sexta-feira, 3 de abril de 2015

Assassino! Assassino! Assassino!

Sexta-feira Santa: ontem e hoje


Menino ainda, de calças curtas, eu temia a chegada da sexta-feira santa. Era um dia que me evocava a cor roxa, o cheiro de lírios, orações em voz baixa. A sexta-feira era um dia de contrição. As emissoras de rádio suspendiam os programas profanos – e punham a tocar apenas músicas clássicas, que impregnavam o ar de tristeza. Ia-se à igreja, onde penitentes ajoelhados rezavam de mãos postas e cabeça baixa. Veneravam a imagem ferida daquele que veio ao mundo para nos salvar.

Ninguém podia rir na sexta-feira santa ou ler revistinhas de sacanagens, que, por sinal, faziam sucesso em nossas mãos. Ninguém  falava alto, era proibido comer carne (e derivados), tínhamos que caminhar sem fazer ruído.

Nessa época, o Velhote do Penedo estudava no Santo Antonio Maria Zaccaria, colégio de padres barnabitas, na rua do Catete, onde um italianão gordo e sanguíneo, Padre Guffanti, nos ameaçava, aos berros, com o fogo eterno, caso não obedecêssemos aos mandamentos e seus sagrados e pios preceitos. A ideia do inferno nos aterrorizava e paralisada.

Hoje, encanecido, já não tenho mais medo do inferno: tenho medo dos acontecimentos do dia a dia, da vida diária em que estamos mergulhados e da qual não temos como sair. No Rio, no chamado Complexo do Alemão vive-se um ambiente de guerra, um verdadeiro horror simbolizado na criança estirada no chão, baleada com um tiro na cabeça, e o desespero da mãe, gritando para um policial militar: “Assassino! Assassino! Assassino!”

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