Como
vejo o Brasil
O
que está acontecendo no Brasil?
Há,
pelo menos, três meses o governo está acuado. A presidente evita aparecer em
público, pois teme xingos, panelaços e vaias. O desemprego aumenta, a economia
estaciona, os juros sobem, os investimentos desabam, a inflação desembesta. O petrolão
escandaliza o país, as cifras roubadas somam bilhões de reais e afrontam a população
pobre e miserável brasileira. O ajuste, bolado pelo banqueiro Levy, subtrai direitos
dos trabalhadores, aumenta impostos e absolve os ricos. Mesmo com o chamado “boom”
dos anos Lula, o Brasil segue um país pobre: 70% das famílias têm renda mensal
inferior a R$ 2.000,00.
No
Congresso, os políticos e os partidos tudo fazem para afundar na desmoralização
e no desprezo da sociedade brasileira. Raros são os parlamentares que ainda
merecem respeito e reconhecimento dos eleitores. A tônica parece ser a perversão
da política.
Mistura-se
a tudo isso a violência. Um ciclista é roubado, esfaqueado e morto na Lagoa
Rodrigo de Freitas. Três jovens curram uma menina no banheiro de uma escola, em
São Paulo. Um cidadão, pacatamente aguardando o ônibus que o levaria para casa,
foi cercado por cinco crianças, que, na tentativa de roubar uma corrente de
ouro, o esfaquearam quatro vezes. Há um ano, no Guarujá, São Paulo, uma mulher
de 33 anos foi linchada – e as imagens da barbárie “bombou” nas redes sociais. 57
mil pessoas foram mortas, em 2013, com violência no Brasil, o que nos levou ao
topo do ranking mundial. Em 2014, 481 pessoas foram mortas pela polícia.
O
que está acontecendo no Brasil?
Juntar
tudo isso – crise econômica, social, política, ambiental, violência generalizada
– no balaio, acrescentar as diversas desigualdades (de gênero, racial,
regional), a corrupção, a falta de compromisso da população e sua tendência atávica
de votar em políticos ordinários, seria tema de análise dos cientistas sociais
brasileiros, mas estes carecem de instrumentais para compreender o Brasil. No
passado, gente como Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Gilberto Freyre, Manoel
Bomfim, Capistrano de Abreu, Darcy Ribeiro, Oliveira Vianna, Sérgio Buarque de
Holanda, entre outros, de uma maneira ou de outra, produziram estudos que
tinham, como ponto de partido, o Brasil como problema. Muitos deles tentaram
formular teorias que explicassem o Brasil – uma teoria do Brasil.
Mas
a crise brasileira é abrangente: é econômica, mas é também cultural. Outro dia,
assisti uma entrevista do poeta Affonso Romano de Sant’Anna – e ele afirmou que
a crítica literária morreu no Brasil. Em sua opinião, Wilson Martins foi o
último crítico brasileiro. É verdade. Mas a crise cultural não atinge apenas a
crítica literária. Hoje, no Brasil, só existe dois grandes poetas: Ferreira Gullar
e o próprio Affonso Romano de Sant’Anna. Gullar tem 85 anos e Sant’Anna, 78 anos.
Teatrólogos,
escritores que escrevam especialmente para teatro, é animal extinto na cultura
brasileira. Os grandes teatrólogos, como Nelson Rodrigues, Gianfrancesco Guarnieri,
Oduvaldo Vianna Filho, Jorge Andrade, Maria Clara Machado, Ariano Suassuna, entre
outros, não deixaram herdeiros. Uma penas – especialmente para mim que gosto
mais de teatro que de cinema.
Talvez
eu esteja pensando numa outra época, que não volta mais, pois hoje o que
prevalecem são os aparelhos eletrônicos, a comunicação imediata e irrefletida,
os joguinhos tolos – e não a leitura e o teatro de qualidade, para dar dois
exemplos.
Brasília,
por exemplo, capital da República, só tem um jornal, o Correio Braziliense,
cuja qualidade é rasteira e cujos erros – inclusive, de informações – dão
vergonha. Outro dia, por exemplo, uma colunista do CB, referindo-se à grande
Nise da Silveira, informou aos seus leitores que ela era uma enfermeira carioca.
Nísia da Silveira é alagoana e como psiquiatra, que era, iniciou um trabalho de
revisão das práticas psiquiátricas utilizadas na década de 1940. Criou o Museu
de Imagens do Inconsciente e a Casa das Palmeiras, clínica pioneira em
reabilitação de usuários em saúde mental, em regime de externato. O problema é
que a colunista do CB não conhecia Nísia da Silveira – e, de quebra, não leu “Memórias
do cárcere”, de Graciliano Ramos, que fala sobre ela.
Sou
de um tempo em que havia, no Rio de Janeiro, onde eu morava, mais de 20 jornais
diários – e como vendiam. Lembro-me da quantidade de gente lendo nos bondes e
ônibus urbanos. Hoje, estamos obrigados a escolher entre um ou dois jornais, no
máximo, e buscar informações nos noticiários televisivos, que mais desinformam
que explicam o que está acontecendo no Brasil.
No
Brasil, as discussões, hoje, são maniqueístas. Os do lado de lá e os do lado de
cá. Ideologias e posições políticas não existem mais: quando eu vejo o PCdoB
unir-se ao PP, PR e outras excrescências para votar contra os direitos do
trabalhador sou tomado de um tédio profundo, de uma depressão horrorosa.
Coalizão, governabilidade, partidos da base – os políticos são hábeis em usar
nomes bonitos para designar baixezas e embustes.
Comecei
com uma pergunta e termino com outra: quem se habilita a tentar explicar o
Brasil?
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