Era como Stanislaw Ponte Preta chamava a televisão: máquina de fazer doido. Doido e ignorante.
O velho professor do Penedo não costuma assistir televisão. Mas quando assiste, meus amigos, não se decepciona: o besteirol campeia. Alguns exemplos.
·Outro dia, na Globo News, um apresentador falava sobre um instrumento musical russo, criado em 1928, que toca sem o contato da pessoa. Você gesticula e o bichão faz o som. Até aí, tudo bem. Mas o apresentador acrescentou: Lenin ficou tão entusiasmado com a invenção, que mandou distribuir o tal instrumento por toda a Europa. Seria, na opinião do líder soviético, a prova cabal da superioridade tecnológica comunista – disse o locutor. O apresentador só não informou que Lenin morrera em 1924 – quatro anos antes da invenção do tal instrumento musical!
·A Globo News tem uma correspondente em Paris que fala sistematicamente “É-rópa” e, não, Europa. “Aqui, na É-rópa...” A mesma correspondente não diz “boa noite” e, sim, “bá noite”. É só reparar
·Não há nada mais imbecil e calhorda que o BBB! Há apresentador mais idiota que o Bial?
O Brasil é um país inacreditável
Um figurão da República morreu na fila de um hospital privado, em Brasília. Não procurou hospital público, claro, mas lá talvez ele fosse ser atendido. “Tia” Dilma mandou fazer uma rigorosa sindicância, afinal o falecido era do PT. E os tantos pobres que morrem quase diariamente sem qualquer atendimento?
A corrupção campeia no Brasil, mas há corrupções intoleráveis:
·Roubo e desvio de verba para merenda escolar;
·Roubo e desvio de verba para a compra de remédios;
·Roubo e desvio de verba para vítimas de enchentes;
·Roubo e desvio de verba para obras contra secas, que inferniza a vida de milhões de nordestinos. Relatório da Controladoria Geral da União (CGU), concluído em dezembro de 2011, aponta prejuízos de R$ 312 milhões na gestão de pessoal e em contratações irregulares do DNOCS. O relatório de 252 páginas revela uma sucessão de pagamentos superfaturados, contratos com preços superestimados e “inércia” da direção do órgão para sanar irregularidades que prosperaram ao longo da última década.
·Anos atrás, em Brasília, a cúpula do Ginásio Nilson Nelson desabou. Fizeram um inquérito, mas até hoje não se sabe a causa do sinistro.
·Bueiros explodiram no Rio de Janeiro e, agora, em São Paulo. No Rio, um casal de turistas foi atingido por uma dessas explosões: os dois morreram.
·Agora, três prédios desabaram no Rio de Janeiro.
·Agora, me digam: com tanta corrupção, desvio de dinheiro e sinistros, alguém pode confiar na, digamos, “firmeza” dos estádios que estão sendo feitos para a Copa?
·Semana que vem, falo das guerras internas no Sudão e em Ruanda. Eh, mundo bão!
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Semana passada, o velho professor do Penedo foi assistir um show do Milton Nascimento. Uma das músicas que ele cantou foi “Coração de estudante”.
A riqueza do planeta, se calculada pelo produto interno bruto e pelo consumo per capita de bens duráveis e domésticos, cresceu vertiginosamente no último século, mormente a partir dos anos 1950.
Os dados são realmente impressionantes. O PIB mundial era, em 1900, da ordem de dois trilhões de dólares, pulando, em 2000, para 36 trilhões, e, em 2010, para 62 trilhões. O PIB mundial per capita saltou de US$ 1.200, em 1900, para US$ 5.400, em 2000, e para US$ 11.200, em 2011. O comércio internacional atingiu, em 2000, a cifra de 7,4 trilhões de dólares, valor que significa mais de 52 mil vezes o valor de 140 milhões de dólares alcançado em 1900. Em 2009, apesar da crise, que reduziu em 10% o comércio internacional em relação a 2008, o valor das trocas e serviços atingiu algo em torno de 12,2 trilhões.
Tais incrementos não se deram de modo harmonioso e equitativo. O fosso criado entre continentes, países, regiões (inclusive dentro dos próprios países), classes e grupos sociais desenhou no planeta um cenário dominado, de um lado, pela extrema riqueza e, de outro, pela mais absoluta miséria. A julgar pelos indicadores disponíveis, elaborados por organismos internacionais idôneos, pouco mais de um quinto da população da Terra, concentrada principalmente nos sete países capitalistas mais ricos (Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Itália, Inglaterra e Canadá), absorvem pouco mais de 80% dos recursos e da riqueza produzida no mundo. Aos restantes habitantes do planeta - algo em torno de 75% do total - sobram cerca de 20% dos recursos e da riqueza mundial. No detalhe, tal discussão assume feições ainda mais impressionantes.
