quinta-feira, 28 de maio de 2015

Quem vai explicar o Brasil


Como vejo o Brasil

O que está acontecendo no Brasil?

Há, pelo menos, três meses o governo está acuado. A presidente evita aparecer em público, pois teme xingos, panelaços e vaias. O desemprego aumenta, a economia estaciona, os juros sobem, os investimentos desabam, a inflação desembesta. O petrolão escandaliza o país, as cifras roubadas somam bilhões de reais e afrontam a população pobre e miserável brasileira. O ajuste, bolado pelo banqueiro Levy, subtrai direitos dos trabalhadores, aumenta impostos e absolve os ricos. Mesmo com o chamado “boom” dos anos Lula, o Brasil segue um país pobre: 70% das famílias têm renda mensal inferior a R$ 2.000,00.

No Congresso, os políticos e os partidos tudo fazem para afundar na desmoralização e no desprezo da sociedade brasileira. Raros são os parlamentares que ainda merecem respeito e reconhecimento dos eleitores. A tônica parece ser a perversão da política.

Mistura-se a tudo isso a violência. Um ciclista é roubado, esfaqueado e morto na Lagoa Rodrigo de Freitas. Três jovens curram uma menina no banheiro de uma escola, em São Paulo. Um cidadão, pacatamente aguardando o ônibus que o levaria para casa, foi cercado por cinco crianças, que, na tentativa de roubar uma corrente de ouro, o esfaquearam quatro vezes. Há um ano, no Guarujá, São Paulo, uma mulher de 33 anos foi linchada – e as imagens da barbárie “bombou” nas redes sociais. 57 mil pessoas foram mortas, em 2013, com violência no Brasil, o que nos levou ao topo do ranking mundial. Em 2014, 481 pessoas foram mortas pela polícia.

O que está acontecendo no Brasil?

Juntar tudo isso – crise econômica, social, política, ambiental, violência generalizada – no balaio, acrescentar as diversas desigualdades (de gênero, racial, regional), a corrupção, a falta de compromisso da população e sua tendência atávica de votar em políticos ordinários, seria tema de análise dos cientistas sociais brasileiros, mas estes carecem de instrumentais para compreender o Brasil. No passado, gente como Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Gilberto Freyre, Manoel Bomfim, Capistrano de Abreu, Darcy Ribeiro, Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros, de uma maneira ou de outra, produziram estudos que tinham, como ponto de partido, o Brasil como problema. Muitos deles tentaram formular teorias que explicassem o Brasil – uma teoria do Brasil.

Mas a crise brasileira é abrangente: é econômica, mas é também cultural. Outro dia, assisti uma entrevista do poeta Affonso Romano de Sant’Anna – e ele afirmou que a crítica literária morreu no Brasil. Em sua opinião, Wilson Martins foi o último crítico brasileiro. É verdade. Mas a crise cultural não atinge apenas a crítica literária. Hoje, no Brasil, só existe dois grandes poetas: Ferreira Gullar e o próprio Affonso Romano de Sant’Anna. Gullar tem 85 anos e Sant’Anna, 78 anos.

Teatrólogos, escritores que escrevam especialmente para teatro, é animal extinto na cultura brasileira. Os grandes teatrólogos, como Nelson Rodrigues, Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Jorge Andrade, Maria Clara Machado, Ariano Suassuna, entre outros, não deixaram herdeiros. Uma penas – especialmente para mim que gosto mais de teatro que de cinema.

Talvez eu esteja pensando numa outra época, que não volta mais, pois hoje o que prevalecem são os aparelhos eletrônicos, a comunicação imediata e irrefletida, os joguinhos tolos – e não a leitura e o teatro de qualidade, para dar dois exemplos.

Brasília, por exemplo, capital da República, só tem um jornal, o Correio Braziliense, cuja qualidade é rasteira e cujos erros – inclusive, de informações – dão vergonha. Outro dia, por exemplo, uma colunista do CB, referindo-se à grande Nise da Silveira, informou aos seus leitores que ela era uma enfermeira carioca. Nísia da Silveira é alagoana e como psiquiatra, que era, iniciou um trabalho de revisão das práticas psiquiátricas utilizadas na década de 1940. Criou o Museu de Imagens do Inconsciente e a Casa das Palmeiras, clínica pioneira em reabilitação de usuários em saúde mental, em regime de externato. O problema é que a colunista do CB não conhecia Nísia da Silveira – e, de quebra, não leu “Memórias do cárcere”, de Graciliano Ramos, que fala sobre ela.

Sou de um tempo em que havia, no Rio de Janeiro, onde eu morava, mais de 20 jornais diários – e como vendiam. Lembro-me da quantidade de gente lendo nos bondes e ônibus urbanos. Hoje, estamos obrigados a escolher entre um ou dois jornais, no máximo, e buscar informações nos noticiários televisivos, que mais desinformam que explicam o que está acontecendo no Brasil.

No Brasil, as discussões, hoje, são maniqueístas. Os do lado de lá e os do lado de cá. Ideologias e posições políticas não existem mais: quando eu vejo o PCdoB unir-se ao PP, PR e outras excrescências para votar contra os direitos do trabalhador sou tomado de um tédio profundo, de uma depressão horrorosa. Coalizão, governabilidade, partidos da base – os políticos são hábeis em usar nomes bonitos para designar baixezas e embustes.

Comecei com uma pergunta e termino com outra: quem se habilita a tentar explicar o Brasil?

Nenhum comentário:

Postar um comentário