Crise,
desatinos e busca de solução
Há
dias vinha pensando em escrever a respeito do momento político brasileiro. Não
tenho qualquer pretensão acerca do alcance das minhas palavras. Mas me sinto no
direito e obrigação de escrevê-las.
De
início, reitero o que todos já sabem: sou um sujeito ainda apegado aos ideais
do socialismo democrático, aos quais me vinculei desde a adolescência. Militei
em organizações políticas, lutei contra a ditadura e senti (como tantos outros)
o peso da repressão. Não me arrependo de nada. Com a democratização, participei
da construção do Partido Democrático Trabalhista, do qual me desliguei quando
este – talvez devido à morte de seus grandes quadros – esqueceu (para dizer o
mínimo) suas prioridades e bandeiras. Filiei-me depois ao Partido dos
Trabalhadores, mas – reconheço – fui um militante bem chinfrim, talvez devido
ao imenso tédio e depressão que a política brasileira me provocava na época.
Votei no Lula na sua primeira eleição, em 2002, mas sem entusiasmo. De lá para
cá, meus votos foram para os partidos de esquerda – ou foram anulados. Em 2014,
não compareci ao segundo turno.
Enfim,
quando era adolescente, eu imaginava que, na velhice, eu viveria num país mais
solidário, no qual não haveria a miséria escandalosa que a gente vê nas ruas.
Não, na minha cabeça não passava a ideia de que na minha velhice o Brasil fosse
uma república socialista. Jamais cultivei tal ilusão. Eu supunha que, hoje, o
Brasil fosse, pelo menos, uma nação menos desigual, com serviços públicos
funcionando de maneira razoável, com governos atentos aos problemas e
conscientes de que seu dever era governar em benefício de todos. Utopia? Talvez.
O
Brasil mudou, sem dúvida, mas muitos dos seus problemas - alguns centenários -
foram potencializados. Se, de um lado, superamos (em termos) alguns gargalos,
outros, mais graves, irromperam por falta de solução dos muitos problemas
antigos irresolvidos. Dou um exemplo. A reforma agrária tinha como um dos seus
objetivos fixar o homem na terra, minimizando a migração e o inchaço das
cidades. Não a fizemos. Milhões de pessoas (Darcy Ribeiro calculou em 100
milhões) se deslocaram do campo para as cidades. Resultado: a população
favelada do Rio de Janeiro (cidade) que era da ordem de 6,5% multiplicou-se por
seis ou sete, devido, sobretudo, ao êxodo rural. Hoje, 85% da população
brasileiro vivem nas cidades. Todas as cidades brasileiras são cercadas por
cinturões de miséria.
Votei
no Lula em 2002 motivado pela esperança, embora ela não fosse do mesmo tamanho
da esperança que eu alimentara na adolescência. Na verdade, eu tinha muitas
dúvidas a respeito, não só porque Lula jamais me inspirou confiança, mas também
porque seu discurso de campanha foi essencialmente dirigido às classes dominantes,
apesar de eventuais retóricas populistas em comícios. Brizola observou com
acuidade: o PT (no caso, Lula) cacarejava para a esquerda, mas botava ovos para
a direita.
Em
minha casa, recebi amigos petistas - da velha guarda petista, diga-se - que
vieram à Brasília saudar a posse de Lula. Estavam felizes e entusiasmados, e
não era para menos. Hoje, eles, sem exceção, se afastaram ou se desligaram do
PT, amargurados com os rumos da chamada “era petista no poder”. As críticas
desses meus amigos não poupam sequer o Lula, a quem eles chamam, por baixo, de
traidor. Penso, mas fico calado: Lula não os traiu, apenas os ludibriou e, agora,
tirou a máscara.
Nos
dias atuais, a coisa está feia, feiíssima, horrorosa. O caldeirão social está fervendo,
mormente agora que a lista dos políticos envolvidos no Petrolão veio à tona. Por
isso, desejo dizer o seguinte:
1
– Dilma está pagando pelo péssimo primeiro governo que fez. Mais que o Mantega,
Dilma assumiu que ela era, de fato, a ministra da economia. Mantega, como
economista, não é lá essas coisas, mas Dilma tem uma visão muito mais equivocada
e estreita da lógica econômica. Os equívocos cometidos nos quatro anos, como
isenções generalizadas (“uma brincadeira”, “um erro grosseiro”, segundo o ministro
Levy), assistencialismos (bolsas, cotas – justas, mas distribuídas adoidado) ao
invés de políticas efetivas de inclusão, política tarifária troncha, contingenciamento
dos preços dos combustíveis, estímulo desmedido ao consumo (principalmente de
carros) via crédito, política energética populista (redução de tarifas), entre
outras, estão produzindo efeitos e consequências agora. Tudo isto, claro, afora
déficits, inflação, juros altos, desequilíbrios orçamentários e a dificuldade
de fazer acordo políticos com os partidos aliados, a não ser na base do fisiologismo
e do troca-troca de cargos na máquina pública.
Hoje,
a máquina pública brasileira padece de elefantíase: é inchada e se arrasta. Não
anda.