Matéria sobre o consumidor brasileiro, publicada em Carta Capital, é um exemplo dramático disso. Em cada cinco brasileiros, dois só ganham o suficiente para comprar o básico. Outros dois, nem para isso. A reportagem, que cita um estudo patrocinado pela Associação Nacional de Empresas de Pesquisa (Anep) e a Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisas de Mercado (Abipeme), a partir dos dados do Censo Demográfico, deixou claro que 81% da população do país, ou quatro em cinco pessoas, vivem - literalmente - na corda bamba, numa espécie de cai-não-cai na miséria mais irremediável e absoluta. São 137 milhões de brasileiros pertencentes às chamadas classes C, D e E, que sobrevivem com rendas mensais brutas inferiores a R$ 1.125,00. No que se pode chamar - apelidar talvez fosse a palavra mais correta- de "capitalismo da nona maior economia do mundo", 65% da população não tem nem mesmo conta corrente, apenas 13% possui celular (contra 73,3%, na Itália) e o consumo anual per capita de leite em pó é inferior a um litro (36 litros, nos EUA).
Esta realidade, totalmente ignorada pelos donos do poder, explica em parte a dilacerante conclusão de um estudo feito recentemente pela pesquisadora Zilah Vieira Meirelles, da Fundação Oswaldo Cruz: 25% dos jovens entre 10 e 19 anos que moram em favelas no Rio de Janeiro estão envolvidos no tráfico de drogas. Cerca de 7% do total são empregados fixos e recebem salário regularmente. O restante faz pequenos serviços.
·Um exemplo absurdo de consumo e concentração de renda e poder foi debatido por Eduardo Galeano: "Embora a maioria dos latino-americanos não tenha o direito de comprar um carro, todos têm o dever de pagar esse direito de poucos. De cada mil haitianos, apenas cinco (notem: 0,5% da população! RCA) estão motorizados, mas o Haiti dedica um terço de suas divisas (notem: um terço! RCA) à importação de veículos, peças de reposição e gasolina. Um terço dedica também El Salvador, onde o transporte público é tão desastroso e perigoso que o povo apelidou os ônibus de "ataúdes volantes".
Eduardo Galeano observou que, "comparando-se as médias do norte (países ricos. RCA) e do sul (países pobres. RCA), cada habitante do norte consome dez vezes mais energia, dezenove vezes mais alumínio, quatorze vezes mais papel e treze vezes mais ferro e aço" que o habitante do sul. De acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano de 1998, encomendado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), as consequências dos atuais padrões de consumo, são totalmente inaceitáveis, sob quaisquer pontos de vista (político, social, moral e ético).
"Dos quatro e meio bilhões de pessoas que vivem em países em desenvolvimento, cerca de três quintos vivem em comunidades sem saneamento básico e um terço dessas pessoas carece de água potável; um quarto não tem habitação adequada; para um quinto, o acesso a serviços de saúde modernos está fora do seu alcance; um quinto das crianças não chega a concluir os estudos básicos e o número de crianças mal nutridas atinge percentual igual. Para a maioria da população mundial em situação de grande pobreza, os deslocamentos relativos às tarefas quotidianas, incluindo a obtenção de combustível e de água, são feitos a pé".
O Relatório ainda assinalou que, apesar das elevadas taxas de crescimento verificadas no consumo nas últimas décadas, os países em desenvolvimento não estão de modo algum perto de alcançar os níveis de consumo dos países ricos. Os dados comparativos são acachapantes - e mostram que os ricos, ou seja, um quinto da população mundial:
* Consome 45% da carne e do peixe, enquanto os mais pobres (também um quinto) consomem menos de 5%. A média de consumo de proteínas na França é de 115 gramas por dia. Em Moçambique, é de 32 gramas.
* Consome 58% da energia total, enquanto os mais pobres consomem menos de 4%.
* Possui 74% do total das linhas telefônicas, enquanto os mais pobres só têm 1,5%. Na Suécia, Suíça e nos Estados Unidos, existem mais de 600 linhas telefônicas para cada mil pessoas. No Afeganistão, no Camboja e no Chade, só existe um telefone para cada mil habitantes.
* Consome 84% do total de papel, enquanto os mais pobres consomem 1,1%. A média dos países ricos é da ordem de 78,2 toneladas de papel por cada mil pessoas, enquanto a média registrada nos países mais pobres se situa nas 0,4 toneladas por cada mil habitantes.
* Possui 87% dos veículos existentes em todo o mundo, enquanto os mais pobres têm menos de 1%. Os países ricos registram uma média de 405 automóveis por cada mil habitantes. Nos países da África Subsaariana, a média corresponde a 11 veículos por cada mil e, na Ásia Oriental e na Ásia Meridional, o valor é de cinco veículos por cada mil habitantes.
* Os trinta países que compõem a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, OCDE, que produzem dois terços de todos os bens e serviços do mundo, consomem 29 vezes mais alumínio do que os demais países, 17 vezes mais estanho, 134 vezes mais aço, 66 vezes mais níquel, 21 vezes mais chumbo, 14 vezes mais zinco.
O modelo de consumo dos países ricos, tão ostentatório como dissipador, não é, porém, generalizável. E não pode ser visto como um parâmetro de desenvolvimento ou um objetivo a ser alcançado por todos os habitantes e países do planeta. O modelo de consumo dos países ricos é um produto de uma dada evolução histórica - e, por sua própria natureza, pressupõe e produz desigualdades permanentes, cada vez mais acentuadas.
