quarta-feira, 29 de agosto de 2012

CENTENÁRIO DE ÁLVARO LINS


 
 Álvaro Lins no dia da posse na Academia Brasileira de Letras
 
Cadê as homenagens?

Professor, jornalista, embaixador, político, biógrafo, acadêmico – o pernambucano Álvaro de Barros Lins (1912-1970) foi, antes de tudo, um crítico literário, a dividir espaço, na história da cultura brasileira, com Otto Maria Carpeaux, Antônio Cândido, Wilson Martins, Brito Broca e Afrânio Coutinho. Este ano, precisamente no dia 14 de dezembro, Álvaro Lins comemoraria cem anos. Cadê as homenagens?

Mas a pergunta que cabe é a seguinte: por que ninguém fala hoje de um autor que deixou uma notável obra, na qual de destacam um estudo sobre o antropólogo Roquette-Pinto (seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras), uma biografia do barão de Rio Branco, um ensaio sobre a técnica do romance em Proust, uma história literária de Eça de Queirós? Isto, é claro, sem falar nos sete volumes de “Jornal da crítica” e no magnífico “Missão em Portugal”, livro em que conta a história do exílio que concedeu ao general Humberto Delgado, líder da oposição à ditadura salazarista. Foi um episódio exemplar, pois Juscelino Kubitschek, presidente na época, não só vacilou na concessão do asilo como mostrou-se estranhamente submisso a um ditadura que condenou Portugal ao atraso e ao escárnio da opinião pública consciente do planeta.

“Missão em Portugal” detalhou as aspectos sórdidos do episódio: o cerco da embaixada brasileira pela polícia política portuguesa, a famigerada PIDE; as sistemáticas mentiras e manipulações do Ministério dos Negócios Estrangeiros nas negociações em o embaixador brasileiro; o comportamento desprezível de parte da imprensa brasileira. Mas Lins resistiu – e o asilo acabou sendo concedido. Lins, então, demitiu-se de suas funções, retornou ao Brasil, e nunca mais falou com o presidente.

No Brasil, Lins escreveu uma carta de rompimento político com JK, que é um raro documento de lucidez e de denúncia política. Escreveu, também, ao embaixador de Portugal no Rio de Janeiro, Manoel Rocheta, devolvendo a condecoração que lhe fora outorgada no grau máximo da Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Disse Lins: “Devolvo com esta carta, conjuntamente, o decreto-diploma e as referidas insígnias, a faixa e o crachá. Trata-se, com efeito, da mais alta condecoração portuguêsa na mais histórica das suas Ordens Honoríficas. Verdadeiramente, porém, considero que ela hoje me desonra. Mais tarde, quando Portugal for restituído, democraticamente, a si próprio, isto é, ao nobre, generoso e admirável povo português, com um governo legítimo e representativo, então, se vier, novamente, a merecer essa mesma condecoração e distinção honorífica, eu a receberei, e ostentarei as suas insígnias, com ufania, descanecimento e gratidão. Agora, tê-la comigo significaria desmérito, desdouro e descrédito”. Álvaro Lins morreu bem antes da Revolução dos Cravos, que varreu o salazarismo de Portugal.

Há alguns anos, dez ou doze anos talvez, escrevi uma correspondência ao embaixador português, propondo a restituição post-mortem a condecoração a Álvaro Lins. Conversei, posteriormente, com um representante do embaixador, ocasião em que lhe presenteei um exemplar de “Missão em Portugal”, que ele não conhecia. Não sei, até hoje, o que ocorreu com a minha proposta

Em relação aos livros (são sete) de “Jornal da crítica”, apresentei a três editoras o projeto de reedita-los. Todas gostaram da ideia, mas consideraram que o projeto só poderia ser levado a cabo mediante o apoio de uma instituição, como Academia Brasileira de Letras, Petrobrás, Ministério da Cultura, etc. O projeto morreu.

Lins era um crítico literário nato, na definição de Otto Maria Carpeaux. Lins acreditava que a missão do crítico – a seu ver “um leitor que aperfeiçoou o senso crítico pelo gosto e pelos estudos” – era ensinar os outros a ler. Tinha como mestre Sainte-Beuve, cujos erros, costumava dizer, “foram menos graves e mais compreensíveis do que os de Taine e Brunetière”, já que o primeiro “errou por sentimentos de fanatismo pessoal” e os outros dois “por motivos de fanatismo científico”.

