sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Somos todos democratas


François Villon é um dos grandes poetas franceses da Idade Média. Era um marginal: ladrão, boêmio, beberrão. Por uma rivalidade amorosa, feriu mortalmente um sacerdote e foi obrigado fugir de Paris. Escrevia em francês arcaico e cometia erros de ortografia que eram atribuídos aos seus parcos estudos.
Quem me apresentou ao poeta Villon foi Otto Maria Carpeaux, em artigo que escreveu para mim, que o publiquei numa precária revistinha universitária. Um dos poemas de Villon (“Ballade”) me parece ser uma definição bem precisa do PT. Cito, tal como ele escreveu: “Je congnois tout, fors que moy mesmes” (“Conheço tudo, exceto a mim próprio”).
É verdade. O PT não se conhece, mas tem uma visão generosa de si mesmo. Brizola, que não conhecia Villon, dizia que o PT e Lula eram arrogantes, cuja ideia que tinham de si mesmos impediam que eles vissem corretamente a realidade.
Mas não só sobre isso que eu quero falar. Na minha (longa) vida nunca vi tanto democrata como vejo hoje. Folgo em saber que somos uma pátria que cativa o mais importante bem humano: a liberdade. A turma da Globonews, por exemplo, é toda ela democrata. Democracia é informação correta; por outro lado, informação dúbia, truncada ou propositalmente errada não é democracia: é ditadura midiática. Só que a turma da Globonews não acha isso. É uma turma que prefere a dubiedade à clareza, a truncagem à correção, o erro ao acerto. Mas são todos democratas.
O PT é, hoje, o partido mais democrata do Brasil. Não apoia governos criminosos como os de Maduro, do Ortega e as variadas autocracias e bárbaras ditaduras africanas. O PT é o partido mais interessado em descobrir quem são os assassinos do Celso Daniel, do Toninho do PT, do Roberto do PT (ex-prefeito de Ourolândia, Bahia, que havia feito um pacto de delação sobre um desvio de 7 milhões de reais dos cofres da Petrobrás, repassado ao PT) e quem pagou pelo atentado que quase matou Bolsonaro (a dona da pensão e um hóspede morreram misteriosamente). O PT nada tem a ver com as invasões de terras e com as invasões de imóveis urbanos. O PT é, hoje, o partido mais democrata do Brasil.
Haddad é inteligente, fala 150 línguas, foi o maior prefeito de São Paulo e, se eleito, será o segundo melhor presidente brasileiro, abaixo é claro do seu líder Lula, que se encontra, hoje, encarcerado por ter se apropriado de milhões que não lhe pertenciam. Haddad investiu pesadamente em ciclovias e fez discursos maravilhosos, originais, cheios de verve. Um homem bem-humorado. Sim, Haddad gosta muito de rir. Um dia, o patrão dele, o preso Lula, discursou numa cerimônia de estudantes de primeiro e segundo graus. Em meio ao discurso às crianças, Lula disse que não lia, que não gostava de ler, que ler era chato. Os aspones do PT, sentados ao fundo, riram muito do comentário do capo. Não é mesmo muito divertido um presidente que não lê – e conta isso como uma vantagem? Os aspones riram, mas quem mais riu, claro, foi o Haddad, na época ministro da educação. Ler pra quê, deve ter pensado o homem responsável na ocasião pelo ensino? Melhor que ler autores chatos como Guimarães Rosa, Drummond, Machado, que nada têm a ensinar, é ouvir as sábias prédicas da Gleisi, da Dilma, do Lindenberg. Haddad é um democrata com senso de humor, mas como disse Villon, conhece tudo, exceto a si próprio.

Um comentário:

  1. Que bom que você voltou a escrever. Estava com saudade dos seus textos e preocupado com seu sumiço.

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