quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Democracia repressiva


 

Jornal do Velhote do Penedo

Quarta-feira, 23 de outubro de 2013 - Número 11

Um jornal a serviço de ideias desabusadas

Ditadura silenciosa

A violência da Polícia Militar é algo que se atesta diariamente, bastando a leitura dos jornais. Recentemente, tivemos o caso do Amarildo, um trabalhador preso por militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da favela da Rocinha – e assassinado, após sofrer sessões de tortura. Mais de vinte militares estão indiciados, mas ainda não se descobriu ou se soube onde estão os ossos de Amarildo, tal como não se sabe onde estão os ossos do ex-deputado Rubens Paiva, do ex-jornalista Mário Alves e da ex-estudante universitária Isis Dias de Oliveira, mortos sob tortura nos porões dos Doi-Codi da vida. A ditadura torturou, matou e fez desaparecer os corpos de mais de 500 presos políticos.

Filmes, documentários, reportagens: há sobre a truculência da Polícia Militar do Rio de Janeiro um vasto e variado material, todo ele atestando, com clareza, o quanto a corporação está infiltrada de bandidos, delinquentes e assassinos. Claro, a PM do Rio de Janeiro não é uma exceção: todas as polícias militares dos estados brasileiros tem essa mesma característica, variando apenas a intensidade e os métodos. Vejam ou revejam os filmes Tropas de elite 1 e 2, de José Padilha, nos quais o submundo das polícias militares – e de sua articulação com traficantes, políticos corruptos e jornalistas desonestos – são mostrados com clareza em toda a sua dramaticidade.

Como resolver esta questão? A militarização da polícia é obra da ditadura, que resolveu, num dado momento, criar e treinar nos estados um braço armado capaz de fazer frente aos opositores do regime. Durante a ditadura, os governadores (eleitos pelas câmaras estaduais) não nomeavam os comandantes das PM: eles eram nomeados em Brasília, pelo Ministério do Exército. Durante a ditadura os comandantes das PM eram, sempre e não por acaso, generais do exército.

A democratização não alterou a fundo a estrutura viciada das PM estaduais. A militarização da polícia foi mantida, inclusive porque era necessário fazer frente ao narcotráfico, aboletados nos morros e favelas das cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, a prática da PM subir os morros, invadir barracos, matar indiferentemente trabalhadores e traficantes, e praticar roubos e recolher propinas dos próprios traficantes, tornou-se prática comum. Todos sabiam e sabem disso. A violência e a morte de trabalhadores foram e são vendidas pela imprensa como azares naturais da luta contra o banditismo. Às vezes, os telejornais informam o número de mortos, mas nada dizem se eram trabalhadores ou narcotraficantes.

Tal como agora nas manifestações: a PM foi chamada para espancar manifestantes; coube a imprensa criar o medo através de reportagens sensacionalistas e da criação das figuras dos “vândalos”. A ideia de que “vândalos” estarão à solta faz com que milhares de possíveis manifestantes desistam de ir às ruas.

O que interessa a essa gente é a paz dos pântanos, uma sociedade formada de conformados e silenciosos, adornada de palavras de ordem que os próprios jornalistas e políticos (que as repetem) não sabem o que significa: cidadania, valores republicanos e democracia. O que essa gente deseja é uma espécie de “ditadura silenciosa”, na qual sofrem e apanham apenas aqueles que não sabem viver na democracia que sonega direitos e convive com a injustiça e o arbítrio. Uma democracia que se alimenta das informações dos telejornais, que dependem das verbas de propaganda dos governos. Uma democracia dos Renan, dos Sarney, dos Lobão, dos Vaccarezza, dos Lupi, dos novos e velhos companheiros, dos que traíram os ideais de justiça que, um dia, balizaram comportamentos.

Não temos hospitais decentes e limpos? Ora, vejam os nossos estádios, as novas “arenas”, onde jogarão os nossos craques! Não temos escolas e os professores ganham pouco (piso salarial: R$ 1451,00, cerca de 500 dólares ou 470 euros!) e são espancados? Ora, tenham a paciência: o futuro dinheiro do pré-sal virá em 20, 30 anos justamente para resolver esse problema! Problemas de infraestrutura (estradas, portos, energia)? Ora, estamos enfrentando problemas acumulados: como vamos resolver tudo isso em uma década? E por aí vai a lengalenga.

A foto abaixo foi tirada na Cinelândia. Ela diz tudo.
 

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