Sociologia
não é ciência. É uma tentativa genérica de buscar uma explicação da vida ou de
um fenômeno social. Não há uma sociologia, mas várias dependendo de todos
aqueles que, com maior ou menor talento, fizeram um esforço de explicação da
realidade. O que é difícil de aceitar é que a sociologia seja capaz de nos
indicar o futuro. O futuro é opaco – e se nega a ser decifrado.
Afora
classes sociais, corporações e estamentos, a sociedade humana é um complexo de
pessoas heterogêneas, com biografias individuais, que absorveram em dosagens
variadas ensinamentos e influências, coordenadas por instituições construídas
por quem tem mais poder. A sociedade humana, portanto, é múltipla, modifica-se
constantemente, o que dificulta a sua apreensão. No meu tempo de estudante, o
estudante que se prezava mantinha os livros de Althusser debaixo do braço – sem
lê-lo, claro. Althusser foi superado (e em meio a um acesso de loucura,
confessou nunca ter lido Marx, embora o seu livro mais badalado fosse “Para ler
O Capital”). Vieram os intelectuais da Monthly Review (Paul Sweezy, Leo
Huberman, Harry Magdoff). Mais recentemente tivemos Bourdieu e Foucault. Conto
nos dedos os acadêmicos e os marxistas brasileiros que, de fato, leram Karl Marx.
Não
vejo nenhuma contribuição efetiva de explicação acadêmica do fenômeno
Bolsonaro. Nenhum sociólogo – e todo sociólogo assume que é de esquerda –
escreveu um texto, um comentário, uma frase que possa trazer alguma luz sobre a
questão. Ficam todos repetindo banalidades, lugares comuns, ideias
preconcebidas, jargões e/ou tolices. Em primeiro lugar, a democracia brasileira
não está em perigo, mas pode correr risco se as forças políticas perderem o
juízo – tal como ocorreu em 1964. Lembro-me de Prestes proclamando: “estamos no
governo; agora vamos tomar o poder”. Em março de 1964, uma dada organização
política afirmava que Jango aproveitaria o Comício da Central para dar um
golpe. Não deu, nem pretendia: dezenove dias depois, Jango foi apeado da
presidência. O que dizer quando uma organização política diz uma besteira desse
tamanho?
O
perigo, a meu ver, não está na eventualidade da eleição do Bolsonaro, mas na
fragilidade histórica das instituições brasileiras e na idiotia de parte da
nossa esquerda. Não acredito na possibilidade de golpe, inclusive porque as
forças armadas não são, em si, golpistas. E não têm o menor interesse em aventuras
golpistas.
Quem
tem medo do Bolsonaro? Essa pergunta é essencial, pois vejo apenas o PT e o
petismo como forças que temem – ou têm motivo para temer - o candidato do PSL. A
eleição de Bolsonaro não significará apenas uma derrota do PT, mas o seu
esfarelamento. Não apenas por circunstâncias naturais, mas por uma série de
ações que poderão ser tomadas, no bom sentido, pelo governo Bolsonaro.
Bolsonaro
é um sujeito polêmico, estourado e irritadiço. Diz coisas que muitos pensam,
mas não ousam falar. Fala também coisas que não se fala abertamente. Fala
errado sobre assuntos sérios. Creio que parte do que ele falou é mais jogo de
cena (dele) ou resposta a situações em que ele foi emparedado. Dou um exemplo. Assisti,
por acaso, o episódio entre ele e a deputada Maria do Rosário. Eu e um amigo íamos
passando pelo salão azul da Câmara. Vimos Bolsonaro dando uma entrevista a uma
emissora de TV. De repente, a deputada se aproximou e, interrompendo a
entrevista, chamou o Bolsonaro de “assassino” e de “estuprador”. Bolsonaro
revidou – e aí a Maria do Rosário disse que “dava na cara” do deputado, que
replicou: “se você bater na minha cara, eu dou na sua!” Aí Maria do Rosário fez
o tipo ameaçada e passou a gritar: “O que é isso? O que é isso?” E correu para
plenário, onde aos prantos disse que Bolsonaro havia ameaçado ela. Esse
episódio é usado até hoje contra Bolsonaro.
Claro,
Bolsonaro não é nenhum santo. A defesa que fez do Brilhante Ustra, jogo de cena
ou não, é intolerável e inaceitável. A tortura é crime hediondo. É monstruoso.
Se Bolsonaro for eleito, espero que ele não fale mais em tortura e não cite
mais torturadores – e eu falo isto em benefício de sua gestão e da sua
biografia. A tortura é ainda uma ferida aberta que talvez jamais seja cicatrizada.
A pacificação brasileira passa pelo reconhecimento de que houve tortura.
A
luta armada contra a ditadura foi um erro político, mas tinha legitimidade na
medida que o próprio sistema impediu a ação política de parte expressiva do
povo brasileiro. Sem espaço de luta política, muitos optaram pelas armas. Todos
temos o direito de condenar a tortura, mas é preciso reconhecer que houve também
erros e crimes do lado de lá. Infelizmente, guerra é guerra – e é, em geral, nesse
momento que o homem, segundo Freud, libera o monstro irracional e insano que
ele guarda no seu íntimo inconsciente.
Vi
a pesquisa divulgada hoje pelo Ibope. 46% do eleitorado feminino vota em
Bolsonaro e 40% em Haddad. Bolsonaro ganha em todas as faixas etárias e em seis
capitais nordestinas, inclusive Recife e Fortaleza. O PT transformou-se
definitivamente num partido político dos grotões. São informações sonegadas
pelos nossos comentaristas televisivos. Não só sonegadas: a Sadi, com sua
proverbial desonestidade intelectual, afirmou agora mesmo que as mulheres votam
mais no Haddad.
A
sociedade brasileira e os próximos governos – e não só os de Bolsonaro ou
Haddad – têm um desafio a resolver: como proporcionar empregos de boa qualidade,
até 2030, a cerca de 150 milhões de cidadãos com idade de 15 e 65 anos,
levando-se em conta o avanço tecnológico que facilita nossas vidas e devora
empregos. É nisso que temos de pensar.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaro Ronaldo, Muito bom o seu artigo e não só este. Você sabe que sou um leitor assíduo de seus artigos, embora nem sempre concorde com eles inteiramente. Mas isto faz parte e é necessário ao crescimento intelectual do ser humano. Bom, votei/votarei no Jair Messias Bolsonaro após ler os documentos de quatro candidatos, entregues ao TSE, e compará-los entre si e ouvir os seus pronunciamentos durante a campanha. Não me deixou dúvida sobre a expressão da verdade de cada um deles nesses pronunciamentos. O Bolsonaro os venceu de goleada. Seu artigo me reforçou este convencimento. Espero, caso ele vença a eleição, que faça um bom e equilibrado governo e que voltemos a sonhar com um Brasil melhor, especialmente para os seus habitantes.
ResponderExcluir✔👍
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