quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Oposição - e agora?


Bolsonaro é o novo presidente da República. 58 milhões de brasileiros o escolheram. Não vou discutir nem especular sobre o futuro governo. É cedo. Como a campanha é coisa passada, é hora de esfriar a cabeça. De uma coisa estou certo: a democracia não corre nenhum perigo, mas os problemas acumulados do país continuam presentes.
Creio que, agora, é importante começar a discutir a futura oposição ao governo Bolsonaro. Conversei com um amigo petista, que foi peremptório: “vamos invadir terras, prédios, bater muito no Congresso, vamos fazer manifestações, ocupações, vamos pôr o povo na rua”. E concluiu: “temos que aguçar a luta de classes”. Gleisi e Boulos falaram a mesma coisa.
Meu amigo, Gleisi e Boulos não têm poderes para decidir nada, embora os dois últimos sejam dirigentes do PT e do Psol. Todos têm uma visão equivocada de luta de classes e não compreendem que a oposição a Bolsonaro tem que ser, no mínimo, inteligente (e não raivosa ou estúpida), inclusive porque muito mais que oposição a um governo, a tarefa essencial e imediata é a reconstrução da esquerda brasileira. Afinal, quem perdeu as eleições não foi Haddad nem o PT ou o Psol: quem perdeu foi a esquerda, ou seja, todos - partidos e indivíduos - que ainda creem no ideal socialista. A derrota da esquerda não foi apenas eleitoral: foi uma derrota teórica, tática e estratégica. Uma derrota profunda. Uma derrota quase mortal.
No Brasil, a esquerda vem batendo cabeça há anos. Há uma diferença essencial entre o esfarelamento do Partido dos Trabalhadores e a crise da esquerda. O PT foi vítima da sua inépcia e incapacidade de governar o país e da gula excessiva dos seus principais quadros, que viram no governo uma espécie de caixa rápida, onde bastava apertar o botão e recolher a grana. Em treze anos de governo, o PT transformou-se num caso de polícia. E arrastou, com ele, a ideia de esquerda, que passou a ser vista pelos brasileiros como sinônimo de bandalheira e caos administrativo. Os equívocos dos governos petistas produziram 13 milhões de desempregados e quase faliu a Petrobrás.
O ideal socialista foi aprisionado, no Brasil, por gente sem escrúpulos, que repete, há anos, um discurso velho, caquético, inatual. Bem verdade que temos gente como Ruy Fausto que através de artigos, ensaios e, especialmente, do livro “Caminhos da esquerda: elementos para uma reconstrução” (Companhia da Letras, 2017) procura estimular debates com todos aqueles que buscam uma saída para a esquerda. Fausto sabe o que falar e sabe a quem se dirigir. Tanto que alertou na abertura do livro para dois pontos essenciais: primeiro, o projeto de esquerda misturou-se aos mais descarados populismos; é essencial que a esquerda se dissocie da sua sombra vulgar, representado pelo discurso petista. Segundo, a reconstrução da esquerda deve começar pelo reconhecimento de que o atual projeto de esquerda brasileiro nada tem a ver com o que ele representou na origem – daí a necessidade de sua reestruturação.
O primeiro ponto atinge diretamente o PT, que não é partido de esquerda, mas desde sua fundação assumiu essa (falsa) identidade. O PT precisa ser alijado de um eventual projeto de esquerda, inclusive devido aos danos que causa e causou ao tempo em que esteve no governo. Não se nega que haja no PT bons quadros, que defendem posições corretas. Mas estes são minoria – e não apitam diante dos flibusteiros que dominam a máquina partidária.
O segundo ponto defende uma ampla e profunda revisão dos meios e modos que a esquerda adotou nos últimos tempos – e dos quais não soube, não quis e, parece, não quer se livrar. A esquerda viveu enormes vicissitudes, que marcaram a ferro e fogo a sua trajetória mundial. No Brasil, o projeto de esquerda foi sempre conduzido por partidos burocratizados e totalitários.
É preciso, portanto, esfriar a cabeça. Não se trata de aceitar o governo Bolsonaro como fato consumado. Trata-se de responder a pergunta: e agora?
O que eu vejo e leio aqui no Facebook me produz depressão. Vi, inclusive, um amigo meu, professor universitário, marxista-leninista, falar em Satanás, demônio e outras tolices em relação ao futuro presidente. Se a oposição ao Bolsonaro for assim, eu desisto. Vou criar galinhas.

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