domingo, 20 de janeiro de 2019

Não há incompatibilidade entre teoria evolucionista e crença religiosa


A mim me parece que a mídia e o meio acadêmico elegeram a ministra Damares Regina Alves como o elo fraco do governo, a ser combatido sem descanso. Vejo jornalistas e acadêmicos deitarem sapiência a partir de frases da ministra, como se eles fossem a cume do saber filosófico – ou, como diz o neto do Velhote do Penedo, os “reis da cocada preta”. Muitos acadêmicos e muitos jornalistas gostam de palpitar sobre o que não sabem ou sabem superficialmente. Alguns deles eu conheço pessoalmente, e manjo como eles agem.
O Brasil não tem uma oposição política capaz de propor e debater alternativas às políticas governamentais. Dias atrás, li, com espanto, um artigo de um economista cujo título diz tudo: “A burrice no poder”. O economista, que se assume como importante intelectual, adotou a categoria “burrice” para explicar a visão dos outros, dos inimigos, dos adversários, dos que não pensam como ele, pois a dele seria enquadrada (e o foi, por ele mesmo, claro) na categoria “inteligência”. Na opinião do economista, políticas não concatenadas à esquerda não funcionam – e, com um exemplo, pontifica: “austeridade é burrice”. Inteligência, segundo o economista, seria o esbanjamento, a gastança, o déficit. Segundo ele, é disso que o capitalismo gosta.
É assim que a chamada esquerda brasileira vê aqueles que eles enquadram no campo da direita. Esquerda seria sinônimo de inteligência; direita, de burrice. Assim caminha a humanidade, assim o mundo se explica, assim a esquerda brasileira será engolida por Bolsonaro.
Li, hoje, uma postagem no Facebook em que o redator fala do suposto despreparo do Bolsonaro (usou, inclusive, a palavra “burrice”), lamentando, de antemão, o papel ridículo que ele fará em Davos. Bobagem. Nenhum chefe de governo vai a uma reunião dessas sem um corpo de assessores que o oriente e, inclusive, escreva seus depoimentos. Aliás, o principal desse tipo de reunião ocorre nos bastidores, onde ministros e assessores debatem e fazem os seus acertos. Acordos nascem sempre em tais ambientes fechados.
Creio que os partidos, jornalistas e acadêmicos que se apresentam como de esquerda foram surpreendidos com a vitória de Bolsonaro, mas, por pura arrogância, não admitem isso – e transformaram em ódio a sua frustração política. Foram a nocaute – e não sabem o que fazer, a não ser debater picuinhas, miudezas – e, vemos agora, lançar sobre os vencedores o epíteto de “burros” com a autoridade própria dos “inteligentes”. Soube hoje que a modelo Giselle Bündchen, que certamente jamais leu um livro, acusou o atual governo de pregar e estimular o desmatamento. A brasileirada que se apresenta como donatária das questões ambientais ganhou, enfim, uma líder – com a vantagem de ser bonita, rica, sensual e viver nas doçuras europeias. O Velhote do Penedo lamenta apenas que, na era PT, época em que foram desmatados quase 300 mil quilômetros quadrados, a ambientalista Bündchen tenha mantido um silêncio ensurdecedor sobre o assunto. Percebam o seguinte: os 300 mil quilômetros quadrados desmatados na era PT equivalem às áreas somadas dos estados do Paraná (199 mil) e Santa Catarina (95 mil). Onde estavam os ambientalistas e os sustentabilistas enquanto tal monstruosidade ocorria? Onde estão os ambientalistas e os sustentabilistas que não denunciam a destruição do baixo Rio São Francisco, agravada com as obras insanas da transposição?
Em mais de 13 anos no poder, o PT não levou a cabo nenhum grande projeto, a não ser aqueles sustentados em estatísticas manipuladas por economistas partidários e nas mágicas dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, os quais estão, desde março de 2017, cumprindo pena de prisão domiciliar. O PT sequer fez a reforma agrária, projeto que esteve sempre na linha de frente do discurso petista. Os sem-terra que no início do governo Lula estavam acampados à beira de estradas, continuam por lá, à míngua. Mas o tiro de misericórdia que matou o PT, no entanto, foi o lodaçal de corrução no qual se atolou – e afundou.
A última carga contra a ministra Damares teve como mote algo que ela disse em 2003 ou 2013 sobre a teoria evolucionista ter chegado às escolas. Notem: uma frase tola, sem profundidade, que não significa nada, mas que deu pretexto a uma enxurrada de tolices e infantilidades. Uma frase que, por sua desimportância, não mereceria crítica ou comentário.
