terça-feira, 29 de março de 2016

Estamos pulando amarelinha em campo minado



A saída por cima de Dilma

O governo Dilma está agonizando, carcomido por uma moléstia irreversível e mortal– que está espalhando, pelo país, o vírus da violência, da discórdia e do ódio. O Brasil está descambando para o perigoso caminho da baderna.

Doente, o país está na UTI, entubado, respira por meio de aparelhos e sobrevive à base de doses maciças de irracionalismo e desespero, enquanto de ambos os lados da cama turbas ensandecidas gritam “fora Dilma” e “abaixo o golpe”, que alguns analistas bisonhos dizem ser os gritos da direita e da esquerda, palavras, aliás, que precisam de redefinição entre nós. No uso comum e vulgar de hoje, elas carecem de contexto específico. A gritaria obviamente agrava o estado do paciente, com a agravante de não apontar saída possível.

Os antigos diziam que o silêncio é de ouro, mas é certo que uns bons berros têm, ao menos, a função profilática da desopilação. Estão todos desopilando seus humores: a maioria sequer sabe por que grita ou, muito menos, entende em profundidade o drama que estamos vivendo. No fundo, estão todos pulando amarelinha em campo minado.  

Ontem, a OAB, entidade que sempre esteve à frente dos grandes momentos políticos do país, protocolou mais um pedido de impeachment contra a presidente Dilma. Amanhã, o PMDB deve anunciar o seu desembarque do governo, decisão que contaminará outros partidos da chamada base. A tendência é que Dilma fique só com o PT e o PCdoB e alguns gatos pingados pendurados em sinecuras estatais.

Qual seria a saída política da crise? Com franqueza, não sei, mas o Velhote do Penedo não é político, não é militante, não é ativista – e, sobretudo, há muito perdeu todas as crenças políticas e ideológicas. Não sou tecnicamente um alienado, pois estou ligado ao que está acontecendo no Brasil.

No meu entender, Dilma deveria renunciar não como o Jânio fez, no arranque e impulsionado por demônios interiores. Ela deveria discutir sua renúncia com lideranças políticas, dirigir-se à nação, defendendo um pacto político. O eixo (nunca mais tinha usado essa palavra!) seria a realização, ainda esse ano de eleições gerais, com a proibição taxativa de que todos indiciados em processos (todos!) seriam inelegíveis. Se Dilma costurasse tal solução, sairia, a meu ver, por cima.

Não haverá saída nem pela esquerda nem pela direita. Dilma, Temer, Eduardo Cunha e Renan são inaceitáveis. A única saída possível seria, portanto, através de um consenso, que impusesse ao Brasil novas eleições.

Ingenuidade minha? Talvez. Mas, de uma coisa tenho certeza: o Brasil e o povo ainda vão sofrer muito, muitíssimo – e quem pensa que não, bem, cala-te boca.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Desilusão cruel


E a ex-atriz, atualmente cantora, Letícia Sabatella, heim?

Lembro-me dela lutando contra a transposição do rio São Francisco, debatendo (e sendo ofendida) com Ciro Gomes sobre a transposição e o número excessivo de ministérios (de Dilma), emocionei-me ao vê-la conversando com D. Luiz Flávio Cappio, que fazia greve de fome contra o projeto.

Pareceu-me uma guerreira – e, devido à sua defesa do Velho Chico, eu a amei perdidamente. Amei os seus olhos, amei a pinta que ela tem no rosto, amei sua voz meiga, amei seus cabelos negros e brilhantes.

Hoje, ela defende o governo da Dilma, defende (ou é indiferente) à corrupção, à incompetência administrativa (que produziu inflação, desemprego, ensino ruim, saúde caindo pelas tabelas, insegurança) e ao número de ministérios. Hoje, deve ser (ó, céus!) a favor da transposição do rio São Francisco, que, como disse um ribeirinho, não está agonizando: “o São Francisco já morreu”.

Lamento. Lamento muito, muitíssimo. Na minha idade, uma desilusão tem o gosto amargo de vida perdida.

Hoje, deprimido e só, vi no feice que ela levantou no Ministério da Cultura (via Lei Rouanet) 1,5 milhão de reais para um show. Não acreditei. Não acredito. Não pode ser. Será que pode? Pior do que mudar de opinião (é um direito, sem dúvida), é ser cooptada dessa maneira, por esse método. Meu mundo caiu, disse, um dia, Maysa.

A minha antiga paixão (distante e platônica) não podia fazer isto com o Velhote, se é que fez. Letícia continua bela, mas não é mais a mesma mulher que eu amei.

Como disse o velho Ari Barroso: “uma cruel desilusão foi tudo que ficou / ficou / prá machucar meu coração”.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Caos no Brasil


Sem saída e mal pagos

Como diria minha avó, estamos num mato sem cachorro.

