Recebam todos os leitores atuais e futuros deste Papo de Amigos o fraterno abraço do velho professor do Penedo.
Que 2012 seja um ano de menos guerra, menos corrupção, menos desgoverno, e que os povos do planeta tenham seus direitos assegurados. Que estejamos livres das tristezas e de todas as formas de sofrimento
Feliz Natal e um belo ano de 2012 são os votos do velho professor do Penedo.
Vejam o vídeo abaixo até o fim.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
domingo, 18 de dezembro de 2011
Educação, mais uma vez.
(Estas notas são uma homenagem aos grandes Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro).
O velho professor do Penedo já escreveu neste Papo de Amigos sobre a educação brasileira. Nunca é demais insistir em alguns pontos.
A revista Veja (nº 2.248) publicou interessante matéria sobre a educação na China – e faz algumas observações que merecem ser pensadas. Em primeiro lugar, o rigor e a seriedade dos professores e alunos chineses. Segundo o autor da matéria, na China, ao contrário do que acontece no Brasil, não se confunde ordem e autoridade com autoritarismo, nem desordem e bagunça com liberalismo.
(O velho professor do Penedo quando era coordenador de ensino num Centro Universitário privado foi chamado de “autoritário” porque exigiu de seus professores que cumprissem, eles próprios, o horário das aulas, e exigissem o mesmo dos alunos).
Diz a matéria que Xangai, província chinesa, tirou o primeiro lugar em todas as áreas aferidas (matemática, ciências e leituras) no Pisa (edição de 2009), teste internacional de ensino e aprendizado, realizado a cada três anos pela OCDE. 64 países (mais Xangai) participaram da citada edição: o Brasil ficou na rabeira – entre a 53ª e a 57ª posições!
O fato é que sem uma educação elevada, de alto nível, desde o ensino básico ao ensino superior, nenhum país se desenvolve. Desenvolvimento plantado sobre um modelo educacional caduco e estropiado como o brasileiro, é, como dizia Zeca Pagodinho, a quem Lula recorria quando desejava fazer uma citação “douta”, papo furado.
(Bem verdade que, no Brasil, há ilhas de excelência, mas estas são exceção – ou, como o nome diz, são ilhas, apenas).
Outro fato destacado na reportagem: em 2009, o governo chinês gastou 3,6% do PIB em educação. O Brasil, nos últimos sete anos, o gasto educacional evoluiu de 4,1% para 5,3% do PIB. Como se vê, o Brasil gasta relativamente mais que a China, mas os seus resultados são pífios. Na verdade, a questão não é mais ou menos recursos – é utilizá-los de maneira eficiente, o que parece não ser o caso brasileiro.
Na China, o professor é o centro de todo o sistema educacional, não em termos de salários, que são baixos, mas em termos de “meritocracia”, prêmios pelo bom desempenho e motivação.
(Anos atrás, o velho professor do Penedo ministrou um curso – oito sábados – a uma turma de professores do segundo grau da rede pública de Brasília. No primeiro dia de aula, quis saber dos “mestres” que livro eles tinham lido nos últimos seis meses. A resposta: silêncio. Sem graça, mudei a pergunta: quem leu um livro – qualquer livro – no último ano. A resposta foi a mesma: silêncio. Fiz, então, a derradeira pergunta: quem na turma lera um livro nos últimos dois anos? Uma professora levantou timidamente o dedo. Indaguei: que livro você leu? A resposta: não foi propriamente um livro, mas trechos da Bíblia).
A reportagem de Veja deve ser lida. É claro que o exemplo da China não pode ser imediatamente transplantado para o Brasil. Há fatores históricos, psicológicos e políticos próprios, que não podem ser copiados.
A verdade é uma só: o Brasil precisa ter um projeto próprio, mas contínuo, que não se altere com a mudança de governos. Um projeto de longo prazo, que envolva os três níveis de ensino, o básico, o secundário e o superior. Tal projeto deve ser entendido como parte de um projeto nacional, que não se subordine a partidos, a ideologias (que, segundo Marx, é falsa consciência), a grupos, a quaisquer tipos de pressão, que não seja aquelas que valorizem a qualidade, o mérito, o desempenho. Um projeto que tenha um horizonte amplo, que perceba que os primeiros resultados só aparecerão no médio prazo.