É sempre bom acentuar que tais discrepâncias - países ricos e pobres, regiões atrasadas e desenvolvidas, classes dominantes e dominadas - são, como demonstrou o sociólogo mexicano Rodolfo Stavenhagen em estudo clássico, o resultado "de um único processo histórico". E não só isso. "As relações mútuas que mantêm entre si as regiões e os grupos 'arcaicos' e os 'modernos' ou 'capitalistas' representam o funcionamento de uma única sociedade global da qual ambos os pólos são parte integrante". (Stavenhagen, Rodolfo. Sete teses equivocadas sobre a América Latina. In: Durand, José Carlos Garcia. Sociologia do desenvolvimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1974, p. 117). Por isso, pode-se dizer que a pobreza e a miséria constituem um subproduto específico do desenvolvimento capitalista. Desenvolvimento este que subproduziu também a riqueza.
A adoção do modelo de consumo dos países ricos pelos países pobres é, como observou Eduardo Galeano, um projeto absolutamente impossível: para que isso acontecesse seriam necessários dez planetas como este para que os países pobres pudessem consumir tanto quanto consomem os países ricos, de acordo com as conclusões do relatório Bruntland, apresentado à Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987.
Outro documento, o Relatório Planeta Vivo, divulgado em fins de 2000 pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF) mostrou que o uso de recursos pelos homem já excedeu, (dados de hoje, junho de 2002) em 42,5% a capacidade de renovação da biosfera. Em outras palavras: baseando-se no índice de pressão ecológica que cada habitante (pouco mais de seis bilhões de indivíduos) exerce, em média, sobre o planeta, o estudo demonstrou que, para manter os padrões de consumo atuais, sem quaisquer alterações, ou seja, com todas as suas desigualdades e deformações (!), seria necessário quase meia Terra a mais. Torna-se claro que os países subdesenvolvidos devem perder as esperanças de atingir o nível das nações avançadas. Para tanto, pela igualdade sonhada com os EUA, por exemplo, o mundo teria de produzir 75 vezes mais ferro do que agora, 100 vezes mais cobre, 200 vezes mais chumbo e 250 vezes mais estanho. Somente as jazidas de ferro conhecidas permitem especulações sobre esse fantástico incremento de produção, isso sem falar do capital necessário, incalculável.
Não há por que duvidar do que afirmam os relatórios citados. Afinal, a concentração da riqueza e do consumo é fruto dos processos civilizatórios gerais da humanidade. Favorecido por avanços científico-tecnológicos cada vez mais acelerados, o homem criou os meios que o capacita a arrancar da natureza, em maior quantidade e em prazos cada vez mais curtos, os recursos de que necessita. O aumento do índice de pressão ecológica e o esgotamento das fontes primárias passaram a conviver - perigosamente - com o homem. É o que mostraram os números dos relatórios Bruntland e WWF.
·Não se está aqui defendendo nenhuma tese de natureza neomalthusiana. A "débâcle" ambiental do planeta se deve, sobretudo, ao exacerbado desenvolvimento do capitalismo, à sua incoercível tendência de criar hábitos e necessidades de consumo, à sua tendência natural de gerar desigualdades e deformações sociais. Veja-se, por exemplo, o exemplo do automóvel. Sabemos que os ricos do planeta - Estados Unidos, em primeiro lugar - são enfermos de "carrolatria". Os automóveis são responsáveis por grande parcela da poluição terrestre, mas todos sonham em possuir um carro. Inclusive porque os transportes coletivos, mormente nos países pobres, não funcionam.
A verdade é que, conforme notou Murli Manohar Joshi, ministro da Ciência e Tecnologia da Índia, o consumo excessivo e o desperdício são os vilões do planeta, os quais, balizados pela desigualdade extrema, põem em xeque a própria sobrevivência da humanidade. Para Joshi, há apenas um caminho para salvar a Terra: a união da política com a ciência. Se a sugestão de Joshi for correta, a primeira decisão a ser tomada, por todos os países, seria a de se adotar um novo paradigma civilizatório, inclusive pela redefinição do conceito de desenvolvimento, que passaria a levar em conta o equilíbrio dos índices de pressão ecológica e a redução progressiva da desigualdade.
O novo paradigma civilizatório deveria ter como diretriz - primeira e única! - o aumento dos padrões mínimos de consumo dos pobres (4/5 da população terrestre) e a redução do consumo (dos supérfluos, em especial) dos ricos (1/5 dos terráqueos). Esta seria, sem dúvida, a única maneira de equilibrar a disponibilidade de recursos, eliminar o desperdício e garantir o atendimento básico dos pobres do planeta.
O problema essencial, contudo, é tão antigo como a própria vida: quem irá prender o guiso no pescoço do gato? Ou seja: como convencer os 20% de consumidores efetivos a adotar outro padrão de consumo, de modo a garantir à humanidade um mínimo essencial de sobrevivência digna e a estabelecer normas de uso sustentável dos recursos disponíveis? Talvez não seja possível tão cedo se obter uma resposta para essa pergunta. Talvez o planeta tenha que passar por sérios desastres ambientais e sociais antes que os homens compreendam os perigos que nos rondam.
