quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Sem saida e mal pagos


Há alguns anos, fiz uma consultoria para o estado de Rondônia. O governador era o atual senador Valdir Raupp. Eu tinha que fazer um diagnóstico sobre a educação no estado – e propor medidas. Desde o primeiro dia, eu era procurado por gente da educação, que, percebi, não pretendia me auxiliar, mas assuntar o que eu pensava a respeito. Evitei antecipar qualquer conclusão, mas entrevistei muita gente, do secretário de educação a professores e estudantes, pais de alunos, diretores de escolas. Li muitos relatórios e examinei muitas estatísticas.

Conversei duas ou três vezes com o governador – e senti nele sincero interesse em equacionar os problemas da educação estadual. Ele me falou da admiração que sentia pelo Brizola – e por sua obsessão pela educação.

Em quatro meses, apresentei o meu relatório, que, entre outros pontos, sustentava dois pontos:

1 – Fazer os professores voltarem para as salas de aula. Os dados indicavam que mais de 45% dos professores de Rondônia, que estavam na folha da educação, estavam alocados nas diversas secretarias e estatais do estado. Quem leu a carta de Caminha sabe do que eu estou falando. As escolas tinham déficits de professores. O secretário queria fazer um concurso e contratar professores – o que era absolutamente desnecessário.

2 – Estabelecer um amplo plano de reforma das escolas, pois os índices internacionais mostravam que não havia necessidade de novas construções, a não ser em casos específicos. Muitas escolas estavam danificadas, mas também pudessem ser reformadas. Em suma: minha proposta era no sentido de que só se construíssem novas escolas em último caso.

Meus amigos: foi um escândalo. Fiz uma reunião com professores (num auditório, sem ar condicionado!) – e eles só faltaram me linchar. Retruquei duramente, mas os professores mantiveram-se irredutíveis. Um deles, um sujeito gordo e baixo, que se apresentou como cacique de uma tribo qualquer (não lembro), me disse que preferia morrer a voltar para sala de aula. A frase era uma besteira, mas o cacique foi aplaudido. Uma professora pediu a palavra e disse que o marido tinha uma construtora especializada em construir escolas: o que será do meu marido?

Hoje vi estudantes e professores nas galerias da Câmara berrando contra a PEC dos gastos. Em São Paulo, uma passeata (uns 250 sujeitos) gritava contra a PEC dos gastos e da reforma do ensino médio. Esses meninos estudam? Os professores ensinam? Mais importante: os meninos e professores leram as duas PECs, ou apenas seguem os “brilhantes” Molon, Maria do Rosário, Benedita, Feghalli.

Não vejo saída para o Brasil.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Mata Hari: espiã?

Em 1917, em pleno conflito mundial, Mata Hari, bailarina especializada em danças exóticas, foi presa, julgada por um conselho de guerra, condenada à morte e dois meses e meio mais tarde, em 15 de outubro, fuzilada na cidade de Vincennes, na França. Mata Hari, ou seja, Margaretha Gertruida Zelle tinha 41 anos. Nascera em Leeuwarden, norte da Holanda, embora preferisse se declarar nativa das Índias Holandesas, filha de um rajá e de mãe indiana. Os pais de Mata Hari chamavam-se Adam Zelle, empresário, e Antje van der Meulen.

Como dançarina, Mata Hari obteve enorme sucesso nos teatros e music-halls europeus. Recebia cachês astronômicos, que pulverizava em jóias e roupas (renovava seu guarda-roupa com rapidez estonteante). Apaixonou-se muitas vezes e provocou paixões avassaladoras em homens poderosos e ricos. Talvez tenha sido a mulher mais desejada de sua época, o que a fez atrair rancores, ciúmes e ódios. Mulheres a odiavam; homens a veneravam.

Mata Hari viveu sobre o fio da navalha, mas nunca se deu conta disso – ou, se deu, fez que não sabia. Era uma mulher sem preconceitos, que ousou desafiar o moralismo e os costumes provincianos dos primeiros anos do século XX – e pagou muito caro por isso. Devido ao seu trânsito fácil pelos gabinetes, quartos e alcovas de figurões dos mais diferentes governos e das mais variadas estaturas econômicas (banqueiros, industriais), Mata Hari foi sondada por diversos países. Todos a desejavam como espiã, pois, os homens quando elogiados por seu desempenho na cama, tornam-se loquazes e manipuláveis.

