terça-feira, 27 de setembro de 2016

O breu ideológico

Ontem, meninos e professores do curso médio paulista fizeram uma alegre passeata pela Av. Brigadeiro Luiz Antônio, em São Paulo. Protestavam contra o quê? Contra a reforma do curso médio. Eu duvido que os meninos tenham lido o texto da reforma ou saibam do que estão reclamando. Os professores, então, nem se fala. Meninos e professores, cerca de umas 150 almas, estavam ali na doce suposição de estar defendendo uma postura ideológica que sequer conhecem. Como disse Marx, “a ignorância nunca foi útil a ninguém”.

O último IDEB mostrou a triste situação do nosso ensino médio. Há oito milhões de meninos matriculados no ensino médio – e estes obtiveram, em conjunto, nota média de 3,7, quando havia a perspectiva de que ela ficasse entre 4,5 e 5,0, o que, de qualquer modo, seria ainda uma média chinfrim. Não esquecer que há outros três milhões de meninos, com idade de cursar o ensino médio, que estão fora das escolas. É triste, mas aqueles meninos e professores que caminhavam pela Av. Brigadeiro Luiz Antônio estavam, no fundo, defendendo a vergonhosa situação do nosso ensino médio.

Não tenho ilusões sobre o Brasil, inclusive porque estou convicto de que gente como os meninos e professores da Av. Brigadeiro Luiz Antonio desejam que o país permaneça atolado no atraso. Os meninos e os professores sabem que a reforma do ensino média iria exigir muito deles - estudar (os meninos) e se reciclarem (os professores). Eles não querem isso: querem protestar, mas protestar sem direção alguma, sem objetivo nenhum, mas apoiado numa ideologia que desconhecem e em partidos e entidades que se especializaram na mentira e no roubo do dinheiro público.

O Brasil jamais sairá do atoleiro porque lhe faltam forças vitais, compromissos com o bem comum e com o futuro e, principalmente, vontade política e projeto nacional. As chamadas esquerdas – velhas, ultrapassadas, viciadas – recusam-se a pensar o Brasil e o mundo com novos referenciais. As esquerdas limitam-se a repetir clichês dos anos 1940 e 1950 – e a passeata da Av. Luiz Antônio é o exemplo mais recente disso.

Repito: não tenho ilusões sobre o Brasil. Estamos cerca de quarenta anos atrás da Coreia do Sul em matéria de educação. É um hiato que não irá ser superado mediante palavras de ordem, clichês e jargões, sejam eles justos ou não. Temos que ter em mente o seguinte: a cada ano o hiato que nos separa da Coreia do Sul aumenta – o que dá a dimensão exata da urgência que precisamos encarar. Os meninos e professores da Av. Brigadeiro Luiz Antonio melhor fariam se construíssem ideias, propostas e participassem seriamente das discussões a respeito. Mas preferem manter-se na inconsequência, no atraso, no breu ideológico.

Falo e escrevo essas palavras raspando com as unhas o que me restou de crença no Brasil. Fiz muita política na minha vida (não vou detalhá-la), fiz duas graduações (sociologia e geografia), mestrado e doutorado. Dei aulas, escrevi doze livros, capítulos de livro, prefácios e ensaios. Política e estudo, leitura e conhecimento, em minha opinião, não se excluem: se complementam. Outro dia, vi um professor do curso de engenharia afirmar que o primeiro ano do curso é gasto ensinando ao aluno regra de três, que o jovem não aprendeu no curso médio. Absurdo? Não, é a realidade brasileira.

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