O Brasil teima em ser atrasado
Acho que foi em 2012 ou
2013, não lembro. Um sujeito (não nos conhecíamos) do Ministério da Cultura telefonou-me:
queria conversar comigo. Eu disse que sim. Ele queria que eu participasse da
equipe que iria escrever o Plano Nacional de Cultura. Eu não estava afim – por
isso fiz uma pergunta que ele não esperava: “Quanto você vai me pagar?” O
sujeito aparentemente levou um susto: “Como? Quanto eu vou pagar?” Expliquei:
“Você não ganha pelo seu trabalho? Então é justo que eu seja pago pelo meu trabalho”.
Ele disse que me telefonaria depois. Desliguei - certo que o sujeito não me
ligaria mais. Engano. Dois dias depois ele retornou e me ofereceu uma
remuneração, que achei pouco – e fiz uma contraproposta. Ele aceitou no ato.
Eles queriam que eu
escrevesse um texto sobre a assim chamada “cultura popular”, coisa simples, que
liquidei em alguns dias.
Mas o que eu quero lhes
dizer é que participei de duas reuniões com a “turma” que dominava o Ministério
da Cultura. Numa delas, vi uma cena típica dos tempos: ao meu lado direito, um
sujeito pôs sobre a mesa ostensivamente um chaveiro com a efígie de Trotsky; a
duas pessoas dele, outro sujeito em resposta tinha sobre a mesa um chaveiro que
homenageava Stalin. Pensei comigo: “O que estou fazendo aqui?”
Ouvi mais que falei. O que
ouvi não me agradou. O jargão era o óbvio: desenvolvimento desigual e
combinado, forças produtivas, cultura das elites, cultura do povo, alguém
comentou que tinha lido um artigo sobre Eros Velúsia, uma bailarina que marcou
época no chamado teatro de revista. Outro citou Antônio Cândido, um terceiro falou
em Alfredo Bosi, um sujeito fez a exegese do circo, mas ninguém se pronunciou a
respeito de uma política de cultura.
Bem, para resumir: escrevi
meu texto, recebi o pagamento e nunca mais estive no Ministério da Cultura.
Às vezes, chegavam-me ecos
do acontecia por lá, os quais não me agradavam. O fato é que o MC foi, como
tantos outros ministérios, aparelhado pelo PT e pelo PCdoB, que refletiram na
estrutura burocrática as alas e grupos e subgrupos desses partidos, cada qual
buscando a hegemonia e o domínio sobre os demais. O Ministério da Cultura -
visto de fora - não seguia itinerários administrativos e políticos
determinados, como qualquer unidade da estrutura governamental, mas parecia um
arquipélago de tendências e intenções partidárias. Com um adicional: muitas
decisões eram estapafúrdias.
A liberação de grana
refletia isso. Certa vez, li, espantado, que um poeta de quinta categoria de
Brasília (eu li esse poeta e, por isso, sei exatamente por que ele é de quinta)
foi indicado pelo ministério para “representar os escritores de Brasília na
Feira Internacional de Frankfurt”. Não sei quais os critérios da escolha, mas o
sujeitinho recebeu passagens, diárias e um pagamento adicional, muitas
mordomias. Noutra ocasião, um grupo de escritores recebeu grana para, cada
qual, se instalar numa capital do mundo (sim do mundo!) – e lá, captando o
espírito do lugar, escrever um livro. Não sei também os critérios de escolha,
como não sei se os livros foram escritos. Mas isto talvez não fosse o mais
importante. A intenção talvez fosse cooptá-los, fazer um agrado, sei lá.
Não vou falar a respeito da
Lei Rouanet - tão generosa para com os “amigos” e “aliados”. Outro dia, recebi
no Facebook uma mensagem que listava doze projetos estranhos e absurdos
favorecidos pela Lei Rouanet. Não vou falar sobre eles, mas muitos que nos
últimos dias gritavam contra o impeachment da Dilma constavam da listagem. Uma
das propostas beneficiadas foi uma peça escatológica, onde uns sujeitos, em
círculo, enfiavam o dedo ou o nariz no rabicó dos outros.
Nesses tantos anos petistas,
a chamada intelectualidade brasileira calou-se diante dos descalabros. Alguns –
claro – porque estavam comprometidos e eram beneficiários; outros, não
beneficiários, fizeram boca de siri por razões ideológicas; terceiros, nada
disseram por prudência, talvez receio do patrulhamento que inevitavelmente
viria.
