Jornal do Velhote do Penedo
Número
3
Segunda-feira,
12 de agosto de 2013
Um jornal a serviço de ideias desabusadas
Editorial
Um
amigo meu, veterano jornalista de Brasília, costuma dizer que a ditadura militar
(1964-1985) agravou as mazelas históricas do Brasil. O Velhote do Penedo
concorda com ele – e diz mais: o golpe militar bagunçou o processo histórico
brasileiro, que, apesar de tudo o que se possa dizer a respeito, tinha um rumo,
um sentido, uma orientação, que nos levaria, certamente, a um cenário
socioeconômico bem melhor e menos injusto que o atual.
O
golpe militar de 1964 foi desfechado contra o presidente João Goulart, mais
especificamente contra o seu projeto de reformas de base, que incluíam, entre
outras, a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma do ensino, a reforma
bancária e a reforma política. A verdade é que as elites brasileiras e os
interesses multinacionais instalados no Brasil temiam – e com razão – que as
reformas afetassem seus privilégios, e foram buscar nas Forças Armadas os meios
de impedi-las. Vivíamos, nos anos 1960, a época auge da guerra fria – e na
cabeça dos milicos lutar contra as reformas de base era a maneira tupiniquim de
lutar contra o comunismo.
A
reforma agrária proposta pelo Governo Jango tinha dois objetivo principais: 1) fixar
o rurícola no campo, impedindo, assim, o inchaço desmesurado das cidades; 2) criar
um imenso mercado interno, o que favoreceria principalmente as indústrias de
bens de consumo, predominantemente nacionais.
Cabe
lembrar que, no início dos anos 1960, o grosso da população brasileira vivia no
campo – e grande parte dela em condições sub-humanas, daí o projeto generoso de
dotar os rurais de um pedaço de chão de onde pudesse produzir e extrair da
produção o seu sustento digno. Com o golpe militar de 1964, que esmagou os
ideais reformistas do governo deposto, ocorreu forte migração campo-cidade, ao
ponto de chegarmos aos índices dos dias atuais, em que menos de 20% dos
brasileiros são residentes no campo. Em contrapartida, favelas e guetos
enxamearam as cidades brasileiros, criando situações que hoje beiram a
catástrofe social.
As
cidades brasileiras, principalmente as metrópoles, são o caos que são devido,
principalmente, a falta de reforma agrária, que deveria ter sido feita no
Brasil há, pelo menos, 50 anos.
As
chamadas reformas de base não eram meros discursos políticos, como são os
discursos da “tia” Dilma; elas formavam um conjunto estruturado de projetos e
programas que visavam, de fato, transformar o Brasil, dotando-o de condições
que o levassem ao desenvolvimento pleno e harmonioso, em benefício de todo o
povo brasileiro.
O
golpe militar de 1964 implantou a ditadura no Brasil e soterrou as reformas de
base. O presidente João Goulart foi para o exílio, onde faleceu em
circunstâncias misteriosas. A imagem que passou a prevalecer sobre Jango foi
aquela criada por seus inimigos e por alguns intelectuais vesgos de tanta
admiração pelos países centrais e pelas teorias que não nos explicam. Todavia,
nada do que se falou (e ainda se fala) sobre Jango foi casual ou fruto de erro
de análise.
Os
militares (e seus aliados civis) afirmavam, por exemplo, que o Governo Jango
era uma soma de corrupção desenfreada, demagogia, caos econômico e subversão da
ordem. Nada do que ele fizera tinha valor. As chamadas esquerdas
revolucionárias enxergaram no apoio e na aliança do presidente com o movimento
sindical uma manifestação de peleguismo e paternalismo, cujo objetivo seria o
de alienar os trabalhadores dos seus interesses. Intelectuais equivocados,
incapazes de compreender o que de fato estava ocorrendo no Brasil, formularam a
teoria do populismo, cujo conceito nem eles mesmos conseguiram decifrar e
definir. Populismo tornou-se tudo aquilo que tais intelectuais, por uma razão
ou outra, não entendiam ou discordavam.
Os
jovens de hoje pouco sabem sobre Jango e sobre o seu governo e as reformas de
base. Os jovens não sabem que a ditadura militar foi construída no Brasil para
impedir que as reformas de base dessem partida à transformação do Brasil,
permitissem a inclusão social de enormes parcelas do povo brasileiro e
lançassem as bases de um futuro (hoje!) bem diferente do que somos.