(Em 9 de janeiro de 2009, o velho professor do Penedo enviou a seguinte carta ao Correio Braziliense:
“Muitos ensinamentos de Maquiavel são negligenciados pelos políticos brasileiros. Um deles: o príncipe deve sempre dar bons exemplos. Note bem: bons exemplos. Discute-se hoje o fato de que Lula não lê nem jornais nem livros, quanto mais livros. Qual é o espanto? Vi, tempos atrás, Lula dizer a um auditório de crianças que ler era muito chato. Ninguém disse, na época, que o presidente deve saber quando o silêncio é de ouro. Se isso for impossível, então ele deveria ter mentido e dito para as crianças: ‘Ler é uma maravilha. Eu adoro ler’. Não disse. E não ficou calado. Preferiu fazer o oposto do que Maquiavel recomendou: deu mau exemplo. Ao fundo, assessores petistas riam e pareciam estar satisfeitos com a sinceridade do líder”.)
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Você sabia?...
... Que a dívida externa brasileira, em 2010, atingia a módica quantia de US$ 198,2 bilhões ou R$ 357 bilhões?
... Que todos os brasileiros, homens e mulheres, velhos e crianças, devem, por isso mesmo, US$ 1.000,4 ou R$ 1.900,8 aos bancos internacionais?
... Que a carga tributária brasileira equivale a 35,02% do PIB?
... Que as exportações brasileiras representavam, em 1954, 2,01% das exportações mundiais?
... Que, em 2009, tal percentual era da ordem de 1,28%, quase a metade do de 1954.
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Os grandes da MPB (10)
Trago, hoje, dois vídeos do conjunto vocal “Quatro Ases e Um Coringa”. Foram sucesso nos anos 1940 e 1950. As músicas são: “Cabelos brancos”, de Herivelto Martins e “É com esse que eu vou”, de Pedro Caetano.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
De novo, a Transposição do Velho Chico.
Todos sabem que o velho professor do Penedo é visceralmente contra a chamada Transposição do Rio São Francisco, obra que o governo petista resolver executar como um prêmio os latifundiários nordestinos, inclusive aqueles que produzem camarão para exportação.
Trata-se de uma obra que poderá - de quebra - produzir um desastre ambiental semelhante ao que ocorreu no Mar de Aral, após a transposição dos rios Syr Darya e Amu Darya que formavam o imenso lago. O governo mente quando afirma que a transposição visa garantir água (de beber) para o povo pobre do Nordeste. O velho professor do Penedo já publicou neste Blog matéria a respeito.
O Mar de Aral era o 4º maior lago do planeta e ocupava uma área de 68.000 quilômetros quadrados. O volume da água atingia a 1.100 quilômetros cúbicos. Uma enormidade. Hoje, o Mar de Aral é um laguinho mixuruca e salgado: possui menos de 10% da área primitiva.
Tenho um amigo – tecnocrata e equivocado, mas bom sujeito – que, um dia, me falou do Rio São Francisco com ar tão doutoral que eu me espantei, pois ele jamais estivera na região. Mas os tecnocratas são assim mesmo: acreditam que suas soluções, que supostamente são baseadas na última palavra da técnica, resolvem tudo.
Os burocratas soviéticos, que bolaram a transposição dos rios que formavam o Mar de Aral, também tinham certeza de que tudo ia dar certo, como não? Afinal, eles dominavam as técnicas – e as técnicas são tudo.
O artigo abaixo, da autoria de Roberto Malvezzi deve ser lido.