Lins morreu cedo: tinha 58 anos incompletos. Morreu em plena ditadura, amargurado com o que via no Brasil. Vítima da depressão, deixou de escrever, afastou-se de tudo e de todos. Em 5 de junho de 1970, o seu coração – coração de um homem culto, corajoso e digno – não resistiu. Sua obra desde então deixou de ser editada. Seus livros são encontráveis hoje – quando o são – apenas nos sebos. Uma pena. Num país de resenheiros, não temos mais crítica literária no Brasil.

Foi, por assim dizer, mais uma vítima da ditadura militar que infelicitou o Brasil.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

RACISMO, NÃO


O sambista, escritor, pesquisador, ótimo cidadão, vascaíno, Ney Lopes, cuja obra – em todos os sentidos - é digna de respeito e leitura acurada, postou no blog Meu Lote o texto abaixo que o Velho Professor do Penedo endossa, divulga e chama a atenção de todos. É preciso que todos nós tenhamos em mente que o racismo não pode ser tolerado em hipótese alguma, que uma das suas mais cruéis formas é a ridicularização do negro pobre, desdentado e iletrado.

 



DE VOLTA AO ESCRACHO

Ney Lopes

Na década de 1920, era comum, no cinema americano, a representação de personagens negros por artistas brancos pintados de preto, prática essa banida no contexto das lutas pelos direitos civis do povo afro-americano, mas que ainda persistiu na televisão brasileira, filha bastarda de Hollywood.

Com as conquistas dos movimentos de afirmação da identidade afrobrasileira, conquistas essas em boa parte acolhidas pelo Poder institucional, isso parecia também ter acabado por aqui.

Mas de repente eis que um programa “humorístico” da maior rede de tevê do Brasil, retoma o escárnio e a violência destrutiva do estereótipo mais negativo (mulher negra, feia, iletrada, ridícula) , através do malfadado “black-face”.

A notícia nos chega através da Internet, pois naturalmente nenhuma “zorra”, total ou parcial, consta no cardápio televisivo aqui do Lote. E a adrenalina da indignação nos empalidece o rosto.

Mas a bronca arrefece um pouquinho ao sabermos que providências legais estão sendo tomadas contra mais esta ação racista, a qual confirma algo já sabido: que apesar dos avanços tecnológicos, a postura ideológica e ética da televisão brasileira parou na década de 1920.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Mensalão e Amazônia


Mensalão

Começou o julgamento dos mensaleiros. Ontem, enquanto o Velhote do Penedo trabalhava, a televisão estava ligada (sem som). De vez em quando, eu dava uma espiada. O dia de ontem caracterizou-se apenas pela iniciativa protelatório de um dos ministros, que, todos sabem, usa debaixo da toga um escudinho do PT. Os mensaleiros precisam ser condenados, senão os brasileiros vão perder, de vez, a sua crença na justiça.

A mim me parece claro que o Brasil não será o mesmo depois do julgamento do mensalão. Se os mensaleiros forem condenados, os brasileiros voltarão a ter alguma crença nas instituições do país, mormente nas instituições jurídicas e políticas; se os mensaleiros forem absolvidos, os brasileiros deixarão, de vez, de acreditar nas instituições, na democracia, na justiça e na crença de que o político não pode roubar, comprar votos, desviar recursos, etc.

Lula, que não perde a oportunidade de dizer uma impropriedade, perguntado se iria acompanhar o julgamento, disse que “tem coisas mais importante para fazer”. E possível: tomar umas pingas, fazer cafunés na “senhora”, ouvir Zeca Pagodinho e verificar se o BNDES está liberando os recursos para a construir de um ente privado, o Corinthians, time pelo qual o Lula torce.

 Quando o escândalo do mensalão explodiu, Lula, em pânico, correu a dizer que não sabia de nada, que isso era coisa dos aloprados do partido. Em entrevista dada em Paris, Lula reconheceu que os fatos existiam e que os culpados seriam punidos. Bem, 7 anos depois, Lula meteu o macacão da arrogância – e diz outra impropriedade, como, aliás, é do seu feitio.

