terça-feira, 16 de outubro de 2018

Quem tem medo do Bolsonaro?


Sociologia não é ciência. É uma tentativa genérica de buscar uma explicação da vida ou de um fenômeno social. Não há uma sociologia, mas várias dependendo de todos aqueles que, com maior ou menor talento, fizeram um esforço de explicação da realidade. O que é difícil de aceitar é que a sociologia seja capaz de nos indicar o futuro. O futuro é opaco – e se nega a ser decifrado.
Afora classes sociais, corporações e estamentos, a sociedade humana é um complexo de pessoas heterogêneas, com biografias individuais, que absorveram em dosagens variadas ensinamentos e influências, coordenadas por instituições construídas por quem tem mais poder. A sociedade humana, portanto, é múltipla, modifica-se constantemente, o que dificulta a sua apreensão. No meu tempo de estudante, o estudante que se prezava mantinha os livros de Althusser debaixo do braço – sem lê-lo, claro. Althusser foi superado (e em meio a um acesso de loucura, confessou nunca ter lido Marx, embora o seu livro mais badalado fosse “Para ler O Capital”). Vieram os intelectuais da Monthly Review (Paul Sweezy, Leo Huberman, Harry Magdoff). Mais recentemente tivemos Bourdieu e Foucault. Conto nos dedos os acadêmicos e os marxistas brasileiros que, de fato, leram Karl Marx.
Não vejo nenhuma contribuição efetiva de explicação acadêmica do fenômeno Bolsonaro. Nenhum sociólogo – e todo sociólogo assume que é de esquerda – escreveu um texto, um comentário, uma frase que possa trazer alguma luz sobre a questão. Ficam todos repetindo banalidades, lugares comuns, ideias preconcebidas, jargões e/ou tolices. Em primeiro lugar, a democracia brasileira não está em perigo, mas pode correr risco se as forças políticas perderem o juízo – tal como ocorreu em 1964. Lembro-me de Prestes proclamando: “estamos no governo; agora vamos tomar o poder”. Em março de 1964, uma dada organização política afirmava que Jango aproveitaria o Comício da Central para dar um golpe. Não deu, nem pretendia: dezenove dias depois, Jango foi apeado da presidência. O que dizer quando uma organização política diz uma besteira desse tamanho?
O perigo, a meu ver, não está na eventualidade da eleição do Bolsonaro, mas na fragilidade histórica das instituições brasileiras e na idiotia de parte da nossa esquerda. Não acredito na possibilidade de golpe, inclusive porque as forças armadas não são, em si, golpistas. E não têm o menor interesse em aventuras golpistas.
Quem tem medo do Bolsonaro? Essa pergunta é essencial, pois vejo apenas o PT e o petismo como forças que temem – ou têm motivo para temer - o candidato do PSL. A eleição de Bolsonaro não significará apenas uma derrota do PT, mas o seu esfarelamento. Não apenas por circunstâncias naturais, mas por uma série de ações que poderão ser tomadas, no bom sentido, pelo governo Bolsonaro.
Bolsonaro é um sujeito polêmico, estourado e irritadiço. Diz coisas que muitos pensam, mas não ousam falar. Fala também coisas que não se fala abertamente. Fala errado sobre assuntos sérios. Creio que parte do que ele falou é mais jogo de cena (dele) ou resposta a situações em que ele foi emparedado. Dou um exemplo. Assisti, por acaso, o episódio entre ele e a deputada Maria do Rosário. Eu e um amigo íamos passando pelo salão azul da Câmara. Vimos Bolsonaro dando uma entrevista a uma emissora de TV. De repente, a deputada se aproximou e, interrompendo a entrevista, chamou o Bolsonaro de “assassino” e de “estuprador”. Bolsonaro revidou – e aí a Maria do Rosário disse que “dava na cara” do deputado, que replicou: “se você bater na minha cara, eu dou na sua!” Aí Maria do Rosário fez o tipo ameaçada e passou a gritar: “O que é isso? O que é isso?” E correu para plenário, onde aos prantos disse que Bolsonaro havia ameaçado ela. Esse episódio é usado até hoje contra Bolsonaro.
Claro, Bolsonaro não é nenhum santo. A defesa que fez do Brilhante Ustra, jogo de cena ou não, é intolerável e inaceitável. A tortura é crime hediondo. É monstruoso. Se Bolsonaro for eleito, espero que ele não fale mais em tortura e não cite mais torturadores – e eu falo isto em benefício de sua gestão e da sua biografia. A tortura é ainda uma ferida aberta que talvez jamais seja cicatrizada. A pacificação brasileira passa pelo reconhecimento de que houve tortura.
A luta armada contra a ditadura foi um erro político, mas tinha legitimidade na medida que o próprio sistema impediu a ação política de parte expressiva do povo brasileiro. Sem espaço de luta política, muitos optaram pelas armas. Todos temos o direito de condenar a tortura, mas é preciso reconhecer que houve também erros e crimes do lado de lá. Infelizmente, guerra é guerra – e é, em geral, nesse momento que o homem, segundo Freud, libera o monstro irracional e insano que ele guarda no seu íntimo inconsciente.
Vi a pesquisa divulgada hoje pelo Ibope. 46% do eleitorado feminino vota em Bolsonaro e 40% em Haddad. Bolsonaro ganha em todas as faixas etárias e em seis capitais nordestinas, inclusive Recife e Fortaleza. O PT transformou-se definitivamente num partido político dos grotões. São informações sonegadas pelos nossos comentaristas televisivos. Não só sonegadas: a Sadi, com sua proverbial desonestidade intelectual, afirmou agora mesmo que as mulheres votam mais no Haddad.
A sociedade brasileira e os próximos governos – e não só os de Bolsonaro ou Haddad – têm um desafio a resolver: como proporcionar empregos de boa qualidade, até 2030, a cerca de 150 milhões de cidadãos com idade de 15 e 65 anos, levando-se em conta o avanço tecnológico que facilita nossas vidas e devora empregos. É nisso que temos de pensar.

3 comentários:

  1. Caro Ronaldo, Muito bom o seu artigo e não só este. Você sabe que sou um leitor assíduo de seus artigos, embora nem sempre concorde com eles inteiramente. Mas isto faz parte e é necessário ao crescimento intelectual do ser humano. Bom, votei/votarei no Jair Messias Bolsonaro após ler os documentos de quatro candidatos, entregues ao TSE, e compará-los entre si e ouvir os seus pronunciamentos durante a campanha. Não me deixou dúvida sobre a expressão da verdade de cada um deles nesses pronunciamentos. O Bolsonaro os venceu de goleada. Seu artigo me reforçou este convencimento. Espero, caso ele vença a eleição, que faça um bom e equilibrado governo e que voltemos a sonhar com um Brasil melhor, especialmente para os seus habitantes.

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