Decomposição da Transposição |
Não foi por falta de alerta da sociedade, de protestos, até de greves de fome. A Transposição (do Rio São Francisco) sempre foi tida como absurda, mesmo que fosse concluída, porque atenderia muito mais aos grandes interesses que a sede das populações necessitadas. Agora, anos depois de iniciada, vai comprovando uma por uma todas as preocupações da sociedade: já devorou 3,5 bilhões de reais, precisa de mais 1,8 bilhão em aditivos, obras paralisadas, decomposição das obras já realizadas, péssima indenização das comunidades (até 160,00 reais para uma velha senhora), rachaduras nas casas das comunidades próximas por explosões de dinamites, emprego temporário e problemas permanentes, desfazimento dos consórcios, novas licitações, uma ladainha sem fim de problemas. Mas a Articulação do São Francisco Vivo não se ilude, isto é, o governo vai voltar. Agora, a prioridade são as obras da Copa, os aeroportos, estádios e metrôs. A sociedade civil estima em mais de 600 mil pessoas realocadas por tais obras. Parece que o Brasil calculou mal, não tem pernas para enfrentar decentemente tantas iniciativas. Pior, as empreiteiras, acostumadas a esse jogo de subornos, aditivos, recontratações, estão podendo optar por onde podem ganhar mais do que nunca. O pior na Transposição ainda está por vir, isto é, se um dia essa obra for concluída, o povo vai ver que a água que corre pelos canais não era para ele. Vão ver canais enormes cercados por arame farpado, guardas motorizados impedindo o acesso das populações, ainda que seja para roubar um balde de água. Aí a crueldade do processo mostrará todas as suas evidências. Por outro lado, o que precisa ser feito não está sendo feito, ou está sendo mal feito. A presidente Dilma, agora para favorecer seu ministro da Integração, Fernando Coelho, permitiu que a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) implante cisternas de plástico no lugar das cisternas de placas. As adutoras do Atlas do Nordeste não estão sendo feitas, ou apenas algumas, e milhares de municípios nordestinos poderão entrar em colapso de água até 2025, como prevê a Agência Nacional de Águas (ANA) em seu Atlas do Nordeste. Por isso, nos diferenciamos mais uma vez da grande mídia nacional e da oposição de direita no Brasil. Mantemos nossa posição original. Não estamos interessados na continuidade da Transposição, mas na aplicação desses recursos no que deve ser feito, priorizando as populações efetivamente necessitadas. A grande mídia se entende com as empreiteiras, que se entendem com o governo. Nessa equação, povo nordestino continua de fora. A decomposição da Transposição fala por si mesma. Roberto Malvezzi é agente pastoral, membro da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e da Aliança para o Semiárido (ASA). |
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Os grandes da MPB (9)
Angenor de Oliveira, o Cartola, nasceu no Rio de Janeiro, em 11 de outubro de 1908. Morreu no Rio, em 30 de novembro de 1980. Ele canta a música "Corra e olhe o céu".
domingo, 11 de dezembro de 2011
Estamos longe do futuro, mas o governo quer nos enganar (3)
A leitura das revistas semanais nos conta, sem retoques, uma pouco da história brasileira – em especial, a história do projeto petista de poder.
Na revista Época (nº 708), o ministro Fernando Pimentel dá entrevista – e procura provar que nada fez de ilegal ao prestar consultorias quando deixou a prefeitura de Belo Horizonte.
Há quem diga, porém, que essas consultoria, que renderam R$ 2 milhões ao ministro, foram, no mínimo, estranhas ou mesmo aéticas, pois Fernando Pimentel, embora não fosse mais prefeito, era figura de peso no PT local e nacional, tanto que foi o coordenador da campanha da “tia” Dilma. O jornalista Elio Gaspari observou que se Palocci foi demitido, Pimentel também tem que sair. Questão de isonomia. Vamos ver os desdobramentos do caso nos próximos dias.
A revista IstoÉ (nº 2196) publica extensa matéria sobre o governador petista Agnelo Queiroz, do Distrito Federal: “A próspera família de Agnelo”.
O governador candango já responde a um processo de desvio do Ministério dos Esportes, agora tal inquérito deve envolver a sua família. Trecho da reportagem: “A Polícia Federal e o Núcleo de Combate às Organizações Criminosas, NCOC, do Ministério Público do DF investigam o aumento vertiginoso do patrimônio da mãe, dos irmãos e até de um sobrinho de Agnelo”. Em três anos, o patrimônio da família do governador atingiu mais de R$ 10 milhões em bens (imóveis, fazenda, restaurantes e locadora). Levantamento da PF indica que os familiares de Agnelo não têm fonte de renda para justificar os negócios realizados nos últimos três anos.
A revista Veja (nº 2247), por sua vez, vai fundo: a revista teve acesso a conversas gravadas pela Polícia Federal com autorização da Justiça que revelam como o PT de José Dirceu se juntou a um notório estelionatário para falsificar documentos, denegrir a imagem de adversários e tentar enganar os ministros do Supremo Tribunal no caso do mensalão.
