Fazer
política no Brasil é ter vocação suicida.
Sabemos
que, ao longo do tempo, houve uma deterioração da vida política brasileira, ao
ponto de Sarney ser definido como “inatacável” pelo Lula, que foi definido, em
seguida, como “o grande líder da organização criminosa”, segundo as delações
que correm por aí.
Artistas
e intelectuais perderam a vergonha, e passaram a defender descaradamente bocas,
boquinhas e grandes bocas – e a isto chamam de defesa de democracia e da
cultura. Palavras como direita e esquerda não só perderam o sentido, como se
mesclaram, produzindo um tipo de posicionamento político que aceita e convive
com canalhices variadas. Impeachment de uma presidente incompetente, que nos
conduziu a uma crise econômica de difícil solução, que desrespeitou a
Constituição, ganha o nome de golpe, o que é, antes de tudo, uma leviandade
sociológica e gramatical. Intelectuais e acadêmicos repetem a tolice como se
estivessem recitando um dogma religioso.
Acadêmicos
das áreas sociais, absolutamente estacionados no tempo, são incapazes de
elaborar estudos que expliquem o Brasil. Gostam de repetir fórmulas superadas,
conceitos inadaptados a um mundo tecnológico, no qual os meios eletrônicos de
comunicação desempenham papéis nunca antes imaginado. Darcy Ribeiro nos deixou
dois estudos importantes: “O povo brasileiro” e “O Brasil como problema”. Tais
estudos, pioneiros e ousados, ficaram por aí: nenhum gênio brasileiro se
interessou em aprofundá-los.
Quando
uma pobre adolescente é currada por um bando de desajustados e infelizes ou uma
criança de três anos é violentada por seu padrasto, muitos se dão conta que a
sociedade brasileira está enferma, muito enferma, pois já houve casos iguais,
muitos, e tão escabrosos, em todo o território brasileiro. Claro, queremos que
os delinquentes sejam punidos – e severamente. Quando digo severamente estou me
candidatando ao bullying dos pretensos defensores dos recursos humanos – para quem
criminosos, estupradores e assassinos são recuperáveis mediante bons conselhos.
Mas
os crimes, sejam os de colarinho branco, sejam os demais, continuarão a prosperar,
pois ninguém, na verdade, se interessa em saber a origem de tudo isso. Somos um
povo que adora o lugar comum, nunca a busca inteligente de explicações e
saídas. Nenhuma universidade brasileira consta da lista das 200 melhores
universidades do mundo. Pensamos pouco. É muito melhor repetir chavões e
lugares comuns.
Somos
um país que vive de fantasias, muitas sobre nós mesmos, que custam caro e
penalizam os mais pobres. Todos sabiam que a Copa do Mundo e as Olimpíadas, por
exemplo, iriam nos custar o olho da cara, iriam permitir desvios e superfaturamentos
e nos tornar donos de imensos “elefantes brancos”. Todos sabiam, mas todos
acharam e acham “bacana” sermos anfitriões de jogos que nos custaram (e custam)
um mundo de grana. Os milhões de desempregados, os infectados por mosquitos
vagabundos, os analfabetos absolutos ou funcionais não entraram nas nossas
cogitações.
Somos
todos culpados, sobretudo aqueles que se sentem portadores de verdades
históricas irremovíveis, próprias do século XIX. Enquanto alguns ficam gritando
contra o suposto “golpe” que apeou do poder um governo apodrecido e inepto, 12
milhões de brasileiros estão desempregados, 60 milhões são inadimplentes,
milhares estão fora da escola, pois as escolas são ficções educacionais, ruins
e superadas, os hospitais públicos assemelham-se a pardieiros ou a campos de
concentração, onde pessoas morrem nos corredores ou na fila de espera. 44% da
população do Brasil não lê; 30% nunca comprou na vida um livro sequer; 74% não
adquiriu um livro nos últimos três meses. Livrarias estão fechando, mas poucos
são os que se incomodam com isso: preferem shoppings. Enquanto isso, a filha de
Luiza Trajano, dona da rede de lojas Magazine Luzia, recebeu meio milhão, via
Lei Rouanet, para fazer um livro de receita. Maria Betânia recebeu um milhão e
meio para fazer um espetáculo em que recitava poemas. O projeto “Shows de
Cláudio Leite” papou 5,8 milhões e a “Turnê de Luan Santana”, 4,1 milhões. Até
casamentos receberam recursos da lei. Quando o novo governo diz que vai rever
os mecanismos da Lei Rouanet, pilantras saem a campo afirmando que a cultura
está ameaçada. Alguma coisa realmente está errada no país do futuro, que atolou
no presente – e dele não quer sair.
Somos
um povo que convivemos com a miséria, a estupidez, a ignorância e a violência,
achando que temos só direitos, nenhuma obrigação ou dever ou responsabilidade.
Herdamos e cultivamos ódios, ressentimentos, ressaibos, lutas sem sentido,
preconceitos e adoramos repetir trivialidades. Somos um povo generalizadamente
desinformado, mas gostamos de palpitar sobre tudo. Li, há tempos, um artigo de
José Sarney na Folha de S. Paulo, em que ele, do alto de sua sabedoria,
condenava – vejam! - a corrupção. Certa vez, vi, na TV, uma jogadora de
basquete palpitando sobre tráfego aéreo. Não desejamos qualidade, mas quantidade.
Não acreditamos no mérito, mas no jeitinho. Não gostamos de cumprir papéis, mas
de ver gente fazendo o que deveríamos estar fazendo. Não desejamos o saber nem
o conhecimento, mas o lugar comum, o clichê. Não amamos virtudes – e, sim, o
nepotismo, o fisiologismo e a canalhice, inclusive o nepotismo, o fisiologismo
e a canalhice disfarçados.
A
maioria do povo brasileiro não vive, mas, como disse Cláudio Abramo, sobrenada.
Com
estas amargas reflexões, encerro por hoje. A vida brasileira é repetitiva, mas
como escreveu Dias Gomes numa peça famosa, “no passado, pelo menos éramos
campeões do mundo!” Hoje, estamos condenados ao 7 x 1 do Felipão e às prédicas
tolas do Tite.
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