Houve um tempo em que
educação e cultura eram entendidas como complementares e, não, como duas coisas
estanques, uma lá, outra cá. Eram tempos de gente da maior qualidade na sua
direção: Capanema, Carlos Drummond de Andrade (chefe de gabinete de Capanema),
Josué Montello, Augusto Meyer, José Honório Rodrigues, Adonias Filho, Edmundo
Moniz, Edson Nery da Fonseca, José Simeão Leal. Gente que o regime militar afastou.
Gente que desapareceu. Os governos petistas não trouxeram gente equivalente,
mas convocou os chamados “núcleos de cultura” dos partidos dominantes, muitos
dos quais são incapazes de definir cultura.
Todos falam nos danos
econômicos, políticos, na dívida, na inflação, no emburacamento dos Fundos de
Pensão, na corrupção, mas poucos falam nos danos na cultura. Falo de cadeira,
pois jamais recebi um tostão furado pelos livros que escrevi (a não ser meus
direitos autorais), jamais recebi um agrado e, à exceção da minha participação
na elaboração do Plano Nacional de Cultura, recusei todos os demais convites
que me fizeram. Não transformei minha vida intelectual em nenhuma badalação:
não gosto sequer de noites de autógrafos, não participo de rodas, mas duvido
que muitos pseudoescritores que vagam por aí tenham vendido mais livros que eu.
O tal poetastro de quem falei acima não vendeu 1% do que eu vendi.
Reitero não vejo nenhum
problema na volta do velho MEC, desde haja uma faxina e organização da
instituição. Eu seria mais radical: eu, por exemplo, extinguiria o Ministério
da Ciência e Tecnologia, fundiria CNPq e Capes, levava a FINEP para o BNDES. A
fusão CNPq e Capes evitaria que pesquisadores brasileiros, que acham que o
Estado é deles, recebessem, à sorrelfa, bolsas e auxílios de um e outro para o
mesmo projeto.
O Estado brasileiro precisa
ser refeito – e drasticamente reduzido com o fito de ser eficiente e eficaz.
Em tempo (1): Tudo bem que a
participação dos estudantes seja essencial, que eles reivindiquem idem, que
discutam idem, mas é essencial que eles estudem, que o ensino seja severo, que
os professores sejam cultos, preparados e atualizados. Sei que os salários são
baixos, as escolas precárias, mas não será com ocupações, depredações e
agressões, que as coisas vão dar certo ou melhorar. A educação no Brasil, hoje,
é uma vergonha – e parte da culpa cabe aos (àqueles) professores que não honram
a sua profissão e dos estudantes (àqueles) que não estudam.
Em tempo (2): Hoje, vi na TV
uma criança de escola pública dizer o seguinte: “A gente tem que estudar o que
quer, o que a gente gosta - não o que eles querem que a gente estude”. Uma vez
vi um sujeito do MEC (era um coordenador, um quadro intermediário) dizer: “Cada
escola tem que ter o seu currículo definido pela comunidade”. Quando penso nas
revoluções educacionais da Coreia do Sul e do Japão – sinto uma vontade de
chorar copiosamente. O Brasil é um país que se recusa a ser minimamente
civilizado.
Meu caro Conde, muito bom. Uma visão bem real das nossas mazelas. Abraço.
ResponderExcluirÓtimo artigo. Concordo com você: "O Brasil é um país que se recusa a ser minimamente civilizado". Mas os brasileiros se acham os inteligentes, os espertos. Dá pena!
ResponderExcluirFantástico. Verbalizou o que a grande maioria pensa e não escreve por não ter eco. Vou compartilhar seu blog, com os devidos créditos. Queria ter um acesso para que seu texto chegasse aos que podem se movimentar nesse sentido. Valeu. Um abraço.
ResponderExcluirEMOCIONANTE.
ResponderExcluirCaro Ronaldo, muito bom o teu texto. Claro e objetivo. Retrata fielmente os fatos que vêm ocorrendo nessa importante área, mas que foi relegada ao peleguismo, mamatas e irresponsabilidades. A cultura deveria ser usada para dar lustro, informação e independência de pensamento aos mais desfavorecidos.
ResponderExcluirLindo o texto. Li no Blog do Rodrigo Constantino. Parabéns!!!!
ResponderExcluirEmocionante.
ResponderExcluirFabuloso artigo, caro Ronaldo. Obrigado pelo prazer em compartilhar da sua visão. Voltarei sempre.
ResponderExcluirFabuloso artigo, caro Ronaldo. Obrigado pelo prazer em compartilhar da sua visão. Voltarei sempre.
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