Como não podia deixar de ser, os Estados Unidos, o país mais rico da Terra, é o exemplo mais vivo daquele modelo de consumo e esbanjamento. Vivem nos Estados Unidos 270 milhões de habitantes (cerca de 4% da população mundial), os quais, a despeito das desigualdades sociais no interior daquele país, consomem um terço das importações mundiais, um terço da energia elétrica do planeta e gastam cinco trilhões de dólares por ano em lojas, supermercados e viagens. O PIB norte-americano soma nove trilhões de dólares (25% do PIB do planeta), e é superior à soma dos produtos internos brutos da França, Alemanha e Japão.
É óbvio que os países ricos não estão, nem um pouco, preocupados com a redução da desigualdade ou com o destino infeliz dos países e povos dos países pobres. Muito menos, portanto, estão interessados em detalhes como o aumento do consumo nesses países. Isto, aliás, ficou patente, em fins de setembro de 1995, quando autoridades de destaque (George Bush - pai -, George Shultz, Margaret Thatcher, Mikhail Gorbachev, entre outros) e megaempresários (como Ted Turner, David Packard, Washington Sycip, John Cage) reuniram-se no hotel Fairmont - o famoso "The Fairmont" -, na cidade de São Francisco, Califórnia, para discutir o futuro da humanidade. O encontro, apesar do tema tão genérico, nada tinha de acadêmico: era algo fincado na experiência dos participantes e tinha como objetivo principal a definição de estratégias empresariais. Afinal, todos os presentes eram pessoas que, por suas funções e postos, detinham enorme volume de informações - econômicas, sociais, políticas e estratégicas. Eram pessoas marcadamente pragmáticas, acostumadas a decidir com rapidez, frieza e objetivos (empresariais, é claro) bem definidos.
Após três dias de debates, os "pragmáticos do planeta" anunciaram, para surpresa dos repórteres lá presentes, que o futuro da humanidade resumia-se a um par de números - "20 por 80" - e a um estranho neologismo - "tittytainment". O que significava isso?
Segundo o porta-voz do encontro, Zbigniew Brzezinski, ex-assessor de Segurança Nacional do governo do presidente Jimmy Carter, o par de números significa que vinte por cento da população do mundo em condições de trabalhar no século XXI bastarão para manter o ritmo da economia mundial. Brzezinski ainda explicou que aqueles 20% participariam ativamente da vida, do lazer e do consumo - seja qual for o país. "Mão-de-obra adicional não será necessária", sentenciou, por fim, o magnata Washington Sycip na coletiva que se seguiu à reunião.
Em tom didático, diante de uma plateia de jornalistas de todas as partes do mundo, Brzezinski explicou ainda que "tittytainment" era um neologismo formado pelas palavras "entertainment" (diversão, entretenimento, recreação) e "tits" (gíria americana para seios ou tetas). "Tittytainment" seria assim uma mistura de diversão anestesiante e comida no limite, as únicas compensações possíveis para a vasta legião de excluídos, desempregados, infelizes e frustrados da Terra. Note-se: diversão anestesiante e alimentação no limite seria, assim, a versão pós-moderna e neoliberal do panem et circenses romano.
Indagado sobre quem pagaria a conta ou seria responsável pelo "entertainment" da população supérflua do planeta (4/5 dos habitantes do mundo), o porta-voz Brzezinski fez um gesto vago. Estava fora de questão, alertou, o engajamento social das empresas privadas, já que elas estavam por demais assoberbadas pela concorrência e pelas exigências do mercado globalizado. Outras organizações, concluiu sem dizer que organizações seriam essas, que cuidassem dos desvalidos e dos desempregados.
·Como observaram Hans-Peter Martin & Harald Schumann, "o mundo 20 por 80, a sociedade do um quinto, como os visionários do Fairmont Hotel pintaram o século 21, é muito coerente com a lógica técnica e econômica que guia os governos e dirigentes empresariais rumo à integração global. Contudo, a corrida mundial por máxima eficiência e mínimos salários está abrindo as portas do poder à irracionalidade. Não são os realmente miseráveis que se rebelam. Uma força política tremendamente explosiva provém do medo do rebaixamento social que agora se manifesta. Não é a pobreza que ameaça a democracia, mas sim o pavor dela". As cenas de desespero - quebra-quebras, passeatas, protestos diante de bancos e outras formas de reação - dos argentinos, principalmente da classe média argentina, que padecem de um processo acelerado e doloroso de empobrecimento, são uma trágica confirmação das palavras de Martin e Schumann.
Retomando: o principal - a rigor, o único - objetivo dos países ricos, especialmente o dos Estados Unidos, é garantir o ritmo da acumulação de riqueza e ampliar ou, quando muito, manter os seus próprios padrões de consumo, independentemente do que isso possa representar para a segurança do planeta ou para a sobrevivência do resto da humanidade - isto é, dos habitantes dos países pobres e dos pobres dos países ricos. A economia política dos países ricos e das suas corporações, a rigor, não necessita dos seis bilhões de habitantes da Terra. Bastam-lhes 1,2 bilhão de produtores e consumidores para salvaguardar o ritmo e a perenidade do regime global de acumulação. No Brasil, como foi visto, um quinto da população mantém em funcionamento a nona economia do mundo.