2
– A incompetência da Dilma não justifica, porém, o seu impeachment, que parte
da sociedade está exigindo. Mesmo a megacorrupção na Petrobrás não pode
justificar o seu impeachment, a não ser, o que me parece improvável, que ela
tenha embolsado algum. Dilma é arrogante e incompetente, mas, até prova em
contrário, não roubou.
Sei,
o impeachment é uma solução legal, prevista na Constituição (art. 52, I e II),
mas ela não tem sentido político no presente momento, embora, a julgar pelo que
dizem juristas, tenha fundamento jurídico. A solução dos nossos problemas é política
– e o acionamento dos mecanismos de impeachment, no presente momento, é uma violência
que criará barreiras intransponíveis à solução dos nossos problemas. Como se
diz, a campanha pró-impeachment está jogando combustível na fogueira da crise.
3
– Falo isso com total isenção. Não votei na Dilma (nem no Aécio, não me
confundam), mas reconheço que ela foi legitimamente eleita. Ela não tem
condições políticas de governar? Paciência – isto faz parte, como se diz, do
jogo democrático, que a sociedade lutou para conquistar. Se a crise é política,
a solução da crise deve ser essencialmente política. A crise não se resolve
pela força ou pelas ameaças, de lado a lado. Precisamos evitar desatinos.
A
democracia brasileira, tal como o próprio Brasil, tem deformações que vêm de
longe. Mas é ela que me permite hoje escrever, ler, falar, protestar. Sei que o
alcance das minhas palavras é curto, mas é melhor isto que o silêncio imposto
pelas baionetas e pela censura.
4
- 53 milhões de brasileiros elegeram Dilma, como 51 milhões de brasileiros
votaram na oposição. Não se negue, pois, aos dois o exercício do papel que lhes
cabe numa democracia: governar e fazer oposição. É preciso distender e desarmar
os espíritos e aceitar os fatos como eles são. Com isto, não estou propondo
qualquer tipo de arreglo: o jogo político permite críticas, debates, avanços e
recuos, manifestações, greves e passeatas. Assim que deve ser.
5
– São inaceitáveis as referências e manifestações ostensivas a favor de golpe
ou da “intervenção militar constitucional” que recebo todos os dias no meu
feicebuque. Uma pessoa chegou ao absurdo de me enviar uma mensagem pedindo
explicitamente a volta do AI-5. Jamais serei amigo dessa pessoa, que ignora a
história – e, se não ignora, é um imbecil.
Nós,
da minha geração, que vivemos e sofremos o período militar no Brasil sabemos o
que a intervenção militar significa de fato. Em 1964, justificou-se a
intervenção militar em nome de “Deus, família e propriedade” – e o que se viu
foi um circo de horrores, a censura e a violência institucionalizada.
Intervenção “constitucional” é uma farsa – ou é intervenção ou é
constitucional. As duas coisas não se juntam. Intervenção militar na vida
política é sempre “inconstitucional e antidemocrática” – e aponta inexoravelmente
na direção da ditadura.
6
– Em síntese: as campanhas pró-impeachment ou pró-intervenção militar equivalem
a pular amarelinha em campo minado.
7
- Durante a ditadura militar houve de tudo, inclusive grossa corrupção, que não
eram noticiadas devido a feroz censura nos meios de comunicação – ou estarei
dizendo um absurdo? Lembro-me que, na época, dizia-se, à boca pequena, que os
milicos tinham construído a ponte Rio-Niterói - e levado para casa a
Niterói-Rio. Este é um exemplo, há vários outros. Quanto custou a
Transamazônica, megalômana estrada que iria unir o “nada” ao “lugar nenhum”? E
o custo de Itaipu, alguém sabe? Hoje, pelo menos, a imprensa e as redes sociais
não deixam os rumores de corrupção ser varrido para debaixo do tapete.
8
– Não tenho clareza sobre as possíveis saídas da crise atual. Se Dilma não fosse
tão arrogante e tão prepotente, deveria se dispor a dialogar, mas dialogar
mesmo, com a sociedade, buscando soluções. O diálogo deveria abarcar necessariamente
as oposições. Claro, não há papo possível, por exemplo, com o Bolsonaro, mas
com outras forças oposicionistas a conversa é viável, embora o grau de desconfianças
mútuas seja elevado.
Não
sei se Dilma teria condições de promover o diálogo. Não sei se Dilma dispõe de
autonomia política para buscar esse diálogo. Não sei se a arrogância da
presidente permitiria a construção desse diálogo.
Ao
reler o que escrevi acima, um diabinho soprou ao meu ouvido: Dilma não sabe
dialogar; diálogo não faz parte da sua índole.
9
– Na última vez que Dilma esteve na ONU, ela defendeu o diálogo com o Estado
Islâmico, que degola, explode lojas e restaurantes, mata no varejo e no atacado,
destrói monumentos históricos. Foi uma baita gafe, mas me dá o mote para
encerrar estas notas: se ela é favorável a um diálogo com o Estado Islâmico,
porque não promover um amplo diálogo interno? Creio que todos lucrariam. O
Brasil, principalmente.