A revista CartaCapital (nº 676), por sua vez, nos fala sobre um escândalo que envolve ou envolveria José Serra. Tudo, diz a revista, está contado em detalhes no livro, que está sendo lançado, “A privataria tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. As acusações são pesadas – e envolvem propinas milionárias.
E aí?
O velho professor do Penedo tem por hábito ler semanalmente as quatro revistas, além de jornais diariamente. E fica pensando no seguinte: o que dirão, no futuro, os pesquisadores que se debruçarem sobre a vida política brasileira nos gloriosos anos do século XXI?
Ao lado disso tudo, há as notícias que nos falam do nosso desempenho econômico, à luz dos ensinamentos da “tia” Dilma e do “mestre” Mantega:
· O PIB brasileiro teve, no último trimestre, crescimento ZERO. Nos trimestres anteriores, o crescimento fora de 0,8% e 0,6%. Estamos, pois, ladeira abaixo.
· O governo, não sabendo o que fazer, baixou o IPI de geladeiras, fogões, lavadoras, buscando com isso “aquecer” a economia. A coisa ainda não deu certo, inclusive porque a inadimplência dos supostos consumidores brasileiros bateu todos os recordes, atingindo, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a 41%.
· Por tudo, o emprego na indústria brasileira caiu 0,4% em outubro, segundo O Globo.
· Semana passada, o governo federal lançou um programa que visa o combate à epidemia do “crack” no Brasil. Bonito. Mas, hoje, domingo (11 de dezembro de 2011), o Correio Braziliense demonstrou que dos R$ 205,6 milhões de recursos alocados para este ano nos programas do Plano Brasil Sem Miséria, apenas pouco mais de R$ 1 milhão – 0,5% do total – foram efetivamente liberados. Sempre é bom lembrar que estão em situação de pobreza extrema 16,2 milhões de brasileiros, segundo o Censo 2010 do IBGE.
· Detalhe: é considerada como de extrema pobreza a população com renda familiar per capita de até R$ 70 por mês (cada membro da família não pode ter renda superior a R$ 70 mensais). É o que especifica o decreto presidencial.
· Outro detalhe: se numa família cada membro tiver renda superior a R$ 80 (ou mais), a família não será considerada de extrema pobreza. Ah, bom!
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Os grandes da MPB (8)
Hoje vamos ouvir o MPB4 cantar, com Cauby Peixoto, talvez o maior cantor brasileiro, a música “Conceição”, de Jair Amorim e Dunga.
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
Maquiavel e a corrupção
As dicas sobre como se deve ler O príncipe, de Maquiavel, explicam o seu uso por todas as correntes políticas modernas. Na verdade, a expressão “maquiavelismo” continua sendo empregada, por curiosos, estudiosos e políticos de diversos matizes, em dois sentidos: como doutrina que permite o estadista utilizar a fraude, a mentira e a traição para atingir seus objetivos; e como eficiente e sutil teoria política, que nos cabe estudar para compreendê-la bem e agir segundo seus ensinamentos.
As duas abordagens não se excluem, mas se interligam. Na verdade, O príncipe não é rigorosamente um tratado de ciência política. É uma obra ditada pelo pragmatismo; trata-se, antes de tudo, de um manual daquilo que hoje chamaríamos de “marketing político”. Um manual sobre a conquista e o fortalecimento do poder absoluto – e, como tal, rico em conselhos e ensinamentos, o que o faz ser, ainda hoje, livro de leitura obrigatório, mormente pelos que desfrutam ou almejam o poder.
A idéia de que o “maquiavelismo” é um sistema político caracterizado pelo princípio amoralista de que os fins justificam os meios é, sem dúvida, parcialmente verdadeiro – e, no Brasil, muitos políticos e dirigentes públicos agem nesse sentido. Todavia, é certo ainda que na doutrina de Maquiavel, virtude, competência e eficiência, sintetizados na palavra virtú, ocupam posição central, juntamente com a fortuna, ou seja, a sorte, o acaso, as circunstâncias. Segundo Maquiavel, a combinação da virtude (competência) e da fortuna (sorte) decide o destino dos políticos.
