ignorou (e humilhou) a memória dos operários que corajosamente enfrentaram - só para ficar na Primeira República - os patrões e a violência arbitrária do Estado em 1905, 1906, 1917 e 1919, entre tantas greves, e que tiveram muitos dos seus líderes deportados do País.

No campo propriamente da política, a eleição, em 1947, de Armando Mazzo, comunista, prefeito de Santo André, foi irrelevante. Isso porque teria sido Lula o primeiro dirigente autêntico dos trabalhadores e o seu partido também seria o que genuinamente representava os trabalhadores, sem nenhum predecessor. Transformou a si próprio - com o precioso auxílio de intelectuais que reforçaram a construção e divulgação das bazófias - em elemento divisor da História do Brasil. A nossa história passaria a ser datada tendo como ponto inicial sua posse no sindicato. 1975 seria o ano 1.

Durante décadas isso foi propagado nas universidades, nos debates políticos, na imprensa, e a repetição acabou dando graus de verossimilhança às falácias. Tudo nele era perfeito. Lula via o que nós não víamos, pensava muito à frente do que qualquer cidadão e tinha a solução para os problemas nacionais - graças não à reflexão, ao estudo exaustivo e ao exercício de cargos administrativos, mas à sua história de vida.

Num país marcado pelo sebastianismo, sempre à espera de um salvador, Lula foi a sua mais perfeita criação. Um dos seus "apóstolos", Frei Betto, chegou a escrever, em 2002, uma pequena biografia de Lula. No prólogo, fez uma homenagem à mãe do futuro presidente. Concluiu dizendo que - vejam a semelhança com a Ave Maria - "o Brasil merece este fruto de seu ventre: Luiz Inácio Lula da Silva". Era um bendito fruto, era o Messias! E ele adorou desempenhar durante décadas esse papel.

Como um sebastianista, sempre desprezou a política. Se ele era o salvador, para que política? Seus áulicos - quase todos egressos de pequenos e politicamente inexpressivos grupos de esquerda -, diversamente dele, eram politizados e aproveitaram a carona histórica para chegar ao poder, pois quem detinha os votos populares era Lula. Tiveram de cortejá-lo, adulá-lo, elogiar suas falas desconexas, suas alianças e escolhas políticas. Os mais altivos, para o padrão dos seus seguidores, no máximo ruminaram baixinho suas críticas. E a vida foi seguindo.

Ele cresceu de importância não pelas suas qualidades. Não, absolutamente não. Mas pela decadência da política e do debate. Se aplica a ele o que Euclides da Cunha escreveu sobre Floriano Peixoto: "Subiu, sem se elevar - porque se lhe operara em torno uma depressão profunda. Destacou-se à frente de um país sem avançar - porque era o Brasil quem recuava, abandonando o traçado superior das suas tradições...".

Levou para o seu governo os mesmos - e eficazes - instrumentos de propaganda usados durante um quarto de século. Assim como no sindicalismo e na política partidária, também o seu governo seria o marco inicial de um novo momento da nossa história. E, por incrível que possa parecer, deu certo. Claro que desta vez contando com a preciosa ajuda da oposição, que, medrosa, sem ideias e sem disposição de luta, deixou o campo aberto para o fanfarrão.

Sabedor do seu poder, desqualificou todo o passado recente, considerado pelo salvador, claro, como impuro. Pouco ou nada fez de original. Retrabalhou o passado, negando-o somente no discurso.

Sonhou em permanecer no poder. Namorou o terceiro mandato. Mas o custo político seria alto e ele nunca foi de enfrentar uma disputa acirrada. Buscou um caminho mais fácil. Um terceiro mandato oculto, típica criação macunaímica. Dessa forma teria as mãos livres e longe, muito longe, da odiosa - para ele - rotina administrativa, que estaria atribuída a sua disciplinada discípula. É um tipo de presidência dual, um "milagre" do salvador. Assim, ele poderia dispor de todo o seu tempo para fazer política do seu jeito, sempre usando a primeira pessoa do singular, como manda a tradição sebastianista.

Coagir ministros da Suprema Corte, atacar de forma vil seus adversários, desprezar a legislação eleitoral, tudo isso, como seria dito num botequim de São Bernardo, é "troco de pinga".

Ele continua achando que tudo pode. E vai seguir avançando e pisando na Constituição - que ele e seus companheiros do PT, é bom lembrar, votaram contra. E o delírio sebastianista segue crescendo, alimentado pelos salamaleques do grande capital (de olho sempre nos generosos empréstimos do BNDES), pelos títulos de doutor honoris causa (?) e, agora, até por um museu a ser construído na cracolândia paulistana louvando seus feitos.

E Ele (logo teremos de nos referir a Lula dessa forma) já disse que não admite que a oposição chegue ao poder em 2014. Falou que não vai deixar. Como se o Brasil fosse um brinquedo nas suas mãos. Mas não será?

Marco Antonio Villa, historiador, é professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR).

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