As
manifestações populares recentes trouxeram à baila a ideia e a necessidade de
reformas profundas na sociedade brasileira, muitas delas, como a reforma
política e a reforma urbana, ainda hoje necessárias e reclamadas pelo povo
brasileiro. Nas ruas, os brasileiros estão exigindo tudo aquilo que não foi
feito nos últimos 50 anos, desde a deposição de Jango. Com os agravantes
naturais de um atraso de meio século.
Como
resolver os problemas urbanos de São Paulo e Rio de Janeiro, metrópoles de 20 e
10 milhões de habitantes? Como dotar tais metrópoles de hospitais e escolas
eficientes? Como desatar o nó do trânsito permanentemente congestionado das
metrópoles brasileiras? Como enfrentar a questão da segurança em São Paulo e no
Rio de Janeiro? Como tornar a educação e a saúde dignas? Como expelir da vida
política brasileira a politicalha indecente que domina os poderes constitucionais
do país. As questões são muitas, intrincadas e difíceis.
A
verdade é uma só: fazer hoje o que devíamos ter feito há 50 anos não é tarefa
simples. Mas temos que lutar pelas reformas. O povo deve voltar às ruas – e
encostar os dirigentes e os corruptos contra a parede.
Tomem nota e não
esqueçam
Hoje
já se pode ler alguns livros de boa qualidade sobre João Goulart. Mas o Velhote
do Penedo prefere citar aqui três documentários imperdíveis sobre o governo
Jango, sobre as circunstâncias que cercaram a sua deposição, inclusive sobre a
interferência direta do governo dos Estados Unidos, através do embaixador
Lincoln Gordon, naqueles acontecimentos.
Jango
– Silvio Tendler (1984)
O
dia que durou 21 anos – Camilo Tavares (2012)
Dossiê
Jango – Paulo Henrique Fontenelle (2012).
Violência extrema
Um
dia, o Velhote do Penedo fez a seguinte pergunta a uma de suas alunas: Quantos
homicídios seus filhos já viram? A aluna levou um susto, e respondeu: Nenhum,
professor!
Pois
os filhos dessa minha aluna já viram centenas, talvez milhares, de assassinatos
– só que minha aluna não se deu conta disso. Se os meninos assistem televisão,
eles já viram muitos crimes – e não só de morte.
Em
1992, o Velhote do Penedo participou de um levantamento, uma pesquisa sobre
violência na TV. A equipe se concentrou na programação da Rede Globo – e durante
sete dias foram acompanhados 77 programas, entre filmes, seriados, novelas,
humorísticos, variedades, noticiários e infantis). A pesquisa cobriu 144 horas
e 33 minutos de programação.
Os
resultados foram alarmantes, pois a violência mostrada na telinha superava
todas as expectativas. Mas vamos aos números. Nos sete dias de programação
acompanhados foram mostrados:
·
244
homicídios (tentados ou consumados), o que aponta uma média de 2,15
homicídios/hora;
·
397
agressões (média: 3,47 agressões/hora);
·
190
ameaças (média 1,66 ameaças/hora);
·
11
sequestros;
·
5
crimes sexuais com violência ou ameaça;
·
26
crimes sexuais de sedução;
·
60
casos de condução de veículos com perigo para terceiros ou sob efeito de
drogas;
·
12
casos de tráfico ou uso de drogas;
·
50
casos de formação de quadrilhas;
·
14
roubos;
·
11
furtos;
·
5
estelionatos;
·
E
mais 137 outros, entre os quais: tortura (12 casos); corrupção (4); crimes
ambientais (3); apologia do crime (2); suicídios (3).
·
Outros
detalhes:
- Cenas de
violência nos desenhos animados: 58 cenas/dia;
- Novelas: 150 cenas
de violência/semana ou seja 11,2 cenas/dia;
- Programação
humorística: 74 cenas de violência/semana (principalmente agressões, o que dá
uma média diária de 10,5).
Em 1992, não tínhamos nem celular nem esses
joguinhos de guerra e luta que as crianças manejam durante horas em casa. Então,
é bem provável que os números acima apresentados atinjam, hoje, proporções
inimagináveis.
Diariamente,
no Brasil e no mundo, crianças de pouca idade estão matando outras crianças,
pais, parentes, amigos, se suicidando. A violência banalizou-se de tal maneira
que as crianças estão achando natural matar e inspirar-se na violência que elas
observam maciçamente pela televisão.