Bem verdade que os países ricos dependem dos recursos naturais dos países pobres, razão pela qual o desinteresse dos ricos não significa indiferença pelos pobres, daí as políticas compensatórias e os vários tipos de ajuda e assistência fornecidos pelos ricos aos pobres. O desinteresse dos ricos significa, de fato, o estabelecimento de uma ordem mundial de dominação silenciosa (às vezes, é claro, contra os recalcitrantes a guerra - a dominação pela força - torna-se inevitável), de modo a garantir, em detrimento dos países pobres, os ganhos e vantagens dos países ricos. Estes, cabe repetir, são carentes de recursos naturais não-renováveis e daqueles recursos renováveis somente possíveis nos trópicos. Tais carências são conhecidas e reconhecidas - e ninguém menos que o ex-secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, soube expressá-las com absoluta exatidão: "Os países industrializados não poderão viver de maneira como existiram até hoje se não tiverem à sua disposição os recursos não-renováveis do planeta. Para isso terão de montar sistemas mais requintados e eficientes de pressões e constrangimentos, que garantam a consecução de seus objetivos".
Como se vê, o comentário de Henry Kissinger prima pela sinceridade e pela clareza políticas. Representa, no fundo, um juízo crítico bem formulado, certamente apoiado em informações precisas e extensas, que só a elite do poder (a expressão é de C. Wright Mills) tem acesso e meios de manipular.
Henry Kissinger sabe, sem dúvida, que os Estados Unidos - e, por extensão, os países ricos - dependem dos recursos naturais que estão, em grande parte, nos países pobres ou, provavelmente, em áreas ainda não passíveis, por razões políticas ou tecnológicas, de exploração sistemática, como o Polo Norte, a Antártida, as vastidões geladas da Sibéria e do Canadá, o Saara, o fundo dos oceanos. Todos perceberam a extensão do alerta do ex-secretário de Estado dos EUA - e sabem exatamente o que a advertência significa.
Ampliar ou, mesmo, manter os atuais padrões de riqueza e de consumo dos países ricos significa, em primeiro lugar, intensificar a exploração dos recursos naturais nas áreas tradicionais, muitas delas em vias de esgotamento, devido justamente à exploração intensiva predatória e irracional. Uma alternativa seria a de localizar, entre as disponíveis, áreas de exploração novas, promissoras, praticamente vazias, potencialmente ricas, tecnologicamente viáveis, politicamente disponíveis. Que áreas seriam essas?
Abriram-se os mapas nos centros decisórios do planeta.
E, mais uma vez, os olhos dos países ricos pousaram naquela vasta e rica floresta equatorial da América do Sul. E enxergaram, nos rios, nos igarapés e igapós, nas terras firmes, no solo e subsolo, no material orgânico, na vida biológica, nas copas das árvores da Amazônia, riquezas imensas, abandonadas e esquecidas por tantos governos que deveriam olhá-la como uma região estratégica ao próprio esforço de desenvolvimento do Brasil. Dito de outra forma: o Brasil não sabe o que fazer com a Amazônia.
A matéria abaixo saiu truncada no Blog. Conserto e peço desculpas.
Transcrevo abaixo um artigo do jornalista Augusto Nunes, que eu colei em setembro de 2011 aqui mesmo neste Papo de Amigos.
Brasileiros conformados com a vida não vivida agora se rendem à morte
Blog de Augusto Nunes O Orçamento da União reservou R$ 296,9 milhões para o programa de Prevenção e Preparação para Desastres Naturais, uma peça de ficção vinculada ao lastimavelmente real Ministério da Integração Nacional. A três meses do início da temporada de chuvas e inundações, ninguém viu a cor do dinheiro. Dos R$ 9 milhões prometidos ao Rio de Janeiro para 2011, por exemplo, nenhum centavo saiu do papel. Por falta de verba, nenhuma obra preventiva abrandou o medo dos moradores da Região Serrana. Ainda recolhidos a abrigos improvisados nas cidades devastadas, os flagelados de janeiro aguardam a chegada da estação dos temporais com a angústia dos indefesos. Ninguém sabe que fim levaram as 6 mil casas anunciadas por Dilma Rousseff e Sérgio Cabral. Foram mais de mil os soterrados e afogados há menos de um ano. E os que perderam parentes não se queixam. Outros tantos podem ser levados por inundações e deslizamentos de terra. E os marcados para morrer não protestam. Os brasileiros conformados com a vida mal vivida agora se rendem à morte anunciada. De novo, Dilma Rousseff e Sérgio Cabral vão assistir de longe à reedição do pesadelo. Enquanto as imagens do horror frequentarem as vitrines dos telejornais e as primeiras páginas, os comparsas capricharão na cara de choro, repetirão promessas que não serão cumpridas e lembrarão que, graças à harmonia entre os governos federal e estadual, o Rio se transformou numa Califórnia sul-americana, só que com praias e mulheres mais bonitas. Cúmplices por omissão da matança premeditada, Dilma e Cabral não escapariam da ira das vítimas se o rebanho fosse menos obediente. Mas até os intelectuais cariocas, antes tão inclementes com nulidades e impostores, hoje ajudam a manter em altitudes confortáveis a popularidade de uma dupla de farsantes. Multidões afundadas na pobreza aprenderam faz tempo a sofrer sem balidos. Os deserdados do Brasil vão agora aprendendo que devem ser gratos a seus algozes.
