Professor, jornalista,
embaixador, político, biógrafo, acadêmico – o pernambucano Álvaro de Barros
Lins (1912-1970) foi, antes de tudo, um crítico literário, a dividir espaço, na
história da cultura brasileira, com Otto Maria Carpeaux, Antônio Cândido,
Wilson Martins, Brito Broca e Afrânio Coutinho. Este ano, precisamente no dia
14 de dezembro, Álvaro Lins comemoraria cem anos. Cadê as homenagens?
Mas a pergunta que cabe
é a seguinte: por que ninguém fala hoje de um autor que deixou uma notável
obra, na qual de destacam um estudo sobre o antropólogo Roquette-Pinto (seu
discurso de posse na Academia Brasileira de Letras), uma biografia do barão de
Rio Branco, um ensaio sobre a técnica do romance em Proust, uma história literária
de Eça de Queirós? Isto, é claro, sem falar nos sete volumes de “Jornal da
crítica” e no magnífico “Missão em Portugal”, livro em que conta a história do
exílio que concedeu ao general Humberto Delgado, líder da oposição à ditadura
salazarista. Foi um episódio exemplar, pois Juscelino Kubitschek, presidente na
época, não só vacilou na concessão do asilo como mostrou-se estranhamente
submisso a um ditadura que condenou Portugal ao atraso e ao escárnio da opinião
pública consciente do planeta.
“Missão em Portugal”
detalhou as aspectos sórdidos do episódio: o cerco da embaixada brasileira pela
polícia política portuguesa, a famigerada PIDE; as sistemáticas mentiras e
manipulações do Ministério dos Negócios Estrangeiros nas negociações em o
embaixador brasileiro; o comportamento desprezível de parte da imprensa
brasileira. Mas Lins resistiu – e o asilo acabou sendo concedido. Lins, então,
demitiu-se de suas funções, retornou ao Brasil, e nunca mais falou com o
presidente.
No Brasil, Lins escreveu
uma carta de rompimento político com JK, que é um raro documento de lucidez e
de denúncia política. Escreveu, também, ao embaixador de Portugal no Rio de
Janeiro, Manoel Rocheta, devolvendo a condecoração que lhe fora outorgada no
grau máximo da Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Disse Lins: “Devolvo com esta
carta, conjuntamente, o decreto-diploma e as referidas insígnias, a faixa e o
crachá. Trata-se, com efeito, da mais alta condecoração portuguêsa na mais
histórica das suas Ordens Honoríficas. Verdadeiramente, porém, considero que
ela hoje me desonra. Mais tarde, quando Portugal for restituído,
democraticamente, a si próprio, isto é, ao nobre, generoso e admirável povo
português, com um governo legítimo e representativo, então, se vier, novamente,
a merecer essa mesma condecoração e distinção honorífica, eu a receberei, e
ostentarei as suas insígnias, com ufania, descanecimento e gratidão. Agora,
tê-la comigo significaria desmérito, desdouro e descrédito”. Álvaro Lins morreu
bem antes da Revolução dos Cravos, que varreu o salazarismo de Portugal.
Há alguns anos, dez ou
doze anos talvez, escrevi uma correspondência ao embaixador português, propondo
a restituição post-mortem a condecoração a Álvaro Lins. Conversei,
posteriormente, com um representante do embaixador, ocasião em que lhe
presenteei um exemplar de “Missão em Portugal”, que ele não conhecia. Não sei,
até hoje, o que ocorreu com a minha proposta
Em relação aos livros
(são sete) de “Jornal da crítica”, apresentei a três editoras o projeto de
reedita-los. Todas gostaram da ideia, mas consideraram que o projeto só poderia
ser levado a cabo mediante o apoio de uma instituição, como Academia Brasileira
de Letras, Petrobrás, Ministério da Cultura, etc. O projeto morreu.
Lins era um crítico
literário nato, na definição de Otto Maria Carpeaux. Lins acreditava que a
missão do crítico – a seu ver “um leitor que aperfeiçoou o senso crítico pelo
gosto e pelos estudos” – era ensinar os outros a ler. Tinha como mestre
Sainte-Beuve, cujos erros, costumava dizer, “foram menos graves e mais
compreensíveis do que os de Taine e Brunetière”, já que o primeiro “errou por
sentimentos de fanatismo pessoal” e os outros dois “por motivos de fanatismo
científico”.
Lins morreu cedo: tinha
58 anos incompletos. Morreu em plena ditadura, amargurado com o que via no
Brasil. Vítima da depressão, deixou de escrever, afastou-se de tudo e de todos.
Em 5 de junho de 1970, o seu coração – coração de um homem culto, corajoso e
digno – não resistiu. Sua obra desde então deixou de ser editada. Seus livros
são encontráveis hoje – quando o são – apenas nos sebos. Uma pena. Num país de
resenheiros, não temos mais crítica literária no Brasil.
Foi, por assim dizer,
mais uma vítima da ditadura militar que infelicitou o Brasil.