As convicções religiosas da ministra são pessoais – e ela, aceitemos ou não, tem o direito de ser católica, protestante, budista, vascaína, umbandista, vegetariana, vegana, fumante, pastora e ministra. O que se espera da ministra é que ela seja eficiente em assuntos da mulher, família e direitos humanos, que são, estes sim, os objetivos da pasta que lhe cabe gestar. Otto Maria Carpeaux, Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), Hélio Silva, extraordinários intelectuais, eram religiosos e criam em Deus – e seria estupidez negar qualidade e mérito em seus livros e opiniões.
O próprio Charles Darwin reconheceu que religião e evolucionismo não se misturavam e, mais ainda, não se excluíam. Vejam o que ele escreveu em “A origem das espécies”:
“Quanto aos meus sentimentos religiosos, acerca dos quais tantas vezes me têm perguntado, considero-o como assunto que a ninguém possa interessar senão a mim mesmo. Posso adiantar, porém, que não me parece haver qualquer incompatibilidade entre a aceitação da teoria evolucionista e a crença em Deus”.
Darwin jamais opôs ou conciliou seus estudos científicos à religião que professava. Jamais fez proselitismo político ou científico – nem procurou explicar a evolução natural como produto da engenhosidade de Deus, que teria dado à natureza “poderes” de evoluir e se transformar.
O Velhote do Penedo conheceu e conviveu com inúmeros cientistas das áreas naturais, biológicas, físicas e químicas, que jamais negaram a existência de Deus e da importância da religião na vida das pessoas. Não são poucos os cientistas e filósofos da antiguidade ou clássicos que jamais esconderam a sua religiosidade. Descartes e Galileu eram cristãos confessos. Max Planck, físico alemão, pai da física quântica e ganhador do Prêmio Nobel de 1928, foi taxativo:
“Para onde quer que se dilate o nosso olhar, em parte alguma vemos contradição entre Ciências Naturais e Religião; antes, encontramos plena convergência nos pontos decisivos”.
Karl Marx, ao afirmar que a “religião é o ópio do povo”, não estava rotulando a religião como mecanismo de dominação ideológica ou instrumento de subordinação política. Os partidos comunistas adotaram o materialismo – ou o ateísmo – como única linha filosófica articulada ao marxismo. Em alguns momentos, inclusive, foram perseguidos e punidos os comunistas e simpatizantes que não se assumissem ateus. O obscurantismo e a intransigência ideológica eram traços marcantes dos partidos comunistas.
Marx chegou a dizer que a religião era “uma realização fantástica da essência humana”, pois se tornara a razão geral de consolo e justificação face um mundo cruel, “um mundo sem coração, pelo espírito de uma época sem espírito, pela miséria real”. A religião não seria, portanto, um mecanismo de alienação humana, oposta ao marxismo, mas um refúgio humano contra as mazelas da vida. “A angústia religiosa”, acentuou Marx, “é ao mesmo tempo a expressão da dor real e o protesto contra ela. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, tal como o é o espírito de uma situação sem espírito”. A comparação da religião com o ópio e a visão de que a religião incapacita o homem a enfrentar a realidade é equivocada, típica de um compreensão torta do fenômeno social. Quando se lê Marx, aprende-se muita coisa.
A comparação da religião com o ópio já aparece em escritos de Immanuel Kant, Johann Herder, Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer, Heinrich Heine. Este último, em 1840, no seu ensaio sobre Ludwig Börne, observou:
“Bendita seja a religião, que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança”.
Se a religião, tomada como uma compreensão imutável da vida, bloqueou durante séculos o avanço do conhecimento, não se pode esquecer, ou deixar de lado, a intransigência dos heréticos comunistas, como bem lembrou A. da Silva Mello, em “Religião: prós e contras”, cujos métodos e propaganda “é uma repetição do que ocorreu em épocas de intolerância religiosa”.
Enfim, a teoria da evolução chegou às escolas, disse Damares, e isto é verdadeiro. Perfeito. Mas o Velhote do Penedo se sente no direito de perguntar: era necessário, em contrapartida, expulsar o ensino e o debate religioso do nosso convívio?  Por que não introduzir o ensino e o debate religioso, de modo a entendermos a religião como um protesto e uma forma de refúgio contra a miséria real em que o homem vive?

2 comentários:

  1. Nada como ter profunda cultura. Você falou tudo o que sinto, mas, jamais eu teria a erudição de expor meus sentimentos em palavras. Parabenizo-me por conhece-lo. Beijos neydealdebaran125@gmail.com

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  2. Brilhante artigo! À semelhança do "burro" Reagan, desprezado pela "intelectualidade", o "burro" Bolsonaro fará o governo que o país merece e calará para sempre a esquerda, esta sim, verazmente burra!

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