Há dois anos, municípios pobres de Alagoas foram devastados por chuvas, alagamentos e destruição de casas, ruas e estradas. Morreram centenas de pessoas e um número não sabido perdeu tudo, inclusive suas casas. Vimos na TV mulheres e homens paupérrimos, aos prantos, chorando a morte de um parente ou amigo, chorando também a perda da casa e de todos os seus bens. O governo prometeu ajudar. Nada foi feito desde então – e os donativos em cesta básica, roupas e utensílios foram roubados ou desviados, até um incêndio criminoso no galpão onde as doações eram guardadas aconteceu. Os ladrões e os incendiários nunca foram presos.
Há um ano, municípios da região serrana do Rio de Janeiro foram devastados por chuvas, alagamentos e destruição de casas, ruas e estradas. Na região morreram centenas de pessoas e um número não calculado de famílias ficou desabrigado. O velho professor do Penedo mostrou aqui, em setembro, que o dinheiro prometido por “tia” Dilma não chegou à região. O governador Sérgio Cabral, com a eficiência que lhe é peculiar, prometeu, na presença da “tia” Dilma – e não cumpriu – a construção de seis mil residências para os desabrigados. Agora, diante das novas chuvas, ele prometeu construir duas mil. Ano que vem prometerá outras.
Há dois meses chove sem parar em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Mais alagamentos, destruição de casas, ruas e estradas. E mais mortes – de homens, mulheres, idosos e crianças. Todos os mortos, como nos anos anteriores, são pobres. Os políticos do Brasil desprezam os pobres. Estes são apenas votos. É gente que não merece a preocupação de ninguém.
“Tia” Dilma interrompeu suas agradáveis férias na Bahia para ver de perto o que seus ministros estão fazendo diante das emergências pluviais. Como todos os anos, a presidente prometeu recursos (que não chegarão às áreas atingidas, querem apostar?), informou que está preocupada, tossiu, reuniu-se com seus auxiliares, deu ordens, tossiu, fez cara de quem está preocupada, disse dois ou três palavrões. Esse Brasil dá um trabalho!
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Transcrevo abaixo um artigo do jornalista Augusto Nunes, que eu colei em setembro de 2011 aqui mesmo neste Papo de Amigos.
Brasileiros conformados com a vida não vivida agora se rendem à morte
Multidões afundadas na pobreza aprenderam faz tempo a sofrer sem balidos. Os deserdados do Brasil vão agora aprendendo que devem ser gratos a seus algozes.
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Farinha pouca, meu pirão primeiro
Hoje sabemos que o ministro da Integração Nacional destinou 90% dos recursos da sua pasta ao estado de Pernambuco, seu estado natal, sua base política, governado pelo presidente do seu partido.
E ele disse que “tia” Dilma foi informada disso – e concordo com essa justa distribuição dos recursos públicos.
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Paulinho da viola canta “Pra que mentir”, de Noel Rosa
Esta semana, aqui em Brasília, fui assistir a um show do Paulinho da Viola. Uma maravilha! Resolvi então trazer Paulinho para adoçar um pouco a vida de todos nós.
Cúmplices por omissão da matança premeditada, Dilma e Cabral não escapariam da ira das vítimas se o rebanho fosse menos obediente. Mas até os intelectuais cariocas, antes tão inclementes com nulidades e impostores, hoje ajudam a manter em altitudes confortáveis a popularidade de uma dupla de farsantes. De novo, Dilma Rousseff e Sérgio Cabral vão assistir de longe à reedição do pesadelo. Enquanto as imagens do horror frequentarem as vitrines dos telejornais e as primeiras páginas, os comparsas capricharão na cara de choro, repetirão promessas que não serão cumpridas e lembrarão que, graças à harmonia entre os governos federal e estadual, o Rio se transformou numa Califórnia sul-americana, só que com praias e mulheres mais bonitas. Foram mais de mil os soterrados e afogados há menos de um ano. E os que perderam parentes não se queixam. Outros tantos podem ser levados por inundações e deslizamentos de terra. E os marcados para morrer não protestam. Os brasileiros conformados com a vida mal vivida agora se rendem à morte anunciada. Ainda recolhidos a abrigos improvisados nas cidades devastadas, os flagelados de janeiro aguardam a chegada da estação dos temporais com a angústia dos indefesos. Ninguém sabe que fim levaram as 6 mil casas anunciadas por Dilma Rousseff e Sérgio Cabral.Dos R$ 9 milhões prometidos ao Rio de Janeiro para 2011, por exemplo, nenhum centavo saiu do papel. Por falta de verba, nenhuma obra preventiva abrandou o medo dos moradores da Região Serrana.Blog de Augusto Nunes O Orçamento da União reservou R$ 296,9 milhões para o programa de Prevenção e Preparação para Desastres Naturais, uma peça de ficção vinculada ao lastimavelmente real Ministério da Integração Nacional. A três meses do início da temporada de chuvas e inundações, ninguém viu a cor do dinheiro.