O governo faliu, a oposição está sem rumo e, sobretudo, não temos saída da crise – pelo menos, eu não vejo saída alguma. E quem diz que vê, está mentindo ou sonhando.

Há alguns meses, eu escrevi que era contra o impedimento da Dilma, não porque não houvesse motivo para isso, mas porque seria algo traumático, que poderia gerar desdobramentos muito sérios. Falei, então, em renúncia – e de um esforço de gerar uma coalizão que livrasse o país da crise e aliviasse o povo de suas consequências. Por fim, acrescentei que isso era apenas uma vontade, um sonho, com tudo de utópico que ele, o sonho, possui. O último líder político do Brasil é Lula, que está sendo investigado e periga ser preso. Só faz sucesso junto à militância. Não temos outro.

Às vezes, leio amigos meus do feice, gente que eu respeito política e intelectualmente, falar em saída da crise pela esquerda, pois a direita já preparou a dela: o golpe. Sempre que leio isso, tenho vontade de chorar.

Primeiro, porque o argumento renova a velha dicotomia direita e esquerda, o que é uma tolice, pois está longe de ter valor explicativo. Muita gente, da velha e da nova esquerda, está contra a Dilma e, com ou sem razão, considera Lula um enganador - ele sim, um sujeito de direita. Discutir os problemas com base em direita e esquerda não demonstra só indigência intelectual, mas – e principalmente – fuga da realidade. Não dá para colocar no mesmo prato gente como Jarbas Vasconcellos e Cristovam Buarque e gente como Bolsonaro e Aécio. Todos são contra a Dilma, mas eles são diferentes entre si. Ou não são?

Segundo, porque não há golpe em andamento. Eu tinha 20 anos em 1964 e por tudo que vi e li a respeito do golpe militar, dois ingredientes são fundamentais: movimentação no meio militar e adesão dos principais governadores. Em 1964, as Forças Armadas dispunham de lideranças marcantes, que lideraram e tocaram a ditadura. Não há isso, no momento, nem parece que vai haver.

Terceiro, porque não há saída pela esquerda possível. Esperar uma eventual saída pela esquerda é sonho. Quem faria? Quem conduziria um projeto econômico de esquerda? Nem mesmo o PT poderia fazer isso, pois há muito perdeu credibilidade.

O que há, nas ruas, é um movimento geral de indignação, independentemente de classe social, raça e posição ideológica: os manifestantes contra o governo estão na rua porque estão indignados com a corrupção e porque se sentem ludibriados por um governo que prometeu bonança, mas produziu inflação, desemprego, péssima educação, péssima saúde e muito desencanto. Claro, Bolsonaro defende o golpe, mas Bolsonaro é uma voz isolada, embora o povo do Rio de Janeiro lhe tenha dado quase 600 mil votos.

Tenho escrito também o seguinte: o PT (e seu reboque, o PCdoB) tornou inviável no futuro nova eleição de um governo verdadeiramente de esquerda. Como dizíamos no passado, o PT queimou a esquerda (como proposta de governo e ideal político) e pôs por terra o ideal socialista. Quem era indiferente à esquerda (e votou no Lula em duas eleições), hoje se transformou em antiesquerdista, pois a esquerda está, hoje, no Brasil, identificado com o PT, que por sua vez tornou-se sinônimo de corrupção, bandalheira e incompetência administrativa.

Quando eu vejo uma manifestação promovida pelo PT, sofro um ataque de enfado e tédio. O PT, em geral, só consegue reunir pessoas a troco de transporte, sanduíche de mortadela e 30 ou 50 paus de pagamento. Militância remunerada. Exceção são os ditos intelectuais e artistas, a maioria dos quais dependem de verbas públicas para produzir. O PT de hoje é uma caricatura de má qualidade do PT de 1980, que defendia a ética.

A ida de Lula para a Casa Civil do governo Dilma não vai servir para nada. Lula não tem condições de colar os cacos de um governo mergulhado na incompetência e na falta absoluta de projeto. O impedimento de Dilma é, hoje, uma possibilidade real.

Em resumo, o Brasil ainda vai gramar muito, a crise vai se aprofundar e quem vai sofrer – e muito – vai ser o povão.


Em tempo

Li, nos últimos dias, algumas declarações de Lula sobre as mulheres (deputadas e assessoras do PT) que mostram bem o caráter do ex-presidente. Não vou repetir as palavras de baixo calão pronunciadas sobre suas “companheiras”, nem falar da insinuação abjeta que ele fez em relação a uma de suas principais assessoras, a senhora Clara Ant. Também não vou defendê-las, pois isso cabe a elas, que, tudo indica, acharam uma graça enorme nas ofensas de Lula. Compostura no PT é coisa rara.