quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Violência nos estádios


 
Jornal do Velhote do Penedo

Terça-feira, 10 de dezembro de 2013 – Nº 16.

Um jornal a serviço de ideias desabusadas

Sem tapetão, Dinamite!

Eu estava no Rio de Janeiro, era um sábado, e o Vasco da Gama ia jogar contra o Manchester United. Logo, no Maracanã só teria torcida do clube cruzmaltino, o que me dava a certeza de que não haveria nenhum tipo de briga ou confusão. Sem companhia, fui sozinho.

Bem, foi a última vez que fui ao Maracanã, pois eu vi facções da torcida do Vasco se hostilizando, vi brigas, vi corre-corres, o diabo. Percebi, então, que nos estádios não brigam apenas torcedores de clubes rivais, mas torcedores do mesmo esquadrão. Nunca mais pisei no Maracanã, pois gosto de futebol pelo que ele tem de plástico, de arte, de emoção. Jamais briguei pelo meu time, por seleção deste ou daquele país.

Quero o melhor para o meu país, mas não transfiro tal sentimento para a seleção brasileira, ou seja, não acredito que o desenvolvimento brasileiro passe pela seleção brasileira ou pela duvidosa glória de ser campeão deste ou daquele torneio.

Também não vou me esgoelar por uma seleção dirigida por um troglodita (Felipão) e por um serviçal da ditadura (Parreira), que foi covarde e deselegante ao impedir, em 1994, a entrada do goleiro Barbosa, na época com 73 anos, na concentração da Granja Comary.

Barbosa foi à concentração brasileira abraçar e desejar boa sorte aos jogadores, mas Parreira barrou a entrada do velho goleiro – e, pior ainda, não teve pejo de dizer que Barbosa, que era goleiro da seleção brasileira de 1950, era “azarento”. Parreira é um cretino, um filhote da ditadura. A Rede Globo tem um vídeo que conta essa história e mostra a entrevista em que Parreira agride um idoso de 73 anos.

Repito: nunca briguei pelo Vasco da Gama. Torço por ele, possuo camisas, bandeiras, canetas, chaveiros, flâmulas e livros sobre o meu clube. Mas não brigo por ele.

A briga entre as torcidas do Vasco e do Atlético Paranaense, domingo passado, em Joinvile, foi um horror, uma demonstração de selvageria, mas é o retrato mais perfeito de uma sociedade violenta, a brasileira.

Não é necessário procurar saber quem começou a briga: as duas torcidas foram criminosas. Lamento, gostaria que não tivesse acontecido, mas confesso que não fiquei com pena dos torcedores espancados. Eles apenas levaram a pior na briga, mas eles estavam ali para bater ou apanhar. Apanharam. Poderiam ter morrido. Mas eles fariam o mesmo que tresloucados fizeram com ele.

O que aconteceu domingo em Joinvile nos dá elementos para pensar:

1 – Todos sabem que as chamadas torcidas organizadas são mantidas pelos clubes. Todos os presidentes de clubes patrocinam as torcidas porque elas são os cabos eleitores dos candidatos, fazem o trabalho sujo de diretorias irresponsáveis, muitas das quais levaram clubes centenários à bancarrota.

2 – Tais diretorias fazem nos clubes o que políticos fazem com empresas ou organismos públicos. Os políticos (muitos, mas há exceções – poucas!) administram as empresas ou organismos públicos como se eles estivessem gerindo galinheiros, pouco importando a eles se o que fazem irão levar as empresas ou os organismos públicos à falência, à desmoralização ou à morte administrativa. Vejam o caso, hoje, da Petrobrás, cujos prejuízos são o resultado de gestões irresponsáveis e temerárias. São os casos também da maioria dos clubes brasileiros.

3 – As torcidas organizadas são, em geral, formadas por aquela categoria que Karl Marx classificou como a escória da sociedade: o lumpensinato. São desempregados, com baixa ou nenhuma escolaridade, muitos com passagem na polícia, a maioria sem perspectivas ou planos de vida. Vi a briga e percebi que o biótipo dos brigões se aproxima: são gordos, cabelos raspados, corpos cobertos de tatuagens, algumas delas com símbolos indecifráveis ou sinistros, como caveiras. Não sei se eles tinham suásticas, mas não me surpreenderia se tivessem.

