O romance
policial vive
Enfim, um jovem
escritor que não deseja ser Saramago.
Falo de Raphael
Montes, autor de “Suicidas”, um magnífico romance policial, gênero que nos deu
poucos grandes escritores. Cito três deles: Luiz Lopes Coelho, Rubem Fonseca e
Luiz Alfredo Garcia-Roza.
O surpreendente é
que Raphael Montes tinha 22 anos quando escreveu as 487 páginas que conta a
maneira como nove jovens, universitários da elite carioca, resolveram praticar
uma roleta-russa.
“Suicidas” reúne os
ingredientes próprios do grande romance policial: mistério, lógica, diálogos e
monólogos densos, entrechoque de sentimentos e crime. Tudo isso, no essencial,
se mistura no porão de uma casa de ricaços, pais de um dos suicidas, cenário da
roleta-russa. Mas isto não é nem resume tudo.
Raphael Montes
inova as técnicas tradicionais do romance policial, cujo desenvolvimento, em
geral, é linear: os personagens, a complicação, o crime, as investigações, o
desfecho. Em “Delícias do crime”, Ernest Mandel destaca que o padrão clássico
do romance policial é uma sequência de sete passos criada pela primeira vez por
Edgar Allan Poe e Conan Doyle, o problema, a solução inicial, a complicação, o
estágio da confusão, as primeiras luzes, a solução e a explicação. Em
“Assassinato no Expresso Oriente”, Agatha Christie, reduz a sequência,
mostrando, primeiro, a complicação e o crime, depois os personagens
(testemunhos) e, por fim, a elucidação, ou melhor, duas soluções para o crime,
empurrando a conclusão final para o leitor, tal como faz em “O caso dos dez
negrinhos”. Não é por outro motivo que, segundo Deutscher, Agatha Christie é
chamada de “rainha da impostura”, pois, como acentuou S. S. Van Dine, em “As
vinte regras do romance policial”, o autor deve “jogar limpo” com o leitor, ou
seja, não recorrer a truques baratos. Mas, voltemos ao livro de Raphael Montes.
“Suicidas” mistura
um debate difícil entre as mães dos suicidas, um ano após a roleta-russa,
ocasião em que uma policial lê as anotações feitas por um dos jovens. Em
capítulos alternados, o romance pula das discussões entre as mães, onde todas
se acusam, aos acontecimentos dramáticos vividos pelos jovens, que também se
culpam, se conflitam - e se matam. O final é inesperado – e eu, que gosto de
ler romances policiais (não são diversões escapistas!), confesso que fui
surpreendido. Gostosamente surpreendido.
O romance de Montes
não é político – e, como tal não discute as desigualdades sociais, a crise do
Oriente Médio ou a inflação. Contudo, como bem demonstrou E. Durkheim, o
suicídio é um fato social, e como tal deve ser analisado e interpretado. Em os
“Suicidas”, o social emerge sub-repticiamente quando mostra nove jovens, de
ambos os sexos, universitários e com uma vida pela frente, decidirem deixar de
viver num mundo que eles, sem o dizer de forma clara, não suportam, inclusive
porque não o entendem.
Em “O mito de
Sísifo”, Albert Camus observou que “só há um problema filosófico verdadeiramente
sério: o suicídio”. Os jovens de “Suicidas” não tinham motivos plausíveis para
buscar a morte, mas resolveram se matar pelo simples fato de que a vida não
merecia ser vivida – ponto. Claro, eles não discutem filosofia nem sociologia –
eles, simplesmente, vão se matando, assumem seus desesperos e praticam, entre
si, atos torpes, como a cena em que um dos rapazes estupra uma moça que acabara
de enfiar uma bala na cabeça. Usei a palavra torpe, mas explico: o rapaz amava
a moça, que sempre lhe desprezara e humilhara. Ao vê-la morta, ele a penetra –
e depois também se mata.
Entre aqueles
jovens não há, portanto, compaixão, medo ou arrependimento. Não creem em mais
nada. Estão nervosa e tensamente resignados, embora em alguns momentos
hesitantes.
“Suicidas” é um
grande livro, muito bem escrito e que revelou um mestre. “Suicidas” me
impressionou tanto (e me deu tal satisfação), que, após sua leitura, corri à
livraria e adquiri outro livro de Raphael Montes, que já comecei a ler,
encantado: “Dias perfeitos”.
Enfim, um escritor
com régua e compassos próprios.
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