A verdade é que nunca ficou provada a culpa de Mata Hari. Contra ela havia apenas um cabograma enviado à espionagem alemã (e interceptado pela contraespionagem francesa), cujo texto era curto e dúbio – e que afirmava que a agente H.21 (que seria o codinome de Mata Hari) “nada produziu de sério depois que a guerra começou”. A vida, peripécias e morte de Mata Hari – não se trata de uma biografia – foram contadas por Paulo Coelho em seu novo romance, “A espiã”.

Considero Paulo Coelho um fenômeno – e isso não é um elogio, mas uma contestação. Ele já vendeu mais de 210 milhões de livros em mais de 170 países e 81 idiomas. Não sei se há equivalente no mundo. No Brasil, ele é ignorado pela chamada inteligência, que o considera um escritor menor. Tudo bem: menor ou não, Paulo Coelho é um escritor: tem uma produção, vive do que escreve, nunca se envolveu em polêmicas inúteis e defende a liberdade de expressão. Jamais processou alguém pelos ataques que recebeu, e eles foram muitos. No episódio em que Roberto Carlos processou Paulo César de Araújo, autor de “Roberto Carlos, em detalhes”, Paulo Coelho não se omitiu: defendeu, em artigos, o direito do jornalista, condenando a censura – que, por sinal, era defendida por gente como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Djavan, entre outros “democratas”. O livro do Paulo César de Araújo foi recolhido das livrarias – e queimado por ordem de Roberto Carlos. Num país em que talento superlativo nem sempre anda a par com a grandeza moral, vulgo dignidade, o comportamento de Paulo Coelho no episódio deve ser destacado. A inteligência brasileira, a mesma que não reconhece Paulo Coelho, nada disse contra o arbítrio que vitimou Paulo César de Andrade, nem sobre a atitude do autor de “Brida”. (Sobre o episódio, sugiro a leitura de “O réu e o rei”, de Paulo César de Araújo, que narra os meandros do episódio).

“A espiã”, de Paulo Coelho, enfim, me agradou – não me pejo de afirmar. Claro, Paulo Coelho não é um escritor da dimensão de Guimarães Rosa, Érico Veríssimo, José Lins do Rego, Rubem Fonseca, Graciliano Ramos e Machado de Assis, para citar os meus preferidos. Mas é competente, domina as técnicas da narrativa – e, sobretudo, não busca uma falsa sofisticação: escreve com clareza e suas frases têm sujeito, verbo e predicado. Não derrapa em silogismos e evita os conectivos. Seu texto lembra redação de estudante aplicado e estudioso: é claro e correto. É sóbrio. Não abusa de figuras de linguagem.

Um amigo meu me afirmou que “O alquimista” é uma droga. Não sei – não o li. Nem pretendo. Li “A espiã” movido pela curiosidade: eu nunca lera Paulo Coelho e nada sabia sobre a saga de Mata Hari. De qualquer forma, aconselhei o meu amigo a ler “A espiã”. Ele pediu o meu exemplar emprestado.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Meu Rio tão infeliz


O Rio de Janeiro acreditou que os royalties do petróleo seriam eternos. Cabral Filho enfiou o pé no acelerador dos gastos, entupiu o estado de gente (atendendo os afilhados e correligionários), esbanjou, o roubo campeou – e o resultado aí está. É preciso que haja uma lei que prenda o administrador inepto. Os sujeitos que estão pouco ligando para a higidez financeira da instituição que lhe coube administrar, deviam ir preso. Rico, Sérgio Cabral curte a vida, impune. Parece que em 2018 vai se candidatar a senador. Periga – será eleito.

O pior é que a lepra que consome o estado vai contaminar o município do Rio, que hoje acumula uma dívida descomunal decorrente das Olimpíadas. Dívida que vai ser cobrada em breve.

Estive no Rio recentemente e andei pela cidade. Não fui à Praça Mauá, mas fui às praças da República e Tiradentes e Largo de São Francisco. Visitei um amigo no Méier. Andei por outros subúrbios. Ou seja: vi o verdadeiro Rio. O problema é que os intelectuais do Rio vivem na zona sul, curtem a vida em Copacabana, Ipanema e Leblon, onde sentam nas mesas de bares, bebem, comem e fazem proselitismo político. Não sabem o que se passa no Rio real. Quando falo em intelectuais, não estou me referindo a essa ou aquela tendência política: direita e esquerda convivem no doce ambiente da zona sul do Rio. Esta gente não vai ao Rio real.

