Estive no Rio
de Janeiro, onde passei quinze dias. Como faço sempre, andei muito pelo Centro,
pelo Flamengo, Botafogo, Copacabana e Catete. Não gosto de Ipanema, nem do
Leblon. A sofisticação esnobe e jeca dos dois bairros me é insuportável.
No Centro,
andei mais pelo Centro histórico, ou seja, pelas ruas da Carioca, Senhor dos
Passos, praças Tiradentes e da República e Largos da Carioca e do São
Francisco, Cinelândia e adjacências. Não estive na Praça Mauá, nem no Museu do
Amanhã, nem passeei de VLT, um dos tantos investimentos discutíveis da cidade.
Vi muita
coisa no Rio: sujeira, mendicância, carências. O Rio é lindo: suas matas, o
mar, a baía da Guanabara, o arco de montanhas que cerca a cidade (Pão de
Açúcar, Corcovado, Dois Irmãos, para citar algumas apenas). Mas há um contraste
imenso entre a cidade “real” e o cenário natural e harmonioso da cidade. A Baía
da Guanabara, por exemplo. O Velhote do Penedo, rapaz e adolescente, morava na Rua
Senador Vergueiro e com os amigos (como dizíamos, “a turma”) tomávamos banho na
Curva da Amendoeira, um espaço entre a Avenida Ruy Barbosa e a pista da praia
do Flamengo. Com mais precisão: à direita da Praça Cuahtamoque. Naquele tempo,
não havia aterro.
A Baía da
Guanabara não era tão poluída. Tanto que quando nadávamos em direção à Praia da
Urca, víamos golfinhos passeando pela Enseada de Botafogo, onde havia uma
praia, que era frequentada. Hoje, é uma praia deserta, apenas frequentada por
urubus, que se alimentam da sujeira que chega à areia.
Moro em
Brasília, mas hoje não me disponho a residir no Rio. Digo logo: não sou
apaixonado por Brasília, que considero uma cidade sem alma e atrasada
culturalmente. Uma cidade que, com 50 anos, se mostra todos os defeitos das
cidades brasileiras. Mas, o que fazer? Tenho amigos – amigos queridos – no Rio,
com os quais me comunico. Quando penso em sair de Brasília, penso em ir morar
no Penedo. Tenho um primo que possui uma pousada, onde pretendo me instalar um
dia e ficar lendo, escrevendo e ouvindo música. Sou um sujeito que me contento
com muito pouco.
Como disse
antes, o Rio é uma cidade coroada de contradições, onde a vulgaridade campeia,
onde a cultura do “patotismo” é maior que tudo, onde se vive de falsos ideais e
de equivocadas visões do mundo. O carioca – nato ou não – é, sem dúvida, um
tipo simpático, risonho, enfrenta tormentos cotidianos com surpreendente disposição
e certa alegria, mas, no fundo, o carioca é um misto de complacência,
resignação e autocomiseração. Criou-se em torno do carioca o folclore do malandro
esperto, no qual ele acredita piamente.
Não se pense
que não gosto do Rio, que não me sinto bem nas suas ruas e praças. Como vou ao
Rio, no máximo, duas vezes por ano, é fácil eu observar a decadência da cidade
que os moradores da cidade talvez não percebam. Cada vez que vou ao Rio,
concluo que o Rio de hoje não é o meu Rio. Nessa última viagem, andei pela Rua
da Carioca: lojas fechadas, sobrados em franca deterioração. Todos os sebos que
havia na Carioca (eram três) foram fechados, como o foram também dois outros na
Praça Tiradentes. Está certo, estamos em recessão, mas na Rua da Carioca – me
parece – o que está ocorrendo é uma ação planejada: como todos os sobrados da
rua foram tombados, o melhor é deixá-los se acabar – e, no seu lugar, edificar
prédios de escritórios. Bem, mas isto é outra história.
Já registrei
aqui no Facebook uma cena surrealista: na Cinelândia, um grupo de mendigos estava
no chão, coberto de panos e cobertores (estava muito frio). Os transeuntes
passavam - indiferentes e preocupados com os “trombadinhas”, que os espreitavam.
Na Avenida Rio Branco, o VLT estava passando e nas escadarias da Câmara dos
Vereadores, alguns professores (em greve) portavam cartazes que denunciavam o
golpe, exigiam “Fora Temer”. Ali estava, a meu ver, um belo tema de estudo: a
miséria absoluta (os mendigos), a modernização conservadora (o VLT) e a
gritaria da chamada e equivocada esquerda brasileira (os professores, cujos
alunos estão em casa, sem aulas).
Agora pensem
no seguinte: enquanto os mendigos se estiravam nas pedras portuguesas sujas de coco
de pombos, procurando se proteger do frio; enquanto o VLT ligava Praça Mauá ao Aeroporto
Santos Dumont; enquanto professores deixavam as salas de aula para berrar “Temer
golpista”, a “Forbes.com” noticiava que os chineses (sempre eles!) instalaram,
nos últimos seis meses, 20 GW de energia solar – energia solar! – em seu
território, o que equivale a 25% de uma Itaipu. Isto significa que em dois anos
eles terão uma Itaipu “solar” na China.
Triste
constatar que o Brasil fez uma opção clara pelo atraso e pelas cavernas, onde
faremos fogo por fricção.
Lúcida e corrosiva crônica.
ResponderExcluirSou carioca.Vivo o mal estar do visitante nas entranhas,todos os dias. Amo minha cidade, mas aqui adoece minha cidadania.
Abcs
Lúcida e corrosiva crônica.
ResponderExcluirSou carioca.Vivo o mal estar do visitante nas entranhas,todos os dias. Amo minha cidade, mas aqui adoece minha cidadania.
Abcs