Passadas as comemorações natalinas e de fim de ano, voltamos ao nosso difícil e delirante cotidiano.
Na Europa, a crise se aguça – e nem mesmo a promessa de medidas econômicas duras (contra os povos, não contra os banqueiros e governantes) melhoram as perspectivas. O euro, como um boxer exausto, encolheu-se no canto do ringue, quase sem condições de reagir aos socos que recebe. Os Estados Unidos cambaleiam – e lá se corre o risco de um retorno triunfal dos republicanos à Casa Branca. Barack Obama, segundo todas as avaliações, dificilmente será reeleito. Na América Latina, as coisas continuam como sempre estiveram: velhas oligarquias, que agora usam ternos bem cortados e posam de modernas, continuam mandando e desmandando, enriquecendo enquanto milhões de “cucarachas” vivem à míngua. No Brasil, bem, no Brasil, “tia” Dilma promete reformar o ministério herdado de Lula, ampliar os programas sociais e as obras de infraestrutura, além de coibir os malfeitos, singelo nome que ela deu à corrupção e à falta de ética e compostura dos seus subordinados. O que não falta no Brasil são discursos e promessas ufanistas.
Nos últimos dias do ano que passou, tivemos a notícia de que o Brasil tornou-se a sexta economia do planeta. O “mestre” Mantega reuniu os jornalistas e prometeu duas coisas: que em poucos anos ultrapassaremos “outros” países, como a França e a Alemanha, e em vinte anos alteraremos o quadro social brasileiro. Mantega é um pândego.
Sobre essa questão de sermos a oitava, a sétima ou a sexta economia do planeta, o velho professor do Penedo já escreveu sobre isso, aqui nesse mesmo espaço. Meus argumentos continuam válidos, por isso não vou repeti-los. Agora, afirmar que em duas décadas superaremos as nossas mazelas sociais, bem, isso só pode ser fruto de delírio. No meu tempo de guri, no Rio de Janeiro, diríamos que tal promessa era um “bafo de boca”.
O quadro social brasileiro – é digno da sexta economia?
Moro em Brasília, mais especificamente no chamado Plano Piloto, onde a renda é uma das maiores do Brasil. Brasília é, hoje, uma unidade da federação carente de serviços básicos decentes, como um sistema de saúde digno, uma rede pública de ensino eficiente. Brasília não dispõe de um sistema de transportes coletivos (sequer) razoável: os ônibus são velhos e sujos, os motoristas mal-educados. Mas, em compensação, Brasília está construindo um estádio de futebol de primeiro mundo – para satisfazer a vaidade de autoridades incompetentes que não dão a mínimo para o povão. O futebol em Brasília é ridículo em qualidade e espetáculo: o público médio nos estádios da cidade não atinge a 2.500 pessoas, mas o novo estádio – o Estádio Nacional de Brasília, pomposo nome! – terá capacidade para receber 71 mil pessoas!
Em relação aos custos do estádio, bem, as estimativas variam: uns falam em 800 milhões, outros em 1 bilhão, mas há quem assegure que ele não ficará por menos de 1 bilhão e quatrocentos milhões! É muita grana, principalmente quando se observa o abandono em que se encontra a capital do país, onde, além dos problemas já apontados, as ruas estão esburacadas, onde as áreas verdes não são tratadas, onde o desemprego é um dos mais elevados do país.
Êta Congressinho mais chinfrim!
Este Papo de Amigos possuem um setor de pesquisa que observa com acuidade o funcionamento do Congresso. Vou destacar três traços marcantes da chamada casa legislativa:
1)Quem pauta o funcionamento diário do Congresso é o Executivo através das Medidas Provisórias, uma excrecência constitucional, filha dileta dos Decretos-leis da ditadura. O Congresso tornou-se um simples homologador das Medidas Provisórias expedidas pelo Executivo. Nós votamos no deputado ou senador para o distinto legislar, mas o infeliz torna-se apenas um fantoche do Planalto.
2)Vejam os filmes ou reportagens: em todos os Congressos do mundo, senadores e deputados estão sempre sentados, prestando atenção no discurso do orador. Suas mesas têm papéis, que são os documentos que serão discutidos naquela sessão. No Brasil, não. No Brasil, os trabalhos no Congresso são uma verdadeira zorra! Deputados e senadores ficam de pé, fazem rodinhas, conversam, falam no celular, riem - ninguém presta a mínima atenção no que o orador está falando. Não são sérios – nem fingem que são.
3)Um traço da vida política brasileira é a corrupção. Um grande político brasileiro, já falecido, disse uma coisa bem verdadeira: “A política é a atividade mais nobre nas sociedades humanas. Mas, no Brasil, a política tem uma capacidade enorme de atrair gente ordinária!” É preciso dizer mais alguma coisa?