Nunca vi, no Rio de Janeiro, uma manifestação, seja de direita ou de esquerda (no final as duas se equivalem), em Ricardo de Albuquerque, em Olaria, em Honório Gurgel, em Madureira, em Vaz Lobo. As manifestações são sempre em Copacabana ou em Ipanema, na orla, onde os manifestantes podem gritar e, de vez em quando, dar um mergulho, pois afinal todos são filhos de Deus. Tais manifestações são como as arquibancadas das “arenas futebolísticas”: como diria o João Saldanha, a gente não vê um só crioulo.

O Rio é dominado por uma polícia corrupta, por narcotraficantes, por milícias, por espertalhões e políticos que não valem o chão que pisam. Do povão tiraram inclusive o velho Maracanã. Os “geraldinos” e os “arquibaldos” são espécies extintas.

Cidade Maravilhosa é um slogan, que faz justiça às linhas geográficas da cidade. O Rio é realmente uma belíssima cidade – e quando eu vivi nela, principalmente nos anos 1950 e metade dos anos 1960, uma delícia, uma cidade leve, amorosa. Depois, bem, depois a coisa desandou.

Espero que todos me entendam. Sou um sujeito sofrido, que perdeu todas as ilusões e crenças políticas, que não acredita que a realidade nos permita mudá-la. Não temos mais esse privilégio. Seguiremos sendo o que somos.

Sempre que o Velhote do Penedo vai ao Rio fica chocado, deprimido e infeliz. Não pensem que adoro Brasília – acho uma porcaria. Vivo aqui porque não vejo razão de me mudar para o Rio. Se eu tiver que me mudar, vou para o Penedo. Lá, pelo menos, posso curtir o que resta do Velho Chico.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Lições das urnas


O PT me impressiona. Andei vendo alguns dos seus parlamentares comentando o resultado das eleições. Segundo eles, o que levou o PT a ter resultados tão pífios foi o “processo de criminalização do partido”, levado a cabo pelos golpistas. O que me impressiona no PT é a sua incapacidade de ver a realidade e de reconhecer os seus erros. Só enxerga o que supõe. O PT sofre de disfunção cognitiva. A senadora Vanessa Graziotin, que não é do PT, voltou à cantilena de direita e esquerda, o que mostra um bloqueio de pensamento que se aproxima da demência. É um caso perdido.

O PT sofreu uma derrota retumbante. O número de cidades administradas pelo PT caiu de 630 (em 2012) para 256 (2016), uma perda de 374 cidades, inclusive de cidades importantes como São Paulo, o cinturão do ABC, entre outras. Em termos de votos, o PT apresentou um descenso de 78%: eram 15 milhões de eleitores, em 2012, para 3,3 milhões, em 2016. Se o PT não fizer uma profunda reflexão, o que talvez implique no afastamento de muitos dos seus caciques, que mandam e desmandam - os quais estão queimados junto à opinião pública devido a seus envolvimentos na Lava Jato.

Claro, não só o PT precisa fazer uma reavaliação profunda. Os demais partidos da esquerda pré-histórica precisam fazer o mesmo.

O relativo sucesso do Freixo no Rio de Janeiro parece ter subido à cabeça da militância. É preciso ficar atento e forte, pois, caso Freixo seja eleito, vai administrar um fogareiro, uma cidade falida, endividada, dominada em áreas extensas pelo narcotráfico e pelas milícias. Uma cidade extremamente linda, mas fraturada em desigualdades escancaradas. Freixo foi um candidato de parte da classe média, universitária, de zona sul. O discurso político do Freixo é um frescor aos ouvidos dos seus eleitores, mas o importante, no segundo turno, serão suas propostas para os problemas da cidade. Os ouvidos dos cidadãos que morrem nas filas dos hospitais, dos jovens e pais que têm filhos em escolas ruins, dos cariocas que enfrentam transportes coletivos péssimos, dos favelados e moradores nos subúrbios – esse universo não deseja ouvir jargões, clichês e palavras de ordem. Querem ver soluções.

Outro fenômeno aguardado foi o “não voto”, ou seja, a soma das abstenções, nulos e em branco. O desalento da população com a política parece ser evidente – e tende a aumentar. Eu creio que o número de não votos deverá aumentar no segundo turno, mormente no Rio de Janeiro. Cerca de 30% dos brasileiros recusaram-se a votar.

Enfim, as eleições mostraram duas coisas: a) o enorme desalento da população, descrente da política e dos políticos; b) a derrocada da esquerda pré-histórica, principalmente do PT. São duas questões essenciais. Ambas merecem ser debatidas intensamente no Brasil, mas, para nossa desgraça, os principais envolvidos – os políticos e os dirigentes e militantes dos partidos da esquerda pré-histórica – não demonstram nenhum interesse em levar a discussão adiante.