Menino
ainda, de calças curtas, eu temia a chegada da sexta-feira santa. Era um dia
que me evocava a cor roxa, o cheiro de lírios, orações em voz baixa. A
sexta-feira era um dia de contrição. As emissoras de rádio suspendiam os
programas profanos – e punham a tocar apenas músicas clássicas, que impregnavam
o ar de tristeza. Ia-se à igreja, onde penitentes ajoelhados rezavam de mãos
postas e cabeça baixa. Veneravam a imagem ferida daquele que veio ao mundo para
nos salvar.
Ninguém
podia rir na sexta-feira santa ou ler revistinhas de sacanagens, que, por
sinal, faziam sucesso em nossas mãos. Ninguém
falava alto, era proibido comer carne (e derivados), tínhamos que caminhar
sem fazer ruído.
Nessa
época, o Velhote do Penedo estudava no Santo Antonio Maria Zaccaria, colégio de
padres barnabitas, na rua do Catete, onde um italianão gordo e sanguíneo, Padre
Guffanti, nos ameaçava, aos berros, com o fogo eterno, caso não obedecêssemos
aos mandamentos e seus sagrados e pios preceitos. A ideia do inferno nos
aterrorizava e paralisada.
Hoje,
encanecido, já não tenho mais medo do inferno: tenho medo dos acontecimentos do
dia a dia, da vida diária em que estamos mergulhados e da qual não temos como
sair. No Rio, no chamado Complexo do Alemão vive-se um ambiente de guerra, um
verdadeiro horror simbolizado na criança estirada no chão, baleada com um tiro
na cabeça, e o desespero da mãe, gritando para um policial militar: “Assassino!
Assassino! Assassino!”
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