Inegável, porém, que O príncipe é obra de grandes ensinamentos práticos, que os políticos, principalmente os políticos brasileiros, nem sempre obedecem. Um deles, em particular, tem um especial significado hoje no Brasil. Ele está bem escrito no capítulo XXI do livro, cujo título diz tudo: “Como um príncipe deve agir para ser estimado”. Maquiavel é claro e direto:
“Nada torna um príncipe mais estimado do que ele realizar grandes empreendimentos e dar altos exemplos através de sua conduta”.
Esta é a questão a ser destacado: tido como autor de um livro amoral, Maquiavel exige do príncipe, ou seja, daquele que detém o poder, bons exemplos de conduta.
Pena que essa sugestão nem sempre seja seguida pelos políticos brasileiros.
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Os grandes da MPB (7)
Apresentamos hoje "Izaías e seus chorões", numa das páginas mais bonitas da MPB: Pedacinho do Céu, de Waldir Azevedo.
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
Só no Brasil isto acontece: um grande escritor esquecido
Em 2001 publiquei no Correio Braziliense o artigo abaixo sobre o escritor Marques Rebelo. Em 2001, comemorava-se o 70º aniversário do primeiro livro do escritor, “Oscarina”. Encontrei nos meus guardados o artigo, que, a meu ver, merece ser divulgado: afinal, em 2011, “Oscarina” completou 80 anos.
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Marques Rebelo era o pseudônimo literário de Edy Dias da Cruz, carioca, nascido em 6 de janeiro de 1907 e falecido em 26 de agosto de 1973. Era da Academia Brasileira de Letras (eleito em 1964), onde ocupava a cadeira 9. Escreveu Oscarina (1931), Três caminhos (1933), Marafa (1935), A estrela sobe (1939), Stela me abriu a porta (1942), Vida e obra de Manuel Antônio de Almeida (1943). Escreveu, ainda, O espelho partido, obra programada para ter sete volumes, dos quais publicou apenas três: O trapicheiro (1959), A mudança (1962) e A guerra está em nós (1968). Concluo esta breve apresentação afirmando o óbvio: Marques Rebelo era um grande escritor - e todos nós, que admiramos a sua obra, devemos saudar os 80 anos de Oscarina, seu livro de estreia.
Na história da literatura brasileira, Marques Rebelo ocupa posição especial. Ele foi talvez o último representante do típico romance urbano carioca, cujos predecessores mais ilustres foram Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto. Utilizava, nos contos e romances, os modismos de opinião de que o Rio de Janeiro sempre foi tão pródigo, expressando-se, sem afetação ou artificialismo, por meio da linguagem desatada e maneirosa do carioca, repleta de malícia e reticências.
Marques Rebelo foi, sobretudo, o romancista da baixa classe média da Tijuca e bairros adjacentes, procurando fixar, com grande capacidade descritiva, os dramas, comédias e compensações daquela gente afeita a um cotidiano inapelavelmente rotineiro e mofino. A prosa do autor de Marafa oscilou sempre entre a mordacidade e o lirismo, desenhando, com as tintas de um realismo seco, quase metálico, uma galeria inesquecível de personagens: a mocinha que aspirava ser uma cantora de sucesso, o militar que procurava esquecer as humilhações da caserna, o funcionário de baixa categoria que só pensava na aposentadoria, "malandros, boêmios e sambistas, gente que não é nitidamente proletária nem chega a ser pequena burguesia", como acentuou Mário de Andrade.
Marques Rebelo foi o escritor que melhor fixou o fascínio que as novelas de rádio - e, por extensão, os mexericos da Candinha e as fofocas sobre Emilinha e Marlene - causavam numa população sofrida que ainda acreditava que o Brasil era o país do futuro. Bem verdade que os livros de Marques Rebelo eram, como se diz, a exata cara do seu tempo; um tempo em que havia carnaval de rua, os grandes clássicos do futebol do Rio eram jogados no campo do Vasco, as chanchadas de Oscarito e Grande Otelo enchiam os cinemas, a garotada colecionava estampas Eucalol ou figurinhas de bala Ruth, o refrigerante preferido era o Guará ("melhor refrescante não há"), o bonde era o principal meio de transporte urbano - e, principalmente, o Rio de Janeiro era uma cidade quase sem violência.