Deu na Revista Época
O velho professor do Penedo tem grande admiração pela jornalista Ruth de Aquino, da Revista Época. É sempre com grande prazer que eu a leio. Esta semana o artigo dela é impagável. Por isso, eu o transcrevo aqui:
Os porquinhos vão à praia
Era lixo só. No domingo de Natal, ninguém se atrevia a ir à praia em Ipanema e Leblon, os bairros da zelite carioca. É o metro quadrado mais caro do Rio de Janeiro, mas o que sobra em dinheiro falta em educação. Todo mundo culpou a Comlurb, a companhia municipal de limpeza. Que direito tem a prefeitura de expor nossa falta de respeito com o espaço público?
É verdade que houve uma falha operacional. Os garis do sábado à noite teriam de dar mais duro para compensar a redução da equipe da Comlurb no domingo. A praia mais sofisticada da cidade, que vai do canto do Arpoador até o fim do Leblon, amanheceu com 25 toneladas de lixo espalhadas, um espetáculo nojento. Cocos são o maior detrito: 20 mil por dia. Mas tem muita embalagem de biscoito e sorvete. As criancinhas imitam os pais que deixam na areia latas de cerveja, copos de mate, garrafinhas de água, espetos de queijo coalho, canudos de plástico. É o porco pai, a porca mãe e a prole de porquinhos.
Adorei o atraso da Comlurb por seu papel didático. Quem andou no calçadão dominical e olhou aquela imundície pode ter pensado, caso tenha consciência: e se cada um cuidasse de seu próprio lixo como pessoas civilizadas? O Rio está cheio de farofeiro. De fora e de dentro. De todas as classes sociais. Gente que ainda não aprendeu que pode carregar seu próprio saquinho de lixo na praia. A areia que sujamos hoje será ocupada amanhã por nós mesmos, nossas crianças ou os bebês dos outros. Falo do Rio, mas o alerta serve para o Brasil inteiro neste verão. Temos um litoral paradisíaco. Por que maltratar as praias?
Na Cidade Maravilhosa, o terceiro maior orçamento da prefeitura é o da Comlurb. Só perde para Educação e Saúde. Por ano, a prefeitura gasta R$ 1 bilhão coletando lixo dos prédios e das ruas. “Para recolher a lambança que as pessoas fazem nas ruas, parques, praias, são gastos R$ 550 milhões”, me disse o prefeito Eduardo Paes. “Daria para construir 100 escolas num ano, ou 150 creches, ou 200 clínicas da família.”
No ano passado, Paes criou o “lixômetro”, uma medição do lixo público nos bairros. Quem reduzisse mais ao longo do ano ganharia benfeitorias. O campeão foi a Cidade de Deus, comunidade carente pacificada. Menos lixo no espaço público significa economia para o contribuinte e trabalho menos penoso para os garis. A multa no Rio, hoje, para quem joga lixo na rua é de R$ 146, mas jamais alguém foi multado. Os guardas municipais raramente abordam os sujismundos e preferem tentar educar, explicar que não é legal.
As cestas de lixo nunca serão suficientes para os porquinhos. Porque o que conta é educação e cultura
Os porquinhos adoram um argumento: não haveria cestas de lixo suficientes. Na orla, as 1.400 caçambas não dariam para o lixo do verão. A partir de fevereiro, as caçambas dobrarão de volume, de 120 litros para 240 litros. E nunca serão suficientes. Porque o que conta é educação e cultura. Ou você se sente incapaz de jogar qualquer coisa no chão e anda com o papel melado de bala até encontrar uma lixeira, ou você joga mesmo, sem culpa nem perdão. O outro argumento é igual ao dos políticos corruptos: todo mundo rouba, por que não eu? Pois é, todo mundo suja, a areia já está coalhada de palitinhos, plásticos e cocos, que diferença eu vou fazer? Toda a diferença do mundo. O valor de cada um ninguém tira.
Em alta temporada, 200 garis recolhem, de 56 quilômetros de praias no Rio, 70 toneladas de lixo aos sábados e 120 toneladas de lixo aos domingos. A praia com mais lixo é a da Barra da Tijuca. Em seguida, Copacabana. Tenham santa paciência. Quando vejo aquela família que leva da praia suas barracas, cadeirinhas e bolsas, mas deixa na areia um rastro de lixo, dá vontade de perguntar: na sua casa também é assim?
A tímida campanha do “Rio que eu amo eu cuido” mostra que muito mais conscientização será necessária. A China produziu um gigantesco rolo compressor antes das Olimpíadas: em outdoors nas ruas, programas de rádio e televisão, o governo pedia à população que não cuspisse e escarrasse na rua. Era uma forma de tentar mostrar ao mundo que o povo não era tão mal-educado.
Experimente responder a estas perguntas. Jogo lixo na rua? Já deixei lixo na praia? De carro, furo o sinal vermelho? Acelero no sinal amarelo para assustar o pedestre? Buzino sem parar e xingo no trânsito? Dirijo depois de beber? Deixo meu cachorro fazer cocô na rua sem recolher? Já fiz xixi publicamente? Corro de bicicleta na calçada, pondo em risco velhinhos e crianças? Abro a mala do carro estacionado para fazer ecoar meu som predileto?
Que tal ser um cidadão melhor e menos porquinho em 2012?
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E aqui apresento a Velha Guarda da Portela que acompanha um dos seus integrantes, o grande Manacéia, autor do belíssimo samba “Quantas lágrimas”.