Vamos acompanhar o julgamento dos mensaleiros – e verificar se ainda podemos ter, mesmo longinquamente, esperança no Brasil.

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Adeus ao paraíso



Com o título acima, o Velhote do Penedo escreveu um livro sobre a internacionalização da Amazônia. Nos meus tempos de ginásio no colégio municipal Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, tive um professor extraordinário, combativo defensor da Amazônia. Chamava-se ele Orlando Valverde – e foi uma das mais brilhantes inteligências que conheci na vida.

É bom que se diga que quando o Velhote fala em internacionalização não está se referindo, necessariamente, em ocupação militar. A internacionalização da Amazônia – a meu ver, em curso – é um processo quase silencioso, levado a efeito pelo capital internacional investido na região, pela ação de ONG’s financiadas por instituições e por governos estrangeiros e pela cumplicidade de muitos brasileiros. É isso.

Leiam um trecho do prefácio que, na época, escrevi:





Quando aceitei a sugestão do meu amigo Marcel Bursztyn para escrever o presente livro, o título Amazônia, adeus me veio imediatamente à cabeça. Um amigo, emérito cientista recentemente falecido, pediu-me, por intermédio de um amigo comum, que não fosse tão enfático. Não entendi. Ele explicou-me. O título escolhido, segundo ele, poderia transmitir a idéia de um fato consumado, a melancólica certeza de que a internacionalização da Amazônia tornara-se irreversível. Era necessário, acrescentou, injetar um pouco de esperança nos leitores, principalmente nos jovens. Sugeriu-me, então, colocar uma interrogação no título. Amazônia, adeus? Seria, a seu ver, o título mais adequado e mais conveniente do livro.

Não tive tempo de pensar na sugestão, pois descobri, a tempo, que o título Amazônia, adeus não era inédito, razão pela qual tive de abandoná-lo. Fixei-me, então, no título Adeus ao Paraíso: a internacionalização da Amazônia, evidentemente inspirado em Euclides da Cunha. O autor de Os sertões, como se sabe, esteve na Amazônia em 1905, participando de uma comissão mista formada por representantes brasileiros e peruanos. Euclides, como tantos que por lá estiveram, ficou pasmo diante da exuberância da floresta amazônica. Chamou-a de o paraíso perdido, pois via ali, naquela imensidão, a origem do paraíso bíblico. Daí, tirei o título do presente livro.

Escrevi Adeus ao Paraíso movido pela incômoda certeza de que, caso nada seja feito, e imediatamente, a Amazônia será internacionalizada, tal e tantos são os interesses políticos, econômicos e geoestratégicos que a região atrai. Admito que muitos dirão que a afirmação é audaciosa e improvável, mas afirmado está. Nesse sentido, o título do livro, embora possa parecer politicamente incorreto, pretende ser uma espécie de desafio, principalmente ao espírito de luta dos meus leitores mais jovens. O título Adeus ao Paraíso não significa, em si, uma derrota, nem uma rendição. Significa, antes de tudo, um alerta, um chamamento, talvez uma esperança. Não gosto de frases eloquentes, mas vá lá: a esperança é, na verdade, irmã siamesa da nossa coragem de enfrentar os nossos desafios históricos. E a preservação da Amazônia é, hoje, um dos maiores desafios do povo brasileiro.

Cabe deixar claro que este livro, como os outros que escrevi, pertence ao campo da sociologia crítica, com a qual me identifico no plano das idéias e das ações. Defender posições políticas que considero justas é o pouco que ainda me sinto em condições de fazer contra uma realidade social e política que, em última análise, me causa repugnância. Da minha mesa de trabalho, derradeira e frágil trincheira de luta, mando as minhas honestas e sinceras brasas, sem receio das críticas e das censuras que me podem ser feitas.

Apesar de tudo, inclusive dos meus tantos fracassos políticos, ainda encontro forças para acreditar nas idéias - estas, sim, capazes de construir alternativas possíveis para um mundo que, a pretexto de grandes conquistas, teima caminhar para a autodestruição.
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Aqui, vemos e ouvimos Lenine cantando "Qui nem jiló", de Luiz Gonzada e Humberto Teixeira. O Velho Professor do Penedo acha essa música do balacobaco!