Oscarina, a aniversariante do ano, é um livro de contos - e, ao relê-lo para escrever o presente artigo, identifiquei nele contos verdadeiramente excepcionais, como o que dá título à obra, Onofre, o terrível e Na rua dona Emerenciana, que mestre Graciliano Ramos, nos fundos da livraria José Olympio, na Rua do Ouvidor, costumava recitar trechos inteiros. O conto era, sem dúvida, a sua vocação mais alta; permitia-lhe, notou Josué Montello, "a síntese da vida na síntese da página literária harmoniosamente trabalhada". Literatura, dizia Marques Rebelo, é cortar o que foi escrito em excesso.
O maior sucesso editorial de Marques Rebelo foi, por certo, A estrela sobe, romance adaptado, em 1974, para o cinema por Bruno Barreto, tendo a notável Betty Faria no papel de Leniza, a jovem suburbana que sonhava ser cantora de rádio. A história de Leniza é pungente; Marques Rebelo descreve, com extremo realismo, a trajetória e as reações de Leniza, que, aos poucos, vai saindo do seu pequeno mundo de sonhos para penetrar, dolorosamente, na realidade de um mundo sem contemplações com os puros. Aos trancos e barrancos, à custa de sofrimentos, sustos e traições, Leniza vai, aos poucos, aprendendo que não basta apenas o talento e o ideal - e que a vida, como diria Paulinho da Viola, não é só isso que se vê: é um pouco mais.
Mas a principal obra de Marques Rebelo, contudo, é O espelho partido, que, como já sabemos, ele deixou incompleta. Extenso roman-fleuve - ou, como querem os puristas, romance-rio - estruturado sob a forma de um diário escrito por um escritor carioca (daí dizer-se, com certa razão, que a obra era uma autobiografia), cujos comentários e registros refletiam não só a vida do narrador, mas, sobretudo, a época em que ele vivia.
Os três volumes de O espelho partido somam, na edição que possuo, da Nova Fronteira, 1.700 páginas, o que dá idéia da dimensão do projeto imaginado por Marques Rebelo, previsto em sete volumes. O trapicheiro foi, sem dúvida, o mais citado da trilogia, provavelmente pela surpresa que causou, em estilo e forma, quando foi lançado, em 1959. Nelson Werneck Sodré colocou-o no rol "dos grandes livros do patrimônio literário brasileiro, comparável a Memórias de um sargento de milícias, Dom Casmurro e São Bernardo, grandes marcos da ficção brasileira". Wilson Martins considerou O trapicheiro "uma obra marcante, não só em si mesma, mas também pelo que representa na fixação das principais correntes da nossa literatura moderna". Tristão de Athayde destacou que "o memorialista é tão vivo que se confunde com o romancista, redundando em um dos maiores estilistas de nossas letras". Escreveram também sobre a obra - e positivamente - Adonias Filho, Barbosa Lima Sobrinho, Josué Montello, Raquel de Queirós, entre outros.
Otto Maria Carpeaux observou que a literatura de Marques Rebelo era altamente apreciada pelos conhecedores, embora ele sofresse também um boicote dos críticos e dos noticiaristas literários. Paulo Francis fez observação semelhante. Ambos, Carpeaux e Francis, concordavam que isso se devia à "fabulosa capacidade do escritor de, pela maledicência, arranjar inimigos" e "às posições polêmicas de Rebelo", a quem "vários amigos e admiradores chamavam carinhosamente de louco, quando vinha à tona o assunto das suas espinafrações".
Esse era um traço marcante da personalidade de Marques Rebelo: a rara capacidade de assumir posições - e defendê-las ferozmente acima de quaisquer motivações ou conveniências. Era, cabe repetir, um grande escritor, mas provocou polêmicas e produziu muitos inimigos, inclusive na imprensa, devido à sua maneira desabrida de emitir julgamentos sobre fatos e pessoas. Era, por isso mesmo, invariavelmente acusado de ser movido por razões pessoais. Não ligava. Sorrindo, limitava-se a dar de ombros, como quem dizia, muito ao estilo do surpreendente e impagável humor carioca: "não calo; prefiro virar penico".
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Os grandes da MPB (6)
Hoje é dia de João Nogueira, o grande sambista, cantor e compositor. Nogueira nasceu em 1941 e faleceu em 2000. No clipe, Nogueira canta "Mineira", no Clube do Samba.
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