Bolsonaro
é o novo presidente da República. 58 milhões de brasileiros o escolheram. Não
vou discutir nem especular sobre o futuro governo. É cedo. Como a campanha é
coisa passada, é hora de esfriar a cabeça. De uma coisa estou certo: a
democracia não corre nenhum perigo, mas os problemas acumulados do país
continuam presentes.
Creio
que, agora, é importante começar a discutir a futura oposição ao governo
Bolsonaro. Conversei com um amigo petista, que foi peremptório: “vamos invadir
terras, prédios, bater muito no Congresso, vamos fazer manifestações, ocupações,
vamos pôr o povo na rua”. E concluiu: “temos que aguçar a luta de classes”. Gleisi
e Boulos falaram a mesma coisa.
Meu
amigo, Gleisi e Boulos não têm poderes para decidir nada, embora os dois
últimos sejam dirigentes do PT e do Psol. Todos têm uma visão equivocada de
luta de classes e não compreendem que a oposição a Bolsonaro tem que ser, no
mínimo, inteligente (e não raivosa ou estúpida), inclusive porque muito mais
que oposição a um governo, a tarefa essencial e imediata é a reconstrução da
esquerda brasileira. Afinal, quem perdeu as eleições não foi Haddad nem o PT ou
o Psol: quem perdeu foi a esquerda, ou seja, todos - partidos e indivíduos -
que ainda creem no ideal socialista. A derrota da esquerda não foi apenas
eleitoral: foi uma derrota teórica, tática e estratégica. Uma derrota profunda.
Uma derrota quase mortal.
No
Brasil, a esquerda vem batendo cabeça há anos. Há uma diferença essencial entre
o esfarelamento do Partido dos Trabalhadores e a crise da esquerda. O PT foi
vítima da sua inépcia e incapacidade de governar o país e da gula excessiva dos
seus principais quadros, que viram no governo uma espécie de caixa rápida, onde
bastava apertar o botão e recolher a grana. Em treze anos de governo, o PT
transformou-se num caso de polícia. E arrastou, com ele, a ideia de esquerda,
que passou a ser vista pelos brasileiros como sinônimo de bandalheira e caos
administrativo. Os equívocos dos governos petistas produziram 13 milhões de
desempregados e quase faliu a Petrobrás.
O
ideal socialista foi aprisionado, no Brasil, por gente sem escrúpulos, que
repete, há anos, um discurso velho, caquético, inatual. Bem verdade que temos
gente como Ruy Fausto que através de artigos, ensaios e, especialmente, do
livro “Caminhos da esquerda: elementos para uma reconstrução” (Companhia da
Letras, 2017) procura estimular debates com todos aqueles que buscam uma saída
para a esquerda. Fausto sabe o que falar e sabe a quem se dirigir. Tanto que
alertou na abertura do livro para dois pontos essenciais: primeiro, o projeto
de esquerda misturou-se aos mais descarados populismos; é essencial que a
esquerda se dissocie da sua sombra vulgar, representado pelo discurso petista. Segundo,
a reconstrução da esquerda deve começar pelo reconhecimento de que o atual
projeto de esquerda brasileiro nada tem a ver com o que ele representou na
origem – daí a necessidade de sua reestruturação.
O
primeiro ponto atinge diretamente o PT, que não é partido de esquerda, mas
desde sua fundação assumiu essa (falsa) identidade. O PT precisa ser alijado de
um eventual projeto de esquerda, inclusive devido aos danos que causa e causou
ao tempo em que esteve no governo. Não se nega que haja no PT bons quadros, que
defendem posições corretas. Mas estes são minoria – e não apitam diante dos
flibusteiros que dominam a máquina partidária.
O
segundo ponto defende uma ampla e profunda revisão dos meios e modos que a
esquerda adotou nos últimos tempos – e dos quais não soube, não quis e, parece,
não quer se livrar. A esquerda viveu enormes vicissitudes, que marcaram a ferro
e fogo a sua trajetória mundial. No Brasil, o projeto de esquerda foi sempre
conduzido por partidos burocratizados e totalitários.
É
preciso, portanto, esfriar a cabeça. Não se trata de aceitar o governo
Bolsonaro como fato consumado. Trata-se de responder a pergunta: e agora?
O
que eu vejo e leio aqui no Facebook me produz depressão. Vi, inclusive, um
amigo meu, professor universitário, marxista-leninista, falar em Satanás,
demônio e outras tolices em relação ao futuro presidente. Se a oposição ao
Bolsonaro for assim, eu desisto. Vou criar galinhas.
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