3 – Brigam pelo prazer de brigar - e por tudo que a agressão ao próximo significa: uma maneira de demonstrar poder, força, dominação. Não tendo como se afirmar de outra maneira, não tendo condições de pensar ou refletir sobre a vida, os trogloditas buscam na violência digerir, superar e vencer as suas frustrações, que são muitas.

E para terminar.

Roberto Dinamite, que todos os vascaínos decentes apoiaram, certos de que, com isso, estávamos superando a Era Eurico Miranda, levou o Vasco duas vezes à segundona, vendeu dezoito jogadores, empregou parentes e amigos e aumentou as dívidas do clube. Agora, tenta consertar a lambança apelando para o tapetão, o que uma emenda pior que o soneto.

O Velhote diz e declara: o Vasco, meu time, tem que ir para a segundona, pois ao longo do campeonato não mostrou competência. Azar de todos os vascaínos.
 
 
 
O vascaíno Paulinho da Viola canta "Quem é do mar não enjoa", do também vascaíno Martinho da Vila. Curtam e consolem-se!

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Crônica de uma fotografia


 

Jornal do Velhote do Penedo

Terça-feira, 26 de novembro de 2013 – Nº 14.

Um jornal a serviço de ideias desabusadas

Maria e Rambo: duas histórias

 

Mais que qualquer tratado ou ensaio sociológico, a fotografia diz tudo. Na periferia do Rio de Janeiro, enquanto ela (para facilitar, vamos chamá-la de Maria) se prepara para ir a um baile carnavalesco, ele (vamos chamá-lo de Rambo), pronto para a guerra, avança de arma em punho. Ela está preparada para a diversão, para o “esquindô-lê-lê”, usa um enorme chapéu à Carmen Miranda. Ele, com certeza, foi feito de papel crepom de cores variadas. Maria veste um duas peças ousado, que ressalta o corpo já um tanto combalido. Maria e Rambo, tão diferentes, têm algo em comum. Ambos estão à vontade: ela no seu traje sumário; ele no seu uniforme, armas nas mãos e na cintura, munição e cantil. Maria – pronta para se divertir, sorrir, cantar. Rambo – pronto para atirar, torturar, matar.

Reparem que Maria olha para o soldado com certa resignação, embora ainda com algum espanto. Ao fundo, do portão de sua casa, uma moradora espia a cena, talvez apenas curiosa. Mais ao fundo, de costas, uma jovem está diante de um balcão, quem sabe bebendo um refrigerante ou apenas jogando conversa fora com alguém que está no interior da birosca.

Notem, agora, o cenário. O chão é de terra, não há calçamento nem calçadas. A fiação sugere a presença de gambiarras e “gatos”. Certamente, os moradores são posseiros ou adquiriram o terreno (onde ergueram as casas, algumas sem rebôco) de um espertalhão qualquer, que não tinha nenhuma autoridade sobre a área onde se instalou a favela. Tinha talvez a força, com a qual impôs condições de preço, prazos e lucros.

A presença de Rambo indica a presença no local de meliantes, quem sabe de uma gangue ou do próprio narcotráfico. Tudo é possível. Contudo, a presença de Rambo no lugar é típica. Nunca vi soldados armados, ostensivamente prontos para a guerra, nas ruas de Ipanema ou Leblon. Rambo é polícia de pobre, das zonas pobres da Cidade Maravilhosa – e lá ela pode disparar quantos tiros quiser, pode matar quantos quiser e puder (meliantes ou não), pode jogar bombas de efeito moral, pode despejar spray de pimenta no rosto das pessoas, pode invadir casas, pode sequestrar e roubar. Nas favelas, na periferia e, não esqueçamos, nas manifestações públicas vale tudo: são dezenas, centenas, milhares de Rambos prontos para o que der e vier. Eles têm a força, como dizia aquele personagem das histórias em quadrinhos.

Tudo o que a fotografia mostra nos provoca melancolia e raiva. Talvez o carnaval de Maria seja o que lhe restou de alegria na vida. Rambo, coitado, não sabe fazer outra coisa: o negócio dele é a violência e o uso da força. Talvez nem o consolo do